Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:047/14
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
FORNECIMENTO DE ÁGUA
COBRANÇA COERCIVA
Sumário:Compete aos tribunais tributários apreciar litígios relativos a contratos celebrados entre uma empresa concessionária de serviço público de fornecimento de água ao domicílio e os respectivos utilizadores finais.
Nº Convencional:JSTA000P18164
Nº do Documento:SAC20141030014
Data de Entrada:09/15/2014
Recorrente:O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E O TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 47/14

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos

I-RELATÓRIO

1. I..........................., S.A., identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial de Fafe, a execução, resultante do título executivo injunção com força executiva, peticionando o pagamento das quantias de 5,78€, 6,19€ e 43,01, por si emitidas e não pagas, acrescidos de juros de mora, e demais acréscimos aplicáveis, até integral pagamento.

1.1. Alegou para o efeito, que no âmbito da sua atividade comercial - por concessão do sistema de captação, tratamento e distribuição de água do Município de Fafe - celebrou um contrato de fornecimento de água, com A…….......…, tendo sido prestados os serviços contratados, não tendo ocorrido o respetivo pagamento, no prazo devido.

2. O Tribunal Judicial de Fafe, por sentença, proferida em 21.02.2014, declarou a sua incompetência, em razão da matéria, para apreciar a ação executiva, por ser competente a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, referindo o seguinte:
A autora intenta acção executiva apresentando como título executivo injunção com força executiva na qual alega o seguinte:
A Exequente é uma sociedade comercial concessionária da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Fafe. Na sequência de contrato celebrado com a executada, sob proposta desta (a que foi atribuído o n.º conta contrato n.º 7061595), a exequente forneceu à executada água e prestou-lhe os serviços constantes das facturas que abaixo se elencarão. A Executada, por seu turno, ficou obrigada ao cumprimento das obrigações contratuais previstas - que aceitou -, designadamente ao pagamento das ditas facturas, as quais, enviadas no prazo legal, não foram pagas na data do respectivo vencimento, não obstante a interpelação efectuada. Não pagou, assim, a executada, as facturas n.ºs 551012010000704, vencida em 24/01/2012, do montante de € 26,46; 551012020016844, vencida em 22/02/2012, do montante de € 20,39; 551012030032851, vencida em 22/03/2012, do montante de € 26,58 e 551012040049688, vencida em 30/04/2012, do montante de € 21,94. Em consequência, a 15/05/2012, a exequente deu entrada de procedimento de injunção, aonde peticionou o pagamento das facturas descritas, assim como juros de mora à taxa legal e demais acréscimos legalmente estipulados, concretamente, taxa de justiça paga e despesas administrativas. O referido procedimento culminou com a aposição da fórmula executória a 29/6/2012, por parte do Exmo. Senhor Secretário de Justiça competente.
Cumpre apreciar e decidir.
Como é sabido, na vigência do anterior Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 128/84, de 27 de Abril), o critério diferenciador da competência entre a jurisdição administrativa e a jurisdição cível assentava no conceito de actos de gestão pública e no de actos de gestão privada.
A distinção entre tais conceitos sempre foi objecto de larga elaboração jurisprudencial e doutrinária, podendo dar-se como assente que como actos de gestão privada são “os que se compreendem numa actividade em que a pessoa colectiva, despida do poder público, se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão a normas de direito privado”, ao passo que os actos de gestão pública são “os que se compreendem no exercício de um poder público, integrando eles mesmos a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coerção e independentemente ainda das regras, técnicas ou de outra natureza, que, na prática dos actos, devam ser observadas” [cfr, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20.10.83 (proc. nº 153) e de 12.05.99 (proc. nº 338)].
No entanto, e com a entrada em vigor do novo ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro), operou-se uma profunda alteração da competência material dos Tribunais Administrativos.
Nos termos do art, 4.º, n.º 1, f), do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.
FREITAS DO AMARAL/AROSO DE ALMEIDA, Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo, 3ª edição, Almedina, 2004, p. 42, sustentam que esta norma veio estabelecer o critério do regime substantivo.
Dentro deste contexto, verifica-se que, no caso dos autos, a causa de pedir e o pedido se estribam relativamente a serviços contratados de abastecimentos de água e saneamento prestados pela requerente à requerida.
É sabido que as autarquias dispõem de atribuições no âmbito do ambiente e saneamento básico e que é da sua competência o planeamento, a gestão de equipamentos e realização de investimentos nos seguintes domínios:
Sistemas municipais de abastecimento de água;
Sistemas municipais de drenagem e tratamentos de águas residuais urbanas;
Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No entanto, por contrato de concessão podem os órgãos municipais lançar mão de empresas privadas, Porém, o concedente mantém a titularidade dos direitos e poderes relativos à organização e gestão do serviço público concedido, como o poder de regulamentar e fiscalizar a gestão do concessionário, aplicando-se aqui, no essencial, os princípios da tutela administrativa, o serviço público concedido nunca deixa, pois, de ser uma atribuição e um instrumento da entidade concedente, que continua dona do serviço, sendo o concessionário a entidade que recebe o encargo de geri-lo, por sua conta e risco (cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, p. 1081 e ss.).
Deste modo, a requerente ao fixar liquidar e cobrar tarifas ou taxas aos particulares no quadro da sua actividade de concessionária está a agir no exercício de poderes administrativos. Nesta sequência, e a propósito da mesma questão, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 100536/08,9YIPRT,G1, de 25-09-2012, disponível em www.dgsi.pt. (cujo sumário consta o seguinte: É da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não dos Tribunais Judiciais, a preparação e julgamento de um litígio entre um particular consumidor de água e uma empresa concessionária de um serviço público próprio de um Município ao abrigo de um contrato administrativo celebrado entre ela e a autarquia no exercício da sua actividade de gestão administrativa para prática de actos de utilidade pública e interesse colectivo, impróprios de relações de natureza tipicamente privada, como é o sistema multimunicipal de contínuo abastecimento de água e de saneamento), discorre do seguinte modo:
O abastecimento de água às populações é um serviço de primeira necessidade, como é sabido, um serviço público essencial, tradicional e prioritário, controlado pela Câmara Municipal através da concessão. Pese embora a I.............. — Gestão de Águas ..., SA, seja uma sociedade anónima (de direito privado), prossegue fins contratados de interesse público que, não fosse a concessão, seriam desenvolvidos directamente por normais actos de gestão autárquica administrativa. Casos há em que a administratividade dos contratos deriva da existência de factores legais dessa natureza, sem que seja necessário que as partes declarem expressamente que os mesmos ficam sujeitos a um regime substantivo desses. Como se vê, é de direito público o contrato celebrado entre a requerente e a requerida, com base em normas que regulam “aspectos específicos do respectivo regime substantivo”, incluído na própria concessão. A relação jurídica corporizada pelo contrato celebrado no dia 8.8.2006, prossegue o interesse público, patente, além do mais na definição do regime tarifário e no regime de facturação, em obrigações assumidas pelo município que se regem pelo estabelecido no contrato de concessão, de que depende a vigência do próprio contrato celebrado entre requerente e requerida. Afigura-se-nos, neste circunstancialismo, que os serviços prestados pela requerente a favor da requerida não revestem a natureza de actos privados, susceptíveis de serem desenvolvidos por qualquer particular, mas, ao invés, têm natureza pública; são praticados num condicionamento legalmente determinado no domínio de actos de gestão para a prática de serviços contínuos e de utilidade pública imediata (art.º 178º, nºs 1 e 2, al. h), do Código do Procedimento Administrativo), ainda que não se trate de uma pura relação de autoridade caracterizada pelo ius imperii que ocorre em determinadas relações da administração com os particulares. Para o Prof. A. Varela (12), “actividades de gestão pública são todas aquelas em que se reflecte o poder de soberania próprio da pessoa colectiva pública e em cujo regime jurídico transparece, consequentemente, o nexo de subordinação existente entre os sujeitos da relação, característico do direito público”. Mas acrescenta que “simplesmente, nem todos os actos que integram gestão pública representam o exercício imediato do jus imperii ou reflectem directamente o poder de soberania do próprio Estado e das demais pessoas colectivas. Essencial para que seja considerada de gestão pública é que a actividade do Estado (ou de qualquer outra entidade pública) se destine a realizar um fim típico ou específico dele, com meios ou instrumentos também próprios do agente “. Como se refere no acórdão desta Relação de Guimarães de 22.2.2011 (13), citando Marcello Caetano (14) «o concedente mantém a titularidade dos direitos e poderes relativos à organização e gestão do serviço público concedido, como o poder de regulamentar e de fiscalizar a gestão do concessionário, aplicando-se aqui no essencial, os princípios da tutela administrativa. O serviço público concedido nunca deixa, pois, de ser uma atribuição e um instrumento da entidade concedente, que continua a dona do serviço, sendo o concessionário a entidade que recebe o encargo de geri-lo, por sua conta e risco». A causa de pedir da acção desenha-se pela prática de actos característicos da actividade administrativa, da competência dos municípios; uma relação dirigida à satisfação do interesse público e das necessidades colectivas, em que se inclui, como vimos, a celebração de contratos administrativos. A forma processual de cobrança destas dívidas não passa nem nunca passou obrigatoriamente pela instauração de uma injunção ou de uma AECOP. E se a Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 23/96, de 26 de Julho), na sua versão de Junho de 2008 (Lei nº 24/2008) passou a referir-se expressamente ao processo de injunção, sob o nº 4 do art.º 10, tal como se referiu a acção, mas não significa, só por si, que seja essa a forma de processo adequada quando, segundo as actuais regras prevalentes da competência, essa forma não seja admissível. Por outro lado, nem todos os serviços abrangidos pela protecção daquela lei são prestados nas mesmas condições, pelo Estado ou autarquias locais. Assim sendo, a competência para conhecer, judicialmente, das questões suscitadas no âmbito do referido contrato, surgido no âmbito de uma relação jurídica administrativa e inserido no âmbito da gestão da coisa pública, não pertence aos tribunais judiciais, mas, essencialmente nos termos dos art. 178º, nº 1 e nº 2, al.s g) e h) do CPA e dos art.ºs 1º e 4º, nº 1, al. f), do ETAF, aos tribunais administrativos.
Assim, o caso em apreço subsume-se ao disposto no art. 4,º n.º 1, do ETAF (neste sentido, e por último, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 142872/12.9YIPRT,G1, de 04-04-2013: Cabe à jurisdição administrativa e não aos tribunais judiciais a competência para apreciar uma acção em que a autora, concessionária da gestão e exploração de serviço público municipal de fornecimento de água, pretende obter a condenação do réu no pagamento de determinada quantia relativa ao fornecimento de água e acréscimos incluídos na fatura. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 313901/11.2YIPRT.G1, de 04-04-2013: É da competência dos Tribunais Administrativos, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do ETAF, em conjugação com o nº 3 do 214º da Constituição da República Portuguesa, a acção em que actuando a Autora, na qualidade de concessionária e nos termos do Regulamento do Serviço de Abastecimento de Água ao Concelho de Fafe e do Contrato de Concessão celebrado com o Município de Fafe, e no âmbito deste, exclusivamente, os poderes de autoridade, caracterizadores de ius imperii, se mantêm na entidade concedente, não podendo, ainda, os serviços de fornecimento de água prestados pela requerente, na qualidade de concessionária de órgão público, ser realizados por qualquer entidade particular).
Por último neste sentido, veja-se os acórdãos do Tribunal dos Conflitos, de 13-02-2014, acessível neste link, e de 29-1-2014 acessível neste link.
É evidente que tudo o que é invocado no âmbito das acções declarativas é passível de se estender às acções executivas baseadas na mesma relação jurídica.
Por todo o exposto, a jurisdição administrativa é a competente para a execução desta injunção.
A incompetência material consubstancia excepção dilatória de incompetência absoluta, de conhecimento oficioso no presente momento processual e geradora da absolvição da instância,
Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando o presente tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente acção e, consequentemente, absolvo da instância a executada.

3. Desta decisão, veio a Exequente, a fls. 29, invocando o art. 99º C.P.C., requerer a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.

4. O TAF de Braga, em 9.05.2014, proferiu (fls. 30/31) a seguinte decisão:
I............................., S.A., NIPC ........................., intentou acção executiva, apresentando como título executivo injunção com força executiva, na qual alega o seguinte:

1.º) A Exequente é uma sociedade comercial concessionária da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao Concelho de Fafe.
2.º) Na sequência do contrato celebrado com a executada, sob proposta e encomenda desta, tendo-lhe sido atribuído o n.º conta contrato 7061595, a exequente forneceu à executada água e prestou-lhe os serviços constantes das facturas que abaixo se elencarão.
3.º) A executada, por seu turno, ficou obrigada ao cumprimento das obrigações contratuais previstas - que aceitou -, designadamente ao pagamento das ditas facturas, as quais, enviadas no prazo legal, não foram pagas na data do respectivo vencimento, não obstante a interpelação efectuada.
4.º) Não pagou, assim, a executada, as facturas n.os 551012010000704, vencida em 24/01/2012, do montante de € 26,46; 551012020016844, vencida em 22/02/2012, do montante de € 20,39; 551012030032851, vencida em 22/03/2012, do montante de €26,58 e 551012040049608, vencida em 30/04/2012, do montante de 21,94.
5.º) Em consequência, a 15/05/2012, a exequente deu entrada de procedimento de injunção, aonde peticionou o pagamento do valor titulado pelas facturas descritas, assim como juros de mora à taxa legal e demais acréscimos legalmente estipulados, nomeadamente, despesas administrativas e taxa de justiça paga.
6.º) O referido procedimento culminou com a aposição da fórmula executória a 29/06/2012, por parte do Exmo. Senhor Secretário de Justiça competente.
7.º) A exequente peticiona, assim, os montantes devidos a título de serviços prestados e não pagos - constantes das referidas facturas e, subsequentemente, do requerimento de injunção - acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, bem como taxas de justiça pagas e demais encargos.
8.º) A exequente é parte legítima, gozando de título executivo suficiente, sendo a obrigação líquida e o Tribunal competente.

Por decisão de fls. 38 e ss, o Tribunal Judicial de Fafe declarou-se incompetente em razão da matéria, por entender estar perante matéria atribuída à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A questão que importa decidir, desde logo, é a da competência deste Tribunal para tramitar a presente acção executiva.
Da (in)competência material do Tribunal:
Nos termos do artigo 214º, nº 3, da CRP e 1º, nº 1 do ETAF, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por seu lado, o artigo 49º, nº 1, alínea e), ponto v) do ETAF, atribui competência aos tribunais tributários para conhecer das execuções das suas decisões.
A presente execução funda-se em injunção, à qual foi aposta fórmula executória, na qual foi formulado um pedido de condenação da Ré (ora executada) a pagar à Autora uma quantia por esta facturada relativa a serviços alegadamente contratados e prestados de fornecimento de água.
Ora, para além do litígio subjacente à presente execução não encerrar uma verdadeira questão fiscal, não se subsumindo em qualquer das alíneas do nº 1 do artigo 4º do ETAF, como é defendido no parecer junto aos autos do ilustre administrativista PEDRO GONÇALVES, o título dado à execução não provém de um tribunal tributário, mas sim de uma secretaria (designada Balcão Nacional de Injunções) criada pela Portaria nº 220-A/ 2008 de 4 de Março e que integra a orgânica dos tribunais judiciais.
Conclui-se, assim, que a presente acção executiva não é da competência dos tribunais administrativos e fiscais, antes cabendo aos tribunais judiciais.
DECISÃO:
Nos termos supra expostos, julgo este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para tramitar o presente processo executivo, por ser competente para tal o tribunal judicial e, em consequência, indefiro liminarmente a petição inicial”.

5. O Magistrado do Ministério Público, junto do STA veio, ao abrigo do art. 111º, nº 2 do C.P.C., requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição, alegando para tanto, o seguinte:
“1.º
I...................................., SA, apresentou junto do Tribunal Judicial de Fafe procedimento de injunção, onde peticionou o pagamento das quantias de € 5,78, € 6,19 e € 43,01, a título de facturas não pagas por si emitidas no âmbito do contrato de fornecimento de água entre ambos celebrado, bem como juros de mora à taxa legal e demais acréscimos legalmente estipulados, nomeadamente despesas administrativas e taxa de justiça paga (documento único).
2.º
Alegou que no âmbito da sua actividade comercial, por concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água do Município de Fafe efectuou um contrato com a requerida, A…................….., à qual prestou os serviços contratados, sendo certo que findo o prazo de vencimento, o pagamento devido não foi efectuado (documento Único),
3.º
O procedimento de injunção terminou com a aposição da fórmula executiva a 12 de Outubro de 2012, por parte do Secretário de Justiça competente. (documento único).
4.º
A requerente intentou no Tribunal Judicial de Fafe acção executiva, apresentando como título executivo a citada injunção com força executiva (documento único).
5.º
Por decisão de 21 de Fevereiro de 2014, o Tribunal Judicial de Fafe julgou-se incompetente em razão da matéria para apreciar a acção executiva, atribuindo a competência à jurisdição administrativa/fiscal, absolvendo a executada da instância (documento único).
6.º
Foram, então, os autos remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
7.º
Todavia, por decisão de 09 de Maio de 2014, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgou-se, igualmente, incompetente em razão da matéria, para conhecer da acção, atribuindo a competência aos tribunais judiciais (documento único).
8.º
Configura-se, assim, a existência de um conflito negativo de jurisdição, na medida em que cada um dos tribunais em causa (Tribunal Judicial de Fafe e Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga), integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se considera incompetente para conhecer a identificada acção, atribuído ao outro essa competência, reciprocamente, por decisões transitadas (documento único).
Termos em que, observados os trâmites legais, se requer seja proferida decisão pelo Tribunal dos Conflitos que resolva o presente conflito negativo de jurisdição.”

6. Sem vistos, mas com distribuição prévia do projeto de acórdão, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS

1. O caso dos autos, começou com a petição de uma injunção para pagamento de faturas respeitantes ao incumprimento do contrato celebrado entre a Autora, concessionária da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água no concelho de Fafe, e A…............……., em que esta não pagou determinadas faturas respeitantes ao fornecimento de água ao domicílio, pedindo a condenação no pagamento das quantias em dívida, acrescidas dos juros moratórios vencidos e os vincendos até efectivo e integral, por via da prestação do referido serviço.
Assim sendo, a questão central a decidir traduz-se em saber qual o tribunal competente para conhecer a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias na qual a Autora, concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de distribuição de água, pede a condenação da Ré no pagamento de quantias relativas ao fornecimento de água objeto do referido contrato.
Como vimos, o Tribunal Judicial de Fafe julgou competente para dirimir o presente litígio a jurisdição administrativa e fiscal, dado o fundamento do litígio emergir de uma relação jurídica administrativa.
A conclusão a que se chegou naquela instância assenta no pressuposto de que o contrato celebrado entre a Autora e o consumidor nos remete para uma relação jurídico administrativa na modalidade de contrato administrativo.
Vejamos.

2. Constitui pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir) - cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04 proferido no Conflito 8/04; de 23/5/2013, Conflito nº 12/12; e de 21/1/2014, Conflito nº 44/13.
Este Tribunal tem vindo a decidir diversos casos com os mesmos contornos essenciais,
sendo que em todos eles foram julgados competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes os Tribunais Tributários. Neste sentido, cfr., entre outros, os seguintes acórdãos: de 25/06/2013; Processo n.º 033/13; de 26.9.2013, Processo n.º 030/13; de 05/11/2013; Processo n.º 039/13; de 18/12/2013; processos n.º 038/13 e n.º 053/13; de 21.1.2014; Processo 044/13; de 13.2.2014; Processo 41/13; acórdão de 27.3.2014; processos 54/13 e 1/14; de 15.5.2014; Processo 31/13; acórdão de 19.06.2014; Processo 022/14 e acórdão de 15.05.2014, Processo 031/13.
Estando firmada jurisprudência neste Tribunal de Conflitos, não obstante posição em contrário perfilhada, designadamente no Conflito nº 44/13, passamos a reproduzir o Acórdão nº 022/14, de 19/6/2014, que segue a jurisprudência uniforme nesta matéria.
Aí ficou consignado o seguinte:
“Trata-se de casos que são iniciados através do Balcão Nacional de Injunções, sendo, depois, distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
As incidências específicas de cada um, como, por exemplo, o teor das contestações deduzidas pelos aí requeridos, não são decisivas para a determinação da competência. Com efeito, devendo a competência ser apreciada em função da causa de pedir e pedido, tem-se observado fundamental identidade, pois os processos têm respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água. E em todos os processos, como neste, é incontroverso que as autoras são sociedades que se incumbem do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público.
Com excepção de um caso, o que foi objecto do acórdão de 21.01.2014, no proc. 044/13, em todos os demais foram julgados competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal; dentro destes, os tribunais tributários.
“2.2.2. Não se vislumbra razão para alterar aquele entendimento dominante.
E também se afigura suficiente a fundamentação que tem sido avançada para esse entendimento. Nesta circunstância, transcreve-se parcialmente a fundamentação apresentada no supra referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere, desde já se assinalando que se consideram irrelevantes diferenças concretas, nomeadamente, o facto de nele se tratar de outras partes (autor e réu) e de ser outro o município a que se reporta o abastecimento de água:
«Resulta do artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.º do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Por outro lado, consagra ainda o artigo 212.º, nº 3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei n.º 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.), embora em termos meramente exemplificativos.
Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida [...]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8º).
E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.
Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”.
Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o artº 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº 379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.
Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.
Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº 2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF».”

3. Pelo exposto, temos de concluir por julgar competente para conhecer da presente ação a jurisdição administrativa e fiscal e, dentro desta, os tribunais tributários.

III- DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal, acordam em declarar os Tribunais tributários os competentes para conhecer da presente ação.

Sem custas.
Lisboa, 30 de Outubro de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – António Leones Dantas – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Mário Belo Morgado – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor.