Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:051/17
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLIVEIRA MENDES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23107
Nº do Documento:SAC20180322051
Data de Entrada:09/21/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE BRAGA, INST. CENTRAL, 1 SECÇÃO CÍVEL - JUIZ 3 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
RECORRENTE: A... E OUTROS.
RECORRIDO: BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. E OUTROS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: *
Acordam no Tribunal de Conflitos

A…………. e mulher B………….., com os sinais dos autos, intentaram na Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção Cível, Juiz 3, acção declarativa com processo comum contra o Banco Espírito Santo, S.A., com sede na Rua Barata Salgueiro, em Lisboa, Novo Banco, S.A., agência sita no Largo da Feira Nova, Ferreiros, Amares, e Fundo de Resolução, com sede junto do Banco de Portugal, à Rua do Comércio, em Lisboa, pugnando pela condenação solidária dos demandados a pagar-lhes a importância de € 124.000,00, respeitantes a investimentos em "Poupança Plus 1 XS0140592451”, “Euro Aforro 1010/12 24RE02” e “Top Renda 5 GB0033383992”, acrescida dos juros contratualizados, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento e, ainda, o valor de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Os demandados contestaram, tendo o Fundo de Resolução invocado a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.

Responderam os autores à excepção invocada, pugnando pela sua improcedência.

Dispensada a audiência prévia foi proferida sentença julgando a excepção procedente e absolvendo os demandados da instância.

Os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, instância que julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença impugnada (- Em síntese são os seguintes os fundamentos expressamente invocados pelo Tribunal da Relação:

«1. A competência do tribunal em razão da matéria afere-se de harmonia com a relação jurídica contravertida, tal como definida pelo autor no quem se refere aos termos em propõe a resolução do litígio, a natureza dos sujeitos processuais, a causa de pedir e o pedido.
2. A regra básica da atribuição de competência aos tribunais administrativos é a da apreciação de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
3. Sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa colectiva de direito público, cuja actividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é competência exclusiva dos tribunais administrativos.
4. Tendo sido formulado um pedido de condenação solidária, todos os demais réus terão que ser absolvidos».).
Antes do trânsito em julgado do acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães os demandantes, com o fundamento de que o dissídio suscitado relativamente à competência material do tribunal assenta exclusivamente em razão do pedido formulado contra o demandado Fundo de Resolução, entidade que não consideram fundamental para o prosseguimento do pleito, nem condição do pedido formulado contra o demandado Banco Espírito Santo, antes meramente acessória em razão da sua figura enquanto accionista único do Novo Banco, desistiram do pedido relativamente ao Fundo de Resolução por forma a sanar a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria (...)(- É do seguinte teor a parte final do requerimento de desistência:

«Pelo exposto, em razão da interpretação conjugada do disposto nos arts. 613º, 2 e 641º, bem como do art. 6º, n.º 1 in fine, e n.º 2 e ainda do número 1 do art. 7º, todos do CPC, vêm os AA, nos termos e para os efeitos do disposto no 227º al. D), 283º nº1 e 285º nº1 todos do CPC, desistir do pedido quanto ao R. Fundo de Resolução».).

No mesmo requerimento, mais precisamente no seu ponto II, sob a epígrafe Da interposição de recurso, deixaram consignado:

«Caso assim não se entenda, o que não se concede, não se conformando os AA com o acórdão proferido, vêm dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Porque está em tempo e tem legitimidade deve o presente recurso ser admitido como revista, com subida imediata e nos próprios autos, nos termos do disposto nos arts. 671º n.º 1 e 3, 674º n.º 1 alíneas a) e b), 675°, 676° e 629º n.º 2 al a) todos do CPC, requerendo assim a sua subida nos termos expostos».

Os demandados responderam e apresentaram as suas contra-alegações.

A Exma. Desembargadora relatora proferiu o seguinte despacho:

«Interposto recurso para o S.T.J. deve este tribunal superior pronunciar-se.

Assim, independentemente do requerimento de desistência do pedido que contende directamente com a sentença e acórdão aqui proferidos, admito o recurso interposto, que é de revista, com efeito meramente devolutivo.

Subam os autos ao S.T.J.».

No Supremo Tribunal de Justiça para onde foram enviados os autos foi proferida decisão ordenando a remessa do processo ao Tribunal de Conflitos.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual defende que o recurso dos demandantes é condicional, o que o torna legalmente inadmissível, impossibilitando o conhecimento do respectivo objecto.

Prevenindo a possibilidade de outro entendimento, alega que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (artigo 285°, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Mais alega (sic):

No caso vertente, não se estando perante direitos indisponíveis nem perante uma situação de litisconsórcio necessário, será admissível, válida e operante, nos termos das normas citadas, a desistência do pedido, extinguindo o direito que os A.A. pretendiam fazer valer na presente acção contra o Fundo de Resolução (cfr., ainda, o art. 290º do CPC).

A desistência do pedido é causa de extinção da instância, nos termos do disposto no art. 277º, al. d) do CPC.

No caso em apreço, a extinção da instância relativamente ao Fundo de Resolução introduz uma modificação subjectiva da instância, passando a demanda a ser dirigida unicamente contra os RR Banco Espírito Santo S.A. e o Novo Banco S.A., sendo propósito manifestado pelos A.A. que os autos prossigam «os seus ulteriores termos quanto aos demais RR, cuja legitimidade nos tribunais comuns é inquestionável» (cfr. ponto 6 in fine do requerimento de 386 a 390).

Ocorre que o n.º 1 do art. 38° da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, dispõe que “a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” e o mesmo determina a norma do art. 5° do ETAF.

A competência (ou incompetência) para conhecer de determinado litígio ou pretensão fixa-se, portanto, no momento da propositura da acção, “no momento da instauração do processo, em função dos dados de facto e de direito existentes a essa data, sendo irrelevantes para o efeito que eles se alterem depois disso (princípio da perpetuatio iurisdictionis)” – cfr. a propósito do art. 5° do ETAF, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I. p. 69.

Assim, salvo melhor entendimento, ainda que se tenha por válida e passível de homologação, será irrelevante para efeitos de competência que discute nos autos, a desistência do pedido formulado contra o Fundo de Resolução.

Ocorre, por outro lado, como atrás se referiu, que existe uma decisão do Tribunal Judicial de Braga, confirmada pela Relação de Guimarães, que julgou a jurisdição comum absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa, absolvendo todos os RR da instância, e essa decisão teve a ver, justamente, com o facto de a demanda ser também dirigida contra o Fundo de Resolução, por se entender que a responsabilidade deste só poderia aferir-se com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o Novo Banco.

Caso se entenda, como é nosso entendimento, que inexiste verdadeiro recurso desta decisão, forçosamente se concluirá que a mesma transitou em julgado. E ao mesmo resultado se chegará se, conhecendo e homologando a desistência do pedido formulado contra o Fundo de Resolução, se considerar, face aos termos como é interposto o recurso, que o mesmo se torna supervenientemente inútil.

No entanto, a considerar-se a desistência do pedido, pelos termos em que é formulada, não é válida e eficaz e que, por isso, não pode ser homologada, ou que a sua eventual homologação não torna inútil o recurso de fls.390, havendo que dele conhecer, então desde já se adiante que, a nosso ver, face à configuração da causa, tal como a mesma foi proposta no Tribunal Judicial de Braga, será de sufragar o entendimento vertido no douto aresto recorrido segundo o qual «sendo o Fundo de Resolução, detentor do capital do Novo Banco, uma pessoa colectiva de direito público, cuja actividade se encontra regulada no RGICSF e seus regulamentos (normas de direito administrativo), onde se estabelece a disciplina de relações jurídicas administrativas, a sua eventual responsabilidade é da competência dos tribunais administrativos» ETAF (cfr. nesse sentido, entre outros, os doutos Acórdãos da Relação de Lisboa de 11.05.2017 e de 14.09.2017, in procs. Nº 247/16.4T8LSB-2 e nº 3250/16.4T8ALM-A.L1-8, respectivamente, da Relação de Coimbra de 12.09.2017, in proc. N.º 1021/167T8GRD.C1 e da Relação de Guimarães de 20.01.2017 e de 22.06.17, in procs. Nº 1358/16.518BRG.G1 e nº 4529/ 16.0T8GMR.G1).

Outra seria, obviamente, a solução para que se apontaria, hipótese que se aflora a benefício de raciocínio, se homologada que fosse a desistência do pedido, houvesse que atender à nova configuração subjectiva da acção daí resultante, não obstante o disposto nos citados art.38º da LOSJ e art. 5° do ETAF».

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


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Como decorre do exame dos autos o recurso que ora é submetido à apreciação do Tribunal de Conflitos foi interposto pelos demandantes A…………. e mulher B………… condicionalmente.

Com efeito, na sequência de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, confirmando sentença do Tribunal da Comarca de Braga, que absolveu os demandados da instância face à ocorrência de excepção de incompetência absoluta, em função da qualidade de pessoa colectiva de direito público de um dos demandados (Fundo de Resolução), os demandantes com o fundamento de que o dissídio suscitado relativamente à competência material do tribunal assenta exclusivamente em razão do pedido formulado contra o demandado Fundo de Resolução (entidade que não consideram fundamental para o prosseguimento do pleito, nem condição do pedido formulado contra o demandado Banco Espírito Santo, antes meramente acessória em razão da sua figura enquanto accionista único do Novo Banco), desistiram do pedido relativamente ao Fundo de Resolução por forma a sanar a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, tendo ainda consignado:

«Caso assim não se entenda, o que não se concede, não se conformando os A.A. com o acórdão proferido, vêm dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça»

Daqui resulta que os demandantes fizeram depender a interposição do recurso de decisão prévia sobre a desistência do pedido que no mesmo requerimento apresentaram relativamente ao demandado Fundo de Resolução, desistência que, segundo alegaram, visa sanar a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria.

Deste modo, antes da admissão e conhecimento do recurso condicionalmente interposto, há que emitir pronúncia sobre a desistência do pedido apresentada, bem como sobre as respectivas consequências processuais.


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Termos em que se acorda não conhecer o recurso, revogando o despacho que o admitiu e determinando que o Tribunal da Relação, antes do despacho a proferir sobre o requerimento em que aquele foi interposto, emita pronúncia sobre a desistência do pedido apresentada e respectivas consequências processuais.

Sem tributação.


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Lisboa, 22 de Março de 2018. – António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – João Moreira Camilo – António Bento São Pedro – José Adriano Machado Souto de Moura – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.