Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:045/15
Data do Acordão:02/02/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA RAMOS
Descritores:CONFLITO DE NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Compete aos tribunais judiciais conhecer da acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista no art.º 26.º, n.º 1, al. i) e regulada nos artºs 186ºK a 186ºR do Código de Processo do Trabalho. (*)
Nº Convencional:JSTA00069545
Nº do Documento:SAC20160202045
Data de Entrada:11/04/2015
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE PORTALEGRE - INST. CENTRAL - TRABALHO E O TAF DE CASTELO BRANCO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO DE JURISDIÇÃO TTPORTALEGRE - TAF CASTELO BRANCO.
Decisão:DEC COMPETENTE TTPORTALEGRE.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC13 ART64.
LOFTJ13 ART40 N1.
ETAF02 ART1 N1 ART4 N3 D.
CONST76 ART212 N3.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC029/10 DE 2011/05/05.; AC RP PROC206/14.5T8VLG.1 DE 2015/10/28.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL VOLI PAG88.
VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA PAG79.
ESTEVES DE OLIVEIRA - CPTA VOLI PAG26-27.
FERNANDES CADILHA - IN DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO 2007 PAG117-118.
GOMES CANOTILHO - RELAÇÕES JURIDICAS POLIGONAIS REV DO URBANISMO E DO AMBIENTE N1 JUNHO 1994 PAG55 E SS.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito Negativo de Jurisdição

Acordam no Tribunal de Conflitos


O Ministério Público intentou na Comarca de Portalegre-Portalegre-Unidade Central - Secção do Trabalho - nos termos do art. 186º-K e seguintes do Código de Processo do Trabalho, acção de conhecimento de existência de contrato de trabalho, contra:

Certific - Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção CIVIL e Obras Públicas do Sul.

Concluiu pedindo que, considerando o disposto nos artigos 11º e 12º do Código do Trabalho seja a acção julgada procedente por provada e, consequentemente, ser reconhecida a existência de contrato de trabalho entre a Ré e A…………… com início em 17.06.2013.

Alegou:

- Conforme resulta do auto levantado nos termos do art. 15º-A, nº1, da Lei nº107/2009 de 14 de Setembro, no dia 26 de Junho de 2014, nas instalações da sede da Ré empregadora, A……………, residente na rua ……….. nº ………., ………-……… Fronteira, exercia a actividade de formador em favor desta.

- Com observância de horas de início e termo da indeterminadas pela Ré, respeitando o horário das sessões, com possibilidade de alteração deste por acordo entre os outorgantes.

- Recebendo com periodicidade mensal uma quantia variável em função das horas de formação prestadas, encontrando-se mesmo estabelecido um montante a atribuir por hora em de trabalho prestado, oscilando entre € 11,25, € 17,10, 30,00, expressamente qualificado como “retribuição horária” nos diversos “contratos de prestação de serviços”, juntos aos autos.

- Sendo elaborado um mapa de presenças de cada formador, incluindo o do referido A………., tendo ele obrigação de participar nas reuniões de planificação, acompanhamento, construção de materiais e avaliação da equipa pedagógica do curso.

- Estabelecendo-se ainda a faculdade de a Ré rescindir o contrato no caso de o trabalhador faltar um número de horas seguidas ou interpoladas igual ou superior a 10% da carga horária anual de formação do respectivo domínio ou falta às reuniões da equipa formativa.

Do quadro de pessoal da Ré constam sete formadores como trabalhadores e setenta e três como prestadores de serviços.

O trabalhador referenciado iniciou a referida actividade por conta da Ré em 17.6.2013.


***

A Ré contestou por excepção, invocando a incompetência territorial da comarca de Portalegre, requerendo a remessa do processo à 1ª Secção do Trabalho da Comarca de Lisboa Oeste, em Loures, por ser a competente.

Alegou ser um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, sem fins lucrativos, com autonomia administrada e financeira e património próprio, classificada do ponto de vista técnico-jurídico como “Associação Pública”, fazendo parte da Administração Central do Estado, cujos estatutos foram aprovados pela Portaria nº492/87 de 12 de Junho, não se podendo qualificar como contrato de trabalho subordinado a relação jurídica estabelecida entre si e A………………

Concluiu, pedindo que a acção seja julgada improcedente com a inerente absolvição do pedido pelo tribunal competente.

Atento o teor da contestação o Tribunal de Trabalho de Portalegre determinou que o Autor se pronunciasse sobre o que poderia ser a alegação da incompetência material daquele Tribunal.

O Autor veio reconhecer que o Réu é um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, conforme resulta do protocolo anexo à Portaria 492/87 de 12 de Junho, particularmente do seu ponto II, pelo que, sendo a competência do Tribunal determinada pela qualidade de entidade empregadora, pediu se declarasse a incompetência absoluta do Tribunal para conhecer dos presentes autos, uma vez que a competência para o efeito, caberá aos Tribunais administrativos.


***

Por decisão de 2.2.2015 - fls. 25 a 28 - a Ex.ma Juíza do Tribunal do Trabalho de Portalegre, julgou procedente incompetência material absoluta daquele Tribunal, decidindo, consequentemente, absolver o Réu da instância.

Escreveu, fundamentando:

“[…] Na situação vertente, acordando as partes em que o vínculo laboral existente entre o Autor e o Réu tem natureza pública - o que resulta actualmente da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho e resultava já do regime estabelecido pelas Leis nºs 12-A/2008 de 27 de Fevereiro e 59/2008 de 11 de Setembro, ambas revogadas pela primeira - emerge como necessária a conclusão de que o regime aplicável ao contrato de trabalho em causa será o constante da lei mencionada Lei nº35/2014, de 20 de Junho (LGTFP) pertencendo, consequentemente, a competência para conhecer da presente acção aos Tribunais Administrativos e Fiscais, conforme expressamente estabelece o art. 12º do citado diploma, onde podemos ler que “São da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais os litígios emergentes de vínculo de emprego público”.

***

Todavia, por decisão de 20.05.2015, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco julgou-se igualmente incompetente, em razão da matéria, para julgar a acção, considerando-a excluída do âmbito da jurisdição administrativa.

Consta da fundamentação:

“[…] Porém, a competência material não pode estar dependente do mérito da acção.
Ora, o objecto da presente acção consiste, desde logo, em saber se entre A………….. e o Réu existe uma relação de trabalho subordinado ou de trabalho independente.
Pelo que não se pode, para efeitos de determinação da competência do tribunal, afirmar que o “ (...) regime aplicável ao contrato de trabalho em causa será o constante da mencionada Lei nº 35/2010, de 20 de Junho (LGTFP) . . .)" desde logo porque não se sabe se existe, ou não, um contrato de trabalho.
Saber se existe uma relação de trabalho subordinado ou um verdadeiro contrato de prestação de serviços e saber se a primeira está sujeita a um regime de direito privado, como entende o autor [cf. pedido formulado descrito em 1), dos factos assentes], ou a um regime de direito público são, in casu, questões que respeitam ao mérito da causa e não podem ser consideradas para fixar a competência do tribunal.
Deste modo, para aferir presumir que existe um contrato de trabalho para depois considerar que o mesmo está sujeito a um regime de direito público e, em consequência, rejeitar a competência material dos Tribunais do Trabalho e afirmar a competência da jurisdição administrativa, pois o objecto do processo consiste exactamente em determinar se entre o réu e A…………….. existe, ou não, um contrato de trabalho”.

***

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal Administrativo, referindo que as decisões em apreço transitaram em julgado, pede ao abrigo dos arts. 110º, n°s 1 e 3 e 111º, nº 2, do Código de Processo Civil, a resolução do conflito negativo de jurisdição.

Cumpre decidir.

A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.2.1990, in BMJ, 394-453, e de 9.5.95, in CJSTJ, 1995, II, 68, entre vários.

Estabelece o art. 64º do Código de Processo Civil que - “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1º - 88, acerca do critério aferidor da competência material, ensina:

“São vários esses elementos também chamados índices de competência (Calamandrei).
Constam das várias normas que prevêem a tal respeito.
Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjacentes (identidade das partes).
A competência do tribunal - ensina Redenti (vol. I, pág. 265), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, era antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes”.

Determinando-se a competência material pelo pedido do Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir) como defende Manuel de Andrade, a questão da competência material, e logo da jurisdição competente, apenas terá que ser analisada à luz da pretensão do Autor, tal como por ele foi configurada.

A causa de pedir, “é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar” - Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º, 375.

Decorre do art. 212º, nº3, da Constituição da República - “Compete aos Tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais”.

Em comentário a este normativo, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira - “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª. edição, pág. 815:

“Estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (nº3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e os recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão do poder público (especialmente administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.

Decorre do preceito constitucional citado, que a competência dos tribunais da ordem judicial é residual, ou seja, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional - arts. 64º do NCódigo de Processo Civil e 40º, nº1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOSJ), aprovada pela Lei n°62/2013, de 26.8

No que respeita à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, doravante - ETAF - aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (com as alterações das Leis 4-A/2003, de 19 de Fevereiro; 107-D/2003, de 31 de Dezembro; 1/2008, de 14.1; 2/2008, de 14.01; 26/2008, de 27.06; 52/2008, de 28.08 e 59/2008, de 11.9).

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no art. 1º, nº1, estatui:

“Os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

J. C. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, pág. 79, define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

No art. 4º do ETAF, enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido art. 1°, outras em desconformidade com ela.

Aquele normativo define, no âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, além de outras, a competência para apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal, ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.

Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I, págs. 26 e 27, observam:

“É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.
E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições”.

O actual ETAF eliminou o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido.

O critério material de distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 9ª edição, 103, e Margarida Cortez, “Responsabilidade Extracontratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma”, 258.

Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, págs. 117/118, sustenta:

“Por relação jurídico-administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.
Por outro lado as relações jurídicas podem ser simples ou bipolares, quando decorrem entre dois sujeitos, ou poligonais ou multipolares, quando surgem entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica (quanto às características de uma relação jurídica deste tipo, Gomes Canotilho, “Relações jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, nº 1, Junho 1994, págs. 55 e ss.)”.

O art. 4º do ETAF delimita o âmbito da jurisdição administrativa.

Ora decorre da causa de pedir - os factos concretos invocados - e do pedido que formulado pelo Ministério Público, que a pretensão que submeteu ao Tribunal de Trabalho de Portalegre é a de que se considere que entre o referido A………… e a Ré se estabeleceu uma relação jus laboral de trabalho subordinado, logo submetida ao regime jurídico privado, não se tratando de um contrato de prestação de serviços.

Constitui thema decidendum apreciar o bem fundando da pretensão do demandante. A competência material não é, salvo casos manifestos, decidida antes da apreciação do mérito da causa, sobretudo, quando a qualificação da relação jurídica em que a assenta a pretensão do demandante é factualmente controvertida, como in casu sucede.

Sendo controvertida a matéria de facto só após a produção da prova o Tribunal fará o seu julgamento em relação à competência material.

A acção especial intentada pelo Ministério Público, como Autor, no Tribunal de Trabalho de Portalegre, foi introduzida pela Lei 63/2013, de 27.08, entrada em vigor em 1.9, inovatória do ponto em que criou um procedimento próprio para utilização pela ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), quando esta considere estar na presença de falsos contratos de prestação de serviço, (a problemática dos falsos “recibos verdes”), em relações de trabalho subordinado.

Trata-se de um novo tipo de processo judicial com natureza urgente, denominado acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, prevista no art. 26º, nº1, i) do CPT e aí regulada nos arts. 186º-K a 186º-R.

A acção é despoletada pela ACT que participa ao MºPº que, em 20 dias, intenta a acção, oficiosamente, para que se aprecie e decida da qualificação do contrato de prestação de serviço como contrato subordinado (requalificação).

Esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços – “falsos recibos verdes” (acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador)” - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.9.2014, in www.dgsi.pt.

Como se refere no Acórdão deste Tribunal de Conflitos de 5.05.2011, proferido no processo com o nº 29/10, in www.dgsi.pt:

“A competência do tribunal não depende, pois, da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com os termos da pretensão do autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão. Este entendimento tem sido acolhido pela jurisprudência, designadamente a deste Tribunal de Conflitos (cfr., v.g., o recente Acórdão de 3/3/2011, proferido no processo nº 014/10, disponível em http://www.dgsi.ptjcon.), afirmando-se, repetidamente, que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo.”

O âmbito da jurisdição administrativa e fiscal consta do art. 4º do ETAF - Lei 13/2002 de 19.2.

Na redacção dada pelo art. 10º da Lei 59/2008, de 11.9 - que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - [RCTFP] - o art. 4°, n°3 al. d) do ETAF passou a estatuir:

“Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa fiscal a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contrato de trabalho em funções públicas”.

No Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.10.2015 - Proc. 206/14.5T8VLG.P1 — in www.dgsi.pt, pode ler-se:

“Como refere o Conselheiro Carlos Cadilha, “O novo regime [de 2008] introduziu um novo paradigma: o contrato de pessoal é o regime-regra de constituição da relação de emprego público. A Lei deixou, por outro lado, de fazer qualquer referência expressa às noções de funcionário e agente administrativo, as quais se mantêm como meras categorias conceituais.
Segundo o mesmo autor, “[o] Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), regulado na Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, embora tenha um regime decalcado do Código de Trabalho, é expressamente qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa (artigo 9º, n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008), e não deixa de constituir uma relação laboral específica que é apenas aplicável no âmbito da Administração Pública […]. Assim se compreende que o pessoal contratado seja recrutado através de procedimento concursal (artigo 50º da Lei n.º 12-A/2008), se encontre sujeito a um estatuto disciplinar próprio (artigos 1º, n.º 1, do ED e 88º da Lei n.º 59/2008) […], e ainda a um sistema de incompatibilidades (artigo 26º da Lei n.º 12-A/2008), e que a competência para a apreciação dos litígios emergentes do contrato se encontre atribuída aos tribunais administrativos (artigos 83º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008 e 4º, n.º 3, alínea d), do ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2008) […]” - Vide Carlos Cadilha, “Direitos adquiridos na relação laboral pública e privada”, Conferência proferida no Supremo Tribunal de Justiça em Outubro de 2012, com texto integral em www.stj.pt.

Não podendo, desde já, afirmar-se em função da causa de pedir invocada pelo Autor e do pedido que formula, que a relação contratual possa ser qualificada como um contrato individual de trabalho, o celebrado entre a Ré e o formador A…………., ainda que celebrado com um ente público, não se pode afirmar a incompetência do tribunal onde inicialmente a acção foi intentada, neste caso o Tribunal de Trabalho da Comarca de Portalegre.

Saber se o vínculo contratual exprime ou não submissão ao direito privado por dever ser qualificado como contrato de trabalho subordinado, ou ao direito público, seja ou não contrato de prestação de serviços, contende com o mérito ou fundo da causa, irrelevando, para a definição da competência material, tanto mais que, como dissemos, os factos hábeis à qualificação dessa relação são controvertidos.

Neste entendimento, é tempo de afirmar que a competência material para decidir o pleito radica nos tribunais comuns.

Decisão:

Termos em que se resolve o conflito de jurisdição, considerando competente, em razão da matéria, a jurisdição comum, Tribunal do Trabalho, o conhecimento da acção.

Sem custas.

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2016. – António José Pinto da Fonseca Ramos (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Hélder João Martins Nogueira Roque – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Ernesto António Garcia Calejo – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.