Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:019/03
Data do Acordão:12/18/2003
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
PENHORA.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
Sumário:Não existe conflito positivo de competência na situação em que penhorado o direito do trespasse e arrendamento pelo Tribunal de Trabalho de Viseu e posteriormente penhorado e vendido o mesmo direito em execução fiscal, o juiz deste último processo decidiu não dar seguimento ao pedido do juiz do tribunal do trabalho de colocar à sua ordem o produto de venda.
Nº Convencional:JSTA00062174
Nº do Documento:SAC20031218019
Data de Entrada:09/25/2003
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONFLITO POSITIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE 1ª INSTÂNCIA DE VISEU E O TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:SENT TT1INST DE VISEU.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR JUD - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPPT99 ART218 N3.
CPC96 ART672 ART115 N3.
Jurisprudência Nacional:AC T CONFLITOS DE 1976/12/16 IN BMJ263 PAG115.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2VOL PAG177.
CASTRO MENDES RECURSOS1980 PAG40.
ANSELMO DE CASTRO LIÇÕES DE PROCESSO CIVIL 1966 3VOL PAG155.
MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CÍVIL1979 PAG89.
RALF DAHRENDORF POLIS ENCICLOPÉDIA VERBO DA SOCIEDADE E DO ESTADO 1VOL PAG1090.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos
1. No Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viseu corre termos um processo de execução fiscal com o n.º 2704-99/100963.3, originário do Serviço de Finanças de Tondela, em que é executada A..., com sede na Rua do ..., ...-... Tondela, por dívidas ao Centro Regional de Segurança Social do Centro - Serviço Sub-Regional de Viseu e coimas fiscais, no montante de 618.614$00.
Nesse processo executivo foi penhorado à executada «o direito ao trespasse e arrendamento da loja comercial sita na Rua do ... n.º ..., freguesia de Tondela, destinada a comércio por grosso, constituída pelo rés-do-chão do prédio inscrito na matriz urbana da dita freguesia sob o artigo 880, propriedade de B..., com sede em Rua ..., n.º ... - Tondela. Neste direito ao qual se atribui o valor de 2000 contos (9.975,96 €), ficam compreendidas as instalações eléctricas e sanitárias. Não foram arrolados os bens móveis, devido ao facto de o estabelecimento se manter permanentemente encerrado e os presumíveis bens existentes não possuírem qualquer valor comercial” .
Consta do auto de penhora, lavrado a 29/6/2001, que os bens penhorados foram entregues a C..., sócio gerente da empresa B..., devidamente identificado, nomeado depositário.
Em 26 de Setembro de 2001 o direito penhorado foi vendido no Serviço de Finanças de Tondela. mediante proposta em carta fechada, pelo preço de 1.410.000$00, ao mencionado C..., na qualidade de sócio-gerente da sociedade B..., que, nessa qualidade, ali exerceu o direito de preferência na anunciada venda a quem foi logo adjudicado.
Por oficio de 1/3/02, o juiz do Tribunal do Trabalho de Viseu – 1º Juízo - solicitou ao Serviço de Finanças em causa, que colocasse à ordem daquele Tribunal o produto da venda.
Isto porque, entretanto, corria também naquele Juízo do Tribunal do Trabalho um outro processo de execução de sentença para pagamento de quantia certa com o n.º 315-A/99, que D... movia contra a mesma executada A... .
Nesse outro processo de execução fora penhorado, em 18/2/2000 (antes, portanto, da penhora efectuada pelas Finanças) o mesmo bem dado em penhora à execução fiscal: «direito ao trespasse e arrendamento» do aludido estabelecimento comercial da executada.
Nesse mesmo processo executivo, sucedeu mesmo que o Chefe da Repartição de Finanças de Tondela foi citado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 864.º do Código de Processo Civil para efeitos de possível reclamação de créditos.
O Tribunal Tributário de Viseu, solicitado a intervir no caso a pedido do Chefe da Repartição de Finanças de Tondela, e de acordo com o decidido por este, entendeu, por seu turno, não dever dar seguimento ao pedido formulado pelo juiz do Tribunal do Trabalho. em suma porque, em seu entendimento, o artigo 871º do CPC não se aplica às execuções fiscais, face ao disposto no artigo 218.º, n.º 3, do CPPT.
Daí que tenha afirmado o seu propósito de não dar satisfação ao solicitado pelo juíz do Tribunal do Trabalho.
Este, por seu turno, baseando-se no que entende serem os efeitos da penhora, considerando ineficazes os actos que contra a que determinou, mantém o seu pedido.
Com base neste circunstancialismo, o Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, invocando o disposto nos artigos 115.º, n.º 1, 116.º e 117.º, do Código de Processo Civil e 11.º do D.L. n.º 23185, de 30/10/1933, vem pedir a resolução do «conflito positivo de jurisdição» que, assim, teria surgido entre os referidos tribunais - o Tribunal Tributário de 1ª Instância e o Tribunal do Trabalho, ambos de Viseu - já que, segundo alega, ambas as decisões transitaram em julgado.
Por despacho de 30 de Outubro de 2003, o relator, essencialmente por entender não estar configurado um conflito que a este Tribunal competisse resolver, indeferiu liminarmente o requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 118°, n° 1, do Código de Processo Civil.
Notificado dessa decisão, o Ministério Público requereu que sobre tal despacho recaísse acórdão, motivo por que os autos vieram à conferência.
2. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Reassumem-se, na íntegra, as razões adiantadas naquele despacho do relator, ora objecto da reclamação do requerente.
Cumpre, pois, indagar, se a situação de facto sumariamente relatada prefigura, ou não, um conflito de jurisdição que a este Tribunal de Conflitos importe decidir, sendo certo que se tal não acontecer, o requerimento deverá ser imediatamente indeferido, tal como é imposto pelo artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Pois bem.
Dispõe o artigo 115.º do Código de Processo Civil, n.ºs 1 e 2, respectivamente, que «há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.»
Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão».
Segundo Manuel de Andrade (Cfr. Noções Elementares de Processo Cível, 1979,89), a distinção entre conflitos de competência e de jurisdição situa-se em que os primeiros são os que se suscitam entre tribunais da mesma espécie; os segundos são os que se suscitam entre autoridades pertencentes a diversas autoridades actividades do Estado ou entre tribunais de espécie diferente. Uns e outros podem ser positivos ou negativos: positivos se cada uma das respectivas autoridades (incluindo nesta designação os tribunais) pretende ser (itálico da responsabilidade do relator) das suas atribuições o estatuir sobre a mesma questão; negativos se cada uma dessas autoridades declina o encargo - isto é, se o recusa, devolvendo-o para outra.
Pressuposto essencial da emergência efectiva de um qualquer conflito, é, em qualquer caso, a certeza de que uma das entidades conflituantes disponha da competência que enjeita (no caso de conflito negativo), ou dela não disponha (no de conflito positivo).
Só então se imporá decidir a qual delas compete ou não compete, respectivamente, dar seguimento ao caso, já que não faria qualquer sentido que o Tribunal dos Conflitos fosse chamado a intervir acaso nenhum dos dois tribunais, então apenas em pretenso ou aparente conflito, dispor de jurisdição para o caso, cabendo ela porventura a um terceiro - na hipótese de conflito negativo - ou, ao invés, ser reclamada essa intervenção pacificadora deste Tribunal quando, legalmente, ambas as entidades “em conflito”, dispõem de plena jurisdicção e (ou) competência para os actos submetidos à respectiva apreciação – no caso de “conflito positivo”.
Já em termos sociológicos, Ralf Dahrendorf liga a ideia de «conflito» à luta ou combate pela detenção de «algo que não existe em quantidade suficiente para permitir uma satisfação de todos os interessados» (Cfr. Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, 1, 1090 e segs).
Esta mesma doutrina foi aplicada por este Tribunal dos Conflitos no acórdão de 16/12/1976, publicado no BMJ n.º 263-115, embora, ali, a propósito de um pretenso conflito negativo, tendo então concluído deste jeito: «A anomalia resultante de dois tribunais de espécie diferente declinarem o poder de conhecer da mesma questão só impõe resolução pelo Tribunal dos Conflitos quando a causa se situar na parcela de jurisdição de um desses tribunais», acrescentando depois, que «é irrelevante a dupla declaração de incompetência em razão da matéria se incumbe a outro tribunal ou autoridade, que não intervieram no conflito, decidir essa questão».
Aqui chegados, cumpre uma primeira aproximação ao caso que nos ocupa.
Para tanto importa apurar das competências legais dos dois tribunais pretensamente conflituantes, ou seja, o Tribunal Tributário de 1ª instância, por um lado, e o Tribunal do Trabalho, por outro
Reza o artigo 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2001, de 19/2).
«1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto.
a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;
b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;
c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública;
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público;
g) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, nos termos da lei, bem como a resultante do funcionamento da administração da justiça;
h) Responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos;
i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir;
l) Promoção da prevenção, da cessação ou da perseguição judicial de infracções cometidas por entidades públicas contra valores e bens constitucionalmente protegidos como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais:
m) Contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal;
n) Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal (em itálico agora).»
Acrescenta e especifica o artigo 49° da mesma Lei que:
« 1-
Compete aos tribunais tributários conhecer:
a) Dos seguintes recursos contenciosos de anulação:
I - Dos actos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses actos;
II - Dos actos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável susceptíveis de impugnação judicial autónoma;
III - Dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal; (idem)
IV - Dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam da competência do Supremo Tribunal Administrativo ou do Tribunal Central Administrativo.
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
I - De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
II - De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
III - De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
IV - De providências cautelares relativas aos actos administrativos recorridos ou recorríveis e às normas referidas em I desta alínea;
V- De execução das suas decisões; (idem)
VI - De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações.
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.
2 - Compete ainda aos tribunais tributários cumprir os mandados emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ou pelo Tribunal Central Administrativo e satisfazer as diligencias pedidas por carta, oficio ou outros meios de comunicação que lhes sejam dirigidos por outros tribunais tributários.»
Resulta, por seu turno, da Lei n.º 3/99, de 13/01, alterada pela Lei 101/99, de 26/07 (LOFTJ) - artigo 85.º:
«Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em beneficio de vitimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
e) Das acções destinadas a anular os actos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho;
f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;
g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio;
h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de actos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal;
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afectados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros;
l) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário;
m) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afecte o outro;
n) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais (idem);
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente;
p) Das questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;
q) Das questões cíveis relativas à greve;
r) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respectivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta;
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.»
Do confronto destas disposições resulta claro que, tanto o Tribunal Tributário, como o Tribunal do Trabalho, ao promoverem o andamento do processo executivo contra mesma executada, actuaram no âmbito estrito das respectivas competências, já que a cada um deles a Lei comete a tarefa de dar execução às respectivas decisões.
Portanto, não existe, in casu, pela própria natureza das coisas, qualquer conflito positivo (que sempre teria de ser de jurisdição uma vez que os tribunais em causa se inserem em ordens jurisdicionais distintas), pois, como resulta claro do já exposto, para que tal pudesse afirmar-se importava que um deles carecesse de competência - e nenhum deles dela carece - para o acto ou actos que cada qual praticou.
Ademais, justamente por isso, não se vê que esteja, sequer, criada, uma qualquer situação jurídica de impasse processual inultrapassável pelos meios comuns, já que a posição assumida pelo juiz do Tribunal do Trabalho em nada contende ou devia ter contendido com o normal andamento do processo tributário pois, como resulta da lei, (artigo 218º, n° 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário ), e quer o juiz do Tribunal do Trabalho concorde ou não com essa solução legal, «podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.»
Por outro lado, é claro que, em face do sucedido, não fica vedado ao juiz deste mesmo Tribunal do Trabalho, o recurso aos meios processuais postos à sua disposição para que a execução ali pendente atinja, ao menos parcialmente, o seu objectivo, (como será o caso, por exemplo, da penhora do saldo porventura existente na execução fiscal, se é que as regras de graduação dos créditos em concurso não acautelam integralmente o crédito laboral), sendo certo, todavia, que se isso não vier acontecer em consequência da aplicação de uma disposição legal (no caso a que impede que a execução fiscal se suspenda, mesmo em caso de penhora anterior efectuada por outro tribunal), tal não o deverá motivar a agir contra ela, já que, de todo o modo, em face de tal dispositivo legal, não faz sentido esgrimir, como o faz aquele magistrado, com os princípios gerais relativos à eficácia da penhora anterior efectuada no tribunal judicial, claramente derrogados por aquela disposição especial do processo tributário e que, por isso, não têm aqui aplicação.
De qualquer forma, o despacho do juiz do Tribunal do Trabalho que, afinal, se limita a solicitar ao do Tribunal Tributário que coloque à ordem do processo laboral o produto da venda efectuada no processo tributário, não se impõe a este último como sendo de observância obrigatória já que o Tribunal do Trabalho não tem, como é sabido, qualquer ascendente hierárquico sobre o Tribunal Tributário e vice-versa, não passando, aliás, de um despacho de mero expediente, uma vez que, destinado apenas a ordenar os termos do processo, é um despacho meramente interno que deixa inalterados os direitos das partes. (Cfr., entre muitos outros, J. Alberto Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2ª, 177; Castro Mendes, Recursos, 1980-40; Anselmo de Castro, Noções de Processo Civil, 1966, 3ª - 155).
E sendo assim, porque sobre tal tipo de despacho não decisório não se forma caso julgado mesmo formal (art.º 672.º, do CPC), sendo aquele, portanto, susceptível, a todo o tempo, de reforma por parte do juiz (Cfr. Anselmo de Castro, ob. cit. págs. 156), irrompe agora mais um obstáculo intransponível à configuração de um «conflito», que, como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 115 º do Código de Processo Civil citado, pressupõe o trânsito em julgado das decisões «conflituantes».
3- São termos em que, por inexistência de conflito, confirmam inteiramente o despacho do relator que indeferiu o requerimento inicial, com o consequente indeferimento, também, da reclamação daquele despacho para a conferência.
Sem tributação.
Lisboa, Tribunal dos Conflitos, 18 de Dezembro de 2003
António Pereira Madeira – Relator – António Samagaio – Álvaro Reis Figueira – Pais Borges –Fernando Araújo Barros – Fernanda Xavier