Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:069/17
Data do Acordão:06/14/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONFLITO NEGATIVO
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário:I - O tribunal competente para conhecer da impugnação do despacho do Instituto de Segurança Social que cancelou a protecção jurídica que havia sido concedida à requerente, é o que o for para o julgamento da acção em função da qual o apoio judiciário fora requerido, ainda que esta não esteja pendente em juízo.
II - Desconhecendo-se os contornos da acção que irá ser intentada, são os tribunais judiciais os competentes para conhecerem da referida impugnação se no requerimento onde se formulou o pedido de protecção jurídica se afirmou que este se destinava à propositura de uma acção cível.
Nº Convencional:JSTA000P23407
Nº do Documento:SAC20180614069
Data de Entrada:02/04/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O JUÍZO CÍVEL DO PORTO - JUIZ 3 E O TAF DO PORTO - UNIDADE ORGÂNICA 2.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO Nº. 69/17

ACORDAM NO TRIBUNAL DOS CONFLITOS:

1. O digno Magistrado do Ministério Público requereu a resolução do conflito negativo de jurisdição entre o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto e o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, alegando que, por despachos transitados em julgado, ambos os tribunais se julgaram incompetentes em razão da matéria para conhecerem do recurso de impugnação da decisão, do Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social, que cancelou a protecção jurídica que havia sido concedida a A……...

2. Estão provados os seguintes factos:
a) Em 2/3/2012, A…….. apresentou, no Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social (ISS), IP, requerimento de protecção jurídica, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e de nomeação e pagamento da compensação a patrono, referindo que esse pedido se destinava à propositura de uma acção cível;
b) Esse requerimento foi indeferido por despacho, datado de 28/8/2013, de um Técnico Superior do Centro Distrital do Porto do ISS;
c) A requerente interpôs recurso de impugnação desse despacho que, por decisão, de 10/3/2014, do 3.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto, veio a ser julgado procedente, tendo, em consequência, lhe sido concedida a protecção jurídica na modalidade requerida;
d) Por despacho de um Técnico Superior do Centro Distrital do Porto do ISS, foi cancelada a protecção jurídica que havia sido concedida;
e) A requerente interpôs recurso de impugnação do despacho referido na alínea anterior;
f) Por despacho de 28/11/2016, o sr. juiz do TAF do Porto declarou-se incompetente para apreciar esse recurso, determinando que os autos fossem remetidos ao Tribunal de Pequena Instância Cível do Porto;
g) Por despacho transitado em julgado, o Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca do Porto julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do recurso, por entender que a competência cabia ao TAF do Porto, para onde ordenou que os autos fossem remetidos;
h) A sr.ª juíza do TAF, por despacho de 10/10/2017, transitado em julgado, declarou-se incompetente para conhecer do recurso, determinando a remessa dos autos ao aludido Juízo Local Cível.

3. Está em causa nos presentes autos, a questão de saber qual a jurisdição competente para conhecer da impugnação judicial da decisão do Centro Distrital do Porto do ISS que cancelou a protecção jurídica que havia sido concedida à requerente e que, de acordo com o requerimento que esta formulara, se destinava a propor uma acção cível.
No despacho aludido na al. g) dos factos provados, depois de se transcrever o art.º 28.º, da Lei n.º 24/2004, de 29/7, na redacção vigente à data da formulação do pedido, referiu-se o seguinte:
“Resulta, pois, da lei que o processo de impugnação vertente deve ser distribuído ao tribunal ao qual as leis de organização e funcionamento dos tribunais atribuem competência para a causa da qual a impugnação judicial depende.
No caso dos autos a acção que justificará a existência da impugnação sub judice é da competência dos tribunais administrativos e fiscais. Cabe, pois, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a competência para conhecer da mesma – neste sentido, cfr. Acs. do TConf. de 8-4-2008 (06/08), 3-4-2008 (024/07), 6/3/2008 (025/07), 21-2-2008 (022/07), 30-4-2008 (04/08) e 24-4-2008 (018/07)”.
Por sua vez o TAF, para se julgar incompetente, considerou o seguinte:
“Assim, importa decidir a quem cabe a competência para conhecer e decidir da impugnação da decisão do ISS, I.P – Centro Distrital do Porto – sobre o pedido de protecção jurídica formulado pela ora impugnante para propor acção, tendo presente que a impugnante ainda não intentou a acção principal e que refere pretender intentar aquilo que apelidou de “acção cível”.
Assim sendo, tendo presente os termos em foi formulado o pedido de apoio judiciário, no âmbito do qual foi tomada a decisão de cancelamento que vem impugnada bem assim como a informação prestada pelo CDSS o que acontece é que o fim do pedido de concessão de apoio judiciário se encontra relacionado com a interposição de acção que não correrá os seus termos neste Tribunal o que torna claro que este Tribunal não é o competente para conhecer do presente recurso de impugnação.
Na verdade, apenas seria competente para dele conhecer no caso em que o processo subjacente ao pedido de apoio judiciário já tivesse dado entrada neste Tribunal ou, então, viesse indicado que o apoio judiciário pretendido visava a instauração de uma acção administrativa, caso em que era sem dúvida da competência dos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos citados artºs. 27.º e 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/7.
Assim, tendo em conta os n.º 1 e 2 do art.º 28.º, LAJ, a competência para conhecer da impugnação da decisão proferida quanto ao apoio judiciário caberá ao Tribunal de Comarca do Porto e dentro desta, aos respectivos tribunais de competência especializada ou de competência específica, pois que, a competência em razão da matéria se faz por referência à acção (pendente ou a instaurar) para a qual o pedido judiciário foi solicitado, em vista da qual está funcionalmente ligado.
Na verdade, quando o pedido de apoio judiciário se destina a uma acção ainda a propor, como é o caso, a disciplina jurídica a cumprir é a que consta do n.º 1, primeira parte e no n.º 2 do art.º 28.º da Lei 34/2004 e da interpretação desta decorre que o tribunal competente deverá ser aquele em que virá a ser proposta a acção.
(…).
E se, como sucede no caso em apreço, a decisão do apoio judiciário foi proferida no âmbito de um pedido de apoio judiciário com vista a intentar uma acção cível, é patente ser este Tribunal Administrativo incompetente para conhecer da impugnação da decisão do apoio judiciário.
(…)”.
Assim, ambas as decisões são concordantes quando consideram que o tribunal competente para conhecer da impugnação do despacho que cancelou a protecção jurídica que havia sido concedida à requerente é o que o for para o julgamento da acção em função da qual o apoio judiciário fora requerido, ainda que esta não esteja pendente em juízo.
E esta posição está, efectivamente, em consonância com a orientação adoptada por este Tribunal de Conflitos, como resulta do Ac. de 17/5/2007 – Conf. n.º 07/07 (cf. no mesmo sentido, entre outros, os Acs. de 20/6/2006 – Conf. n.º 013/06 e de 3/4/2008 – Conf. n.º 024/07), onde se pode ler:
“(…).
O artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/7/2004 refere que é competente para conhecer da impugnação o tribunal de comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que a acção se encontra pendente.
Este preceito deve, no entanto, ser interpretado tendo em conta, logo à partida, uma regra básica da realidade processual de que o acessório segue o principal.
Depois, há que ter em consideração que o incidente do apoio judiciário sempre foi um incidente do processo a que dizia respeito e que o legislador, quando determinou a competência das autoridades administrativas para a sua decisão numa primeira fase, agiu apenas com intuitos de aliviar os tribunais, nunca tendo pretensão de autonomização relativamente à causa principal. Mesmo, quando, no art.º 24.º, n.º 1 da mencionada lei, refere que o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, quis apenas afastar uma realidade que vinha sendo comum de o pedido de apoio judiciário bloquear o andamento daquela causa principal. Basta lerem-se os demais números daquele artigo para assim se concluir.
Ademais, a vantagem em o incidente de recurso de denegação do apoio judiciário correr no tribunal onde se pretende intentar a acção é manifesta. Muitas vezes, elementos da própria acção são indiciadores de que os dados fornecidos relativamente a tal incidente não são verdadeiros. Sendo também na acção principal que surgem a maior parte dos dados que conduzem ou podem conduzir ao cancelamento ou caducidade do benefício (art.º 10.º e 11.º da citada lei).
Então, se em casos como o nosso, se atribuísse a jurisdição aos tribunais judiciais, ou o juiz do processo principal tinha que fornecer os dados ao juiz dos tribunais judiciais para ele decidir da extinção do benefício (ou do recurso dessa extinção) ou o juiz da causa principal passava a ter jurisdição para se intrometer na decisão que o colega da outra jurisdição tomara.
Qualquer das hipóteses é de repudiar.
(…)”.
Nestes termos, competente para conhecer da aludida impugnação, será o tribunal judicial se o pedido de protecção jurídica se destinar à propositura de uma acção cível ou, pelo contrário, o tribunal administrativo se tiver sido feito com o fim de intentar uma acção administrativa.
Ora, desconhecendo-se, no caso em apreço, os contornos da acção que a requerente irá propor, apenas se pode atender ao que alegou no requerimento onde formulou o pedido de protecção jurídica, onde referiu que esta se destinava à propositura de uma acção cível.
Portanto, não pode deixar de se entender que são os tribunais judiciais os competentes para julgarem a mencionada impugnação.

4. Pelo exposto, acordam em atribuir a competência aos tribunais judiciais.
Sem custas.

Lisboa, 14 de Junho de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – António Leones Dantas – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Isabel Francisca Repsina Aleluia São Marcos – José Augusto Araújo Veloso – Paulo Távora Victor.