Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:025/19
Data do Acordão:11/21/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:PRÉ-CONFLITO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTIDADES PÚBLICAS
JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Sumário:I - A competência da Jurisdição Administrativa para conhecer de ações para efetivação da responsabilidade civil extracontratual, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF tem como pressuposto a imputação a entidades públicas de factos ilícitos geradores de «f) Responsabilidade civil extracontratual (…), incluindo por danos resultantes do exercício das funções políticas».
II - A competência da Jurisdição Administrativa prevista no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF tem como pressuposto que se esteja perante litígios «nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade».
III - Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma ação instaurada por depositante em banco intervencionado, contra aquele banco, o respetivo gestor de conta, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os Réus, em que sejam imputados aos dois primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da atividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado e o Fundo de Resolução apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
IV - Porém, incumbe à jurisdição administrativa o conhecimento do mesmo pedido, enquanto formulado contra o Banco de Portugal e a CMVM por alegado incumprimento dos deveres de supervisão e vigilância.
Nº Convencional:JSTA000P25213
Nº do Documento:SAC20191121025
Data de Entrada:05/13/2019
Recorrente:A..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE LISBOA JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA – JUIZ 8 E OS TAF
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1. A…………, devidamente identificado nos autos, intentou ação declarativa de condenação, sob forma ordinária, no Tribunal Judicial [TJ] da Comarca de Lisboa [Juízo Central Cível de Lisboa-Juiz 8] contra «B……….., SA» [«B………..»], «C………., SA» [«C……….»], «BANCO DE PORTUGAL» [«Bd], «COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS» [«CMVM»], «FUNDO DE RESOLUÇÃO» [«Fd] e D…………, todos igualmente identificados nos autos, pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe indemnização pelos danos patrimoniais sofridos computados em 108.287,77 €, quantia esta acrescida de juros de mora [vencidos e vincendos] até integral pagamento, e ainda pelos danos não patrimoniais em quantia a liquidar ulteriormente.

2. Responsabiliza os RR. por esse «pagamento», em suma, com base em alegada violação dos «deveres de informação, diligência e lealdade», ou, e se antes se entender, com base na «nulidade do contrato de intermediação financeira», por carência de forma legal, sendo que quanto ao R. «FdR», o único fundamento invocado, como causa de pedir, prende-se com o facto de ser acionista único do «C………», e, alegadamente, responsável máximo pelo pagamento das quantias reclamadas e quanto aos RR. «BdP» e «CMVM» são-lhes acometidas, em essência, «violações de deveres de supervisão» [cfr. fls. 03 e segs. dos presentes autos].

3. O TJ supra identificado em sede de despacho saneador proferiu decisão, datada de 05.12.2017, na qual julgou procedente a exceção dilatória da sua incompetência material para conhecer da ação por entender que a mesma cabia aos tribunais da jurisdição administrativa, absolvendo da instância todos os RR. [cfr. fls. 425 e segs. dos presentes autos].

4. O A. inconformado com aquela decisão interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa [TRL], no qual, por despacho do Relator, foi mantida aquela decisão apenas quanto aos RR. «BdP», «CMVM» e «FR» e revogado quanto aos demais RR., despacho este que, objeto de reclamação, foi confirmado pelo acórdão daquele Tribunal de 28.06.2018 [cfr. fls. 510 e segs. e fls. 624 e segs. dos presentes autos].

5. De novo inconformado o A. interpôs, daquele acórdão e no segmento em que no mesmo havia decaído, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ] [cfr. fls. 662 e segs. dos presentes autos], recurso esse que veio a ser convolado em recurso para o Tribunal de Conflitos por despacho do Relator no TRL a deferir requerimento que pelo mesmo foi apresentado [cfr. fls. 891 v. e 893 dos presentes autos].

6. Despoletado o conflito de jurisdição importa, com prévio envio do projeto aos Juízes Conselheiros nele intervenientes e dispensados os vistos legais, apreciar do mesmo, sendo que o Ministério Público [MP] deu o seu parecer no sentido deste conflito ser resolvido mediante a confirmação do acórdão do TRL quanto aos RR. «BdP» e «CMVM», e a sua revogação apenas na parte relativa ao «FdR» «declarando-se ser a jurisdição comum a competente» [cfr. fls. 971/973].


ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO

7. Mostra-se colocada a este Tribunal de Conflitos, em termos de pré-conflito, a definição da jurisdição competente em razão da matéria para a apreciação do litígio vertido na ação sub specie apenas no segmento relativo à demanda dos RR. «BdP», «FdR» e «CMVM», ou seja, se a mesma caberá aos tribunais judiciais ou aos tribunais da jurisdição administrativa.

8. Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26.08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário («LOSJ») - e 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («ETAF»)], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.


9. A lei jusfundamental consagrou a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si [cfr. arts. 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, 64.º do CPC/2013, 29.º e 40.º, n.º 1, da «LOSJ», 01.º e 04.º do «ETAF»/2004 ou do atual «ETAF»], presente que se os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional [cfr. arts. 64.º do CPC/2013, 40.º, n.º 1, da «LOSJ»] e que, nos termos do n.º 1 do art. 117.º da «LOSJ», «[c]ompete aos juízos centrais cíveis: a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50000,00», resulta, por sua vez, que os tribunais administrativos/fiscais são os «tribunais comuns» em matéria administrativa/fiscal, derivando art. 04.º do «ETAF/2015», preceito convocado pelas instâncias dos TJ’s para fundar seu juízo e no que aqui releva, que «[c]ompete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas: … f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo; g) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes, trabalhadores e demais servidores públicos, incluindo ações de regresso; h) Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público» [n.º 1], pertencendo, ainda, «à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade» [n.º 2].


10. E, prevenindo a existência de conflitos de competência entre tribunais de cada uma das jurisdições, determinou-se que «[a] lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos» [cfr. art. 209.º, n.º 3, da CRP].


11. Presentes os termos/fundamentos em que a pretensão indemnizatória do A. se mostra estribada temos que a questão de definição da jurisdição competente aqui objeto de apreciação não é nova neste Tribunal de Conflitos, tendo o mesmo vindo a firmar jurisprudência constante, e relativamente a litígios com idênticos contornos, no sentido da atribuição da competência material à jurisdição comum no que concerne à demanda dos RR. «B……..» e sua funcionária, «C……..» e «FdR», e à jurisdição administrativa no tocante à demanda dos RR. «BdP» e «CMVM» [cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal de Conflitos de 14.02.2019 - Proc. n.º 031/18, de 14.02.2019 - Proc. n.º 046/18, de 11.04.2019 - Proc. n.º 030/18, de 11.04.2019 - Proc. n.º 01/19, de 23.05.2019 - Proc. n.º 039/18, de 30.05.2019 - Proc. n.º 09/19, de 06.06.2019 - Proc. n.º 041/18, de 06.06.2019 - Proc. n.º 02/19, de 19.06.2019 - Proc. n.º 05/19, de 19.06.2019 - Proc. n.º 020/19, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jcon» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário].


12. Acolhendo-se e reiterando-se tal entendimento e aqui reproduzida sua linha fundamentadora, fundamentação e entendimento esses claramente transponíveis e aplicáveis ao presente pré-conflito e que não podemos deixar de convocar, sob pena de ser posta em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o próprio princípio da igualdade [cfr. arts. 13.º da CRP e 08.º, n.º 3, do CC], resulta in casu a atribuição da competência em razão da matéria à jurisdição comum [tribunais judiciais] para o julgamento do pedido indemnizatório movido contra os RR. «B………» e sua funcionária, «C……..» e «FdR» e à jurisdição administrativa para o conhecimento do mesmo pedido, enquanto formulado contra os RR. «BdP» e a «CMVM», por alegado incumprimento dos deveres de supervisão e vigilância.


13. Daí que o aresto do TRL, ora sub specie, só pode ser confirmado no segmento em que declarou a incompetência material para o conhecimento dos pedidos ligados aos RR. «BdP» e «CMVM», visto que só esse assunto está reservado para a jurisdição administrativa, impondo-se apenas a sua revogação na parte em que afirmou a incompetência dos TJ relativamente aos pedidos formulados contra o R. «FdR».






DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa acordam em julgar o recurso parcialmente procedente:
A) Revogando-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância o «Fundo de Resolução», declarando-se competente a jurisdição comum para conhecer dos pedidos contra este R. deduzidos e devendo o processo prosseguir para esse efeito;
B) Mantendo a decisão do acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância os RR. «Banco de Portugal» e «Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários»;
c) Declarando ser competente a jurisdição administrativa e fiscal para conhecer dos pedidos deduzidos contra os RR. «Banco de Portugal» e «Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários».
Sem custas [cfr. art. 96.º do Decreto n.º 19243, de 16.01.1931].
D.N..
Lisboa, 21 de Novembro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria de Fátima Morais Gomes – Ana Paula da Fonseca Lobo – Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – António Pedro Lima Gonçalves.