Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 046/13 |
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Data do Acordão: | 03/27/2014 |
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Tribunal: | CONFLITOS |
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Relator: | GONÇALVES ROCHA |
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Descritores: | COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS. CONSERVAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE AUTO-ESTRADAS. ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL |
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Sumário: | ![]() |
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Nº Convencional: | JSTA000P17302 |
Nº do Documento: | SAC20140327046 |
Data de Entrada: | 07/22/2013 |
Recorrente: | A..., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 2 JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LOUSADA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Área Temática 1: | * |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam no Tribunal de Conflitos: 1--- A……………….. instaurou no Tribunal Judicial de Lousada uma acção com processo sumário, emergente de acidente de viação, contra B………………, SA, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 5 874,53 euros, acrescida dos juros de mora legais devidos desde a citação e até integral pagamento, valores respeitantes ao dano sofrido no veículo, ao dano advindo da sua desvalorização (1500 euros), e indemnização por danos não patrimoniais (500 euros). Alegou para tanto que, no dia 23 de Novembro de 2010, pelas 15h e 38 m, circulava na auto-estrada nº 11 (A11), no sentido Marco de Canaveses/Felgueiras, ao volante do seu veículo automóvel marca BMW, matricula .....-….-…., quando, ao Km 73,15, e circulando a uma velocidade de cerca de 90/100, inopinadamente lhe surgiu na faixa de rodagem um animal (cão), provocando um acidente. Efectivamente, com o aparecimento brusco, repentino e não expectável do canídeo, a atravessar a via a correr, foi-lhe completamente impossível evitar o embate com o animal, acidente de que resultaram danos no veículo, a desvalorização do mesmo por se tratar dum automóvel novo, só com 10 874 Kms, e incómodos, aborrecimentos e perdas de tempo resultantes da alteração da sua vida normal por via da sua privação. Por outro lado, o acidente é da responsabilidade da R por esta não ter tornado as devidas precauções por forma a garantir a segurança da circulação de veículos, nem ter diligenciado eficazmente para impedir que animais andassem pela via, pois é suposto que nas auto-estradas o condutor não tem de se preocupar com o aparecimento de qualquer animal, pois paga a sua utilização. Além disso, ainda que não houvesse culpa, sempre a R seria responsável por força das regras que definem a responsabilidade objectiva. Termina pedindo a sua condenação no montante peticionado. A R contestou alegando que sendo a concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente, cumpriu todas as obrigações que sobre ela impendiam enquanto concessionária, sendo por isso falso que tivesse descurado ou negligenciado o cumprimento dos seus deveres, pois o que lhe é exigível é que realize patrulhamentos permanentes e regulares, bem como a manutenção e conservação das estruturas da via, o que cumpriu na íntegra. Efectivamente, no dia do acidente, no decurso de um patrulhamento à via, tendo sido detectada a presença dum animal na mesma imediatamente colocou uma viatura na berma, antes do local do acidente, que para além de sinalização luminosa própria, ostentava no painel superior a mensagem “perigo, abrande”. Por isso, e tendo tomado todas as precauções que lhe eram impostas, o acidente ocorreu por culpa exclusiva do A que, seguindo desatento, não reduziu a velocidade e não conseguiu travar o veículo quando lhe surgiu o animal pela frente, tendo sido ele quem infringiu as regras de segurança exigidas na condução estradal. Pede assim a sua absolvição. De qualquer maneira, e alegando a R, B…………., ter transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza para a seguradora C………………., SA, requereu a sua intervenção na acção. O A respondeu, mantendo que o acidente é da responsabilidade da R e declarando que nada tem a opor à intervenção da seguradora. Deferida esta por despacho de fls. 48 e 49, veio a seguradora, C……………., SA, contestar, alegando nada saber do acidente pois nunca lhe foi participado. Por outro lado, a apólice respeitante ao contrato de seguro celebrado com a R contém uma franquia no valor de 10% do valor da indemnização, com um mínimo de 3 000 euros e um máximo de 25 000, pelo que, a ser responsável, terão de ser respeitados tais limites. Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo sido dispensada a elaboração de base instrutória. E designado dia para julgamento, foi no seu decurso proferido despacho a considerar o tribunal judicial de Lousada materialmente competente para a causa, pelo que se absolveu as RR da instância. E declarando nos autos que não pretendia recorrer deste despacho, requereu o A, ao abrigo do disposto no artigo 105°, n° 2 do CPC, a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o que foi deferido. Transitados os autos para este tribunal, foi imediatamente proferido despacho que, considerando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel materialmente incompetente para esta acção, absolveu a R principal e a R interveniente, da instância. Notificado deste despacho, veio o A requerer a resolução do presente conflito negativo de jurisdição, pelo que subiram os autos ao Tribunal dos Conflitos. Distribuído o processo, emitiu o Ministério Público parecer no sentido de se resolver o presente conflito atribuindo-se a competência para o julgamento da causa aos tribunais da jurisdição administrativa, o qual, devidamente notificado às partes, não suscitou qualquer reacção das mesmas. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 2--- Resulta do artigo 211.°, n.° 1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.° do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212.°, n°3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n° 13/2002 de 19 de Fevereiro (Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.° 20/2012, de 14 05; da Lei n.° 55-A/2010, de 31/12; do DL n.° 166/2009, de 31/07; da Lei n.° 59/2008, de 11/09; da Lei n°52/2008, de 28/08; da Lei n° 26/2008, de 27/06; da Lei n.° 2/2008, de 14/01; da Lei n° 1/2008, de 14/01; da Lei n.° 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.° 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n° 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.° 14/2002, de 20/03.). Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor. Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”. Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente acção. Ora, no caso presente estamos perante um conflito em que se trata de definir qual a jurisdição competente para apreciar o pedido de indemnização deduzido pelo A, que circulando na auto-estrada n° 11, de que a R B…………….. é concessionária, se depara com um canídeo em plena via, e que atravessando-a a correr, vem a provocar um acidente que não pôde evitar, tudo porque a supracitada R não tomou as medidas necessárias para impedir a sua presença, conforme alegou o A. Perante este quadro e considerando que a causa de pedir e o pedido se estribam na responsabilidade civil extracontratual desta R, por incumprimento dos deveres resultantes do contrato de concessão celebrado com o Estado, entendeu o Tribunal Judicial de Lousada que a situação cabe na previsão da alínea i), do n° 1, do artigo 4º do ETAF, pelo que atribuiu a competência à jurisdição administrativa. Por outro lado, e considerando que se trata duma mera relação entre particulares, e que não é aplicável à R B…………… o regime específico da responsabilidade do Estado, pois a concessionária responde nos termos da lei geral por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício da actividade que constitui o objecto da concessão, entendeu o TAF de Penafiel que a competência para a causa pertence aos tribunais comuns. Ora, é no art.° 4.° do ETAF que se define o âmbito da competência material dos tribunais administrativos, aí se discriminando o objecto dos litígios a apreciar pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. Por isso, a questão é a de saber se o presente litígio se integra em alguma dessas alíneas, pois se tal não acontecer, funciona a regra da competência residual dos tribunais judiciais por a eles competir o julgamento das causas cuja competência não seja atribuída a outra ordem jurisdicional. Interessa-nos apenas atender à al. i), do n° 1, do referido art.° 4.° do ETAF, onde se preceitua que são da competência dos tribunais administrativos os litígios que tenham por objecto a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. Assim, e face ao referido preceito do ETAF o que temos de apurar é em que circunstâncias um sujeito privado assume a responsabilidade civil extracontratual própria do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. A resposta advém dos art.° 212.°, n.° 3, do CRP e 1° do ETAF, tendo por isso que se tratar duma situação em que o sujeito privado é responsável civilmente num litígio emergente de relações administrativas (ou fiscais) extracontratuais. No acórdão do STA de 3-11-04 (in www.dgsi.pt.jsta.nsf), invocando-se o Prof. Freitas do Amaral (Lições de Direito Administrativo, edição 1989, Vol. III, págs. 439, 440) definiu-se a relação jurídica administrativa como “aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à administração perante particulares, ou aquela que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”. Por outro lado, e conforme se decidiu nos acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20-01-2010 (conflito n.° 25/09) e de 30 de Maio de 2013 (conflito 17/13) (Este último publicado na CJS, 2013, 20/2.), que incidiram sobre situações idênticas à dos autos, e que por isso estamos a seguir, tal significa que a competência dos tribunais administrativos e fiscais abrangerá as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados desde que a eles deva ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. Ora, sendo a R B…………… a concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente, é parte num contrato celebrado com o Estado a que se aplica o regime do DL n.° 248-A/99, de 6/7, alterado pelo DL n.° 44-E/2010, de 5/5, tendo a concessão por objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem, de lanços de auto-estradas e conjuntos viários do norte de Portugal. E conforme resulta da sua Base III, a concessão é de obra pública e é estabelecida em regime de exclusivo relativamente às auto-estradas que integram o seu objecto, reafirmando-se na Base VII que se trata de concessão de domínio público, pois as zonas das auto-estradas e dos conjuntos viários a elas associados e que constituem o estabelecimento físico da concessão integram o domínio público do concedente, devendo a concessionária manter as auto-estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, conforme estabelece a Base XLIV, sendo obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas concessionadas (base XLVII). Por isso, e conforme conclui o Ex.m° Magistrado do MP no seu parecer, resulta destas normas que a actividade desenvolvida pela concessionária reveste natureza pública sendo regulada por normas de direito administrativo, pois a construção de uma auto-estrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. E a concessão dessas obras e serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respectivas actividades percam a sua natureza pública administrativa, pois o Estado não pode abrir mão dessa responsabilidade. E mesmo outorgando-a, por determinado período, a uma entidade privada, a quem permite o exercício duma actividade lucrativa, nomeadamente através das portagens que cobra, (estas também regulamentadas pelo Estado), continua a poder regular o exercício da concessão e a poder fiscalizá-la ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no respectivo contrato. Por isso, as entidades privadas concessionárias são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), sendo a sua actividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo, desenvolvendo-se num quadro de índole pública, conforme se concluiu no citado acórdão de 20/1/2010. Face ao exposto e pretendendo o A ser ressarcido dos danos advindos dum acidente de viação por invocada responsabilidade extracontratual da Ré, em consequência da omissão de dever a que estava obrigada na qualidade de concessionária da auto-estrada onde ocorreu o acidente, lícito é concluir que a sua eventual responsabilização se insere no âmbito de aplicação do artigo 1º, n° 5, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, diploma que regula a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, regime que é também aplicável responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo. É certo que a Base LXXIII do acima mencionado DL n° 248-A/99, de 6/7, alterado pelo DL n.° 44-E/2010, de 5/5, acerca da responsabilidade extracontratual perante terceiros, preceitua que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito. Mas como se argumenta nos acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 20/01/2010 (conflito n.° 25/09) e de 30 de Maio de 2013 (conflito 17/13), no contexto do diploma que estabeleceu a concessão, a referência que é feita à “lei geral” significa apenas que a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de responsabilidade civil extracontratual não está regulada por normas inscritas no contrato de concessão, mas pelas normas gerais que regulam tal matéria, sem contudo se tomar posição sobre a sua natureza, administrativa ou comum. Assim sendo e inserindo-se a eventual responsabilização da R B……………. no âmbito de aplicação do artigo 1º, n° 5, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa, conforme preceitua o artigo 4°, n°1, al. i) do ETAF. 3--- Termos em que se acorda em julgar competente para conhecer da presente acção o Tribunal Administrativo e Tributário de Penafiel. Sem custas. Lisboa, 27 de Março de 2014. – António Gonçalves Rocha (relator) – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Fernando da Conceição Bento – António Bento São Pedro – Gabriel Martim dos Anjos Catarino – António Políbio Ferreira Henriques. |