Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:029/15
Data do Acordão:11/12/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONFLITO.
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL.
CONCESSIONÁRIO.
Sumário:I - O art. 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF, conferiu à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de contratos, em que um dos contraentes é um concessionário, actuando no âmbito da concessão, e que foi submetido pelas partes a um regime substantivo de direito público.
II - Assim, compete aos Tribunais Administrativos conhecer o litígio decorrente do incumprimento de um contrato que tinha por objecto a realização de trabalhos necessários à pavimentação de vários troços da auto-estrada de que a dona da obra era concessionária e cujas cláusulas se limitavam a pormenorizar o regime das empreitadas de obras públicas que, por vontade das partes, também funcionava como regime supletivo de aplicação.
III - A estipulação contratual do foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa para resolução das questões emergentes desse contrato não afasta a competência dos Tribunais Administrativos, que é de ordem pública e decorre da aplicação da lei.
Nº Convencional:JSTA000P19704
Nº do Documento:SAC20151112029
Data de Entrada:06/16/2015
Recorrente:A............, SA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE LISBOA, INSTÂNCIA CENTRAL, 1ª SECÇÃO CÍVEL - J15 E O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, 1ª SECÇÃO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:

1. “B…………, S.A.”, intentou, na Instância Central, 1.ª Secção Cível da Comarca de Lisboa, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a “A…………, S.A.”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da execução de um contrato que com esta celebrara.
Na contestação, a R. reconviu e requereu a intervenção principal da “C…………, S.A.”.
Admitida a requerida intervenção principal, a “C…………” contestou e pediu a intervenção acessória, na qualidade de sua associada, da “D…………, S.A.”.
Após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se julgou procedente a excepção da incompetência do tribunal em razão da matéria, tanto no que concerne ao pedido principal como ao pedido reconvencional, absolvendo-se da instância as partes daquela acção.
A R. “A…………” interpôs, desta sentença, recurso para o Tribunal da Relação, a que foi negado provimento pelo acórdão prolatado a fls. 2568-2574, por se considerar que a competência para apreciar o litígio cabia à jurisdição administrativa, sendo os tribunais comuns materialmente incompetentes para conhecerem os litígios emergentes de um contrato que as partes haviam sujeitado ao regime substantivo dos contratos administrativos.
Inconformada, a R. “A…………” interpôs o presente recurso, onde formulou o seguinte quadro conclusivo:
“3.1 Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e têm competência residual para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (cfr. n.º 1 do artigo 211.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e n.º 1 do artigo 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)).
3.2 Por seu turno os tribunais administrativos são os tribunais competentes para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (cfr. n.º 3 do artigo 212.º da CRP e artigo 1.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro (ETAF)).
3.3 O caso dos presentes autos visa apreciar a responsabilidade contratual decorrente de um contrato de empreitada celebrado entre duas partes privadas, ainda que uma delas, o dono da obra, no âmbito da concessão de uma auto-estrada.
3.4 Tal contrato de empreitada não configura nem estabelece uma relação jurídica administrativa entre as partes no mesmo, designadamente e desde logo por não conter quaisquer cláusulas que fixem a execução, por uma das partes, de poderes de autoridade sobre a outra.
3.5 A simples remissão no contrato de empreitada para a aplicação subsidiária do D.L. n.º 55/99 é manifestamente insuficiente para determinar a atribuição pelas partes de poderes de autoridade próprios da administração ao dono da obra.
3.6 Por outras palavras, a simples remissão no contrato de empreitada para a aplicação subsidiária do D.L. n.º 55/99 é manifestamente insuficiente para alterar a natureza privada de tal contrato de empreitada, antes configurando apenas uma prática contratual comum em contratos de empreitada e não configurando a vontade das partes de sujeitar tal contrato a um regime substantivo de direito público.
3.7 A simples remissão para a aplicação, meramente supletiva, do D.L. n.º 55/99 não implica a submissão do contrato de empreitada a um regime substantivo de direito público, para efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.
3.8 A conclusão contrária em que assenta o acórdão recorrido, é manifestamente ilegítima, desde logo por não ter qualquer correspondência com a vontade das partes manifestada de forma clara no contrato de empreitada, designadamente ao sujeitarem de forma expressa a aplicação do próprio regime do D.L. n.º 55/99 a duas condições, a saber: (i) que tal regime apenas se aplicaria “no omisso”, isto é, no que não estivesse especificamente estipulado no contrato, e (ii) que em caso de conflito as disposições do contrato prevalecem “sobre quaisquer disposições legais ou regulamentares não imperativas”.
3.9 Ora, o contrato atribuiu de forma expressa “ao foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa” a competência para dirimir os conflitos entre as partes.
3.10 Donde que, caso a aplicação do regime do D.L. n.º 55/99 implicasse a competência exclusiva da jurisdição administrativa, tal regime teria de ser afastado em bloco, por ser de aplicação meramente subsidiária e violar o acordo expresso entre as partes relativamente ao foro.
3.11 Constitui uma subversão de raciocínio inaceitável aquela que o tribunal recorrido comete dando prevalência à regra legal que, por arrasto da aplicação ao contrato do D.L. n.º 55/99, voluntária e meramente subsidiária, indica a jurisdição administrativa como a competente para dirimir os litígios emergentes do contrato, sobre a regra do contrato, expressa e inequívoca, que atribui essa competência ao foro da comarca de Lisboa.
3.12 Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve entender-se serem os tribunais comuns, no caso e ao tempo as Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, materialmente competentes para julgar a presente acção, uma vez que a lei processual não atribui à jurisdição administrativa o conhecimento dos litígios emergentes do incumprimento do contrato de empreitada celebrado entre a A. e a R.
3.13 Ao julgar incompetente o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa e competente a jurisdição administrativa, o tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 1 do artigo 211.º e n.º 3 do artigo 212.º da CRP, n.º 1 do artigo 40.º da LOSJ e artigos 1.º e 4.º do ETAF, designadamente a alínea f) deste artigo 4.º”.
Não houve contra-alegações.
O digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer, onde concluiu pela improcedência do recurso.
2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
a) A A. dedica-se à construção civil e obras públicas;
b) A R. é concessionária da construção, concepção, projecto e conservação de sete lanços de auto-estrada;
c) A R., em finais de 2007, lançou um concurso limitado para adjudicação de uma empreitada de beneficiação e reforço do pavimento de troços do lanço G, Régua-Bigorne, pertencente a uma das auto-estradas de que é concessionária;
d) Tendo aquela empreitada sido adjudicada pela R. à A., estas subscreveram o “contrato para a beneficiação/reforço do pavimento do lanço G”, junto como documento n.º 1 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. A competência material, enquanto medida de jurisdição de cada tribunal, afere-se em função do modo como o autor configura a acção, ou seja, pelos termos em que se mostra estruturado e formulado o pedido e a causa de pedir.
Resulta dos arts. 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, ambos da CRP, que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outras ordens jurisdicionais, enquanto que aos tribunais administrativos cabe julgar as causas “emergentes de relações jurídicas administrativas”.
Para determinação do conteúdo do conceito de relação jurídica administrativa, deve tomar-se em consideração que, como escrevem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa”, volume II, 4.ª edição, páginas 566 e 567), “esta qualificação comporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo…”.
O art. 4.º, do ETAF, concretizou a competência dos tribunais administrativos e fiscais, elencando, no seu n.º 1, a título exemplificativo, várias matérias cujo objecto se insere na esfera de competência da justiça administrativa.
Nos termos da alínea f) desse art. 4.º, n.º 1, na redacção resultante da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12, compete à jurisdição administrativa e fiscal a apreciação das “Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo direito público”.
Foi com fundamento nesta norma que o acórdão recorrido concluiu pela competência dos tribunais administrativos para conhecer o litígio em causa nos autos, tendo, para o efeito, referido o seguinte:
“(…)
A autora invoca a responsabilidade da ré, por prejuízos decorrentes do incumprimento do contrato celebrado. Por seu lado, a ré invoca em reconvenção prejuízos e lucros cessantes decorrentes do cumprimento do mesmo contrato.
É verdade que o contrato atribui competência “ao foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa” para a resolução dos litígios daí decorrentes – cláusula 39.2 do contrato de empreitada. Isto por um lado.
Mas, por outro lado “O contrato prevalece sobre quaisquer disposições legais e regulamentares não imperativas. No omisso aplicar-se-á o disposto no Decreto-Lei n.º 55/99, de 2 de março” (cláusula 40.1).
O contrato, como observa o tribunal recorrido, é anterior ao Código dos Contratos Públicos; mas as partes estipularam a aplicação do DL n.º 55/99 em tudo o que não estivesse expressamente clausulado. Este decreto-lei aprovou o Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas.
Como bem observa o Tribunal recorrido, o concessionário e o empreiteiro “submeteram, por estipulação expressa, ao regime substantivo de direito público respeitante às empreitadas de obras públicas (RJEOP), o contrato de empreitada por eles celebrado”. E “as partes não excecionaram as disposições do RJEOP em que a autoridade administrativa age com poderes de autoridade”.
A isto, a recorrente objecta que “a simples remissão no contrato de empreitada, para a aplicação subsidiária DL 55/99 é manifestamente insuficiente para determinar a atribuição pelas partes de poderes de autoridade próprios da administração ao dono da obra” (concl. 4.5), “antes configurando apenas uma prática contratual comum em contratos de empreitada e não configurando a vontade das partes de sujeitar tal contrato a um regime substantivo de direito público” (concl. 4.6). E “a conclusão contrária, que resulta da sentença recorrida, é manifestamente ilegítima, desde logo por não ter correspondência com a vontade das partes manifestada de forma clara no contrato de empreitada, designadamente ao sujeitarem de forma expressa a indicação do regime do DL 55/99 a duas condições, a saber: (i) que tal regime apenas se aplicaria no omisso, isto é, no que não estivesse especificamente estipulado no contrato, e (ii) que em caso de conflito as disposições do contrato prevalecem “sobre quaisquer disposições legais ou regulamentares não imperativas”.
Examinando o contrato (fls. 54ss), vê-se bem que quanto à condição (i) aqui referida pela recorrente, o clausulado específico em nada afasta, apenas pormenoriza as regras do RJEOP (cláusulas 3.ª a 5.ª – gestão e fiscalização, documentos contratuais; cláusulas 6.ª a 7.ª – regime e pagamento; cláusulas 8.ª a 10.ª – prazos e multas; cláusulas 11.ª 22.ª – execução e outras obrigações do empreiteiro; cláusulas 23.ª a 26.ª - receção da obra; cláusulas 27.ª a 31.ª - suspensão e resolução; cláusulas 32.ª e seguintes – disposições gerais). Isto é, há uma receção geral daquele regime jurídico, de tal forma que qualquer contrato administrativo de direito público poderia segui-lo. Assim a objeção (i) da recorrente não tem razão de ser.
E o mesmo se diga da objeção (ii): examinado aquele clausulado, só se pode concluir que foi preocupação das partes não afastar quaisquer disposições legais ou regulamentares do direito dos contratos administrativos de obras públicas.
Assim, só pode concluir-se que ao submeterem o presente contrato a um regime substantivo de direito público (hoje revogado, mas na altura em vigor), a vontade das partes foi atribuir-lhe natureza administrativa – conforme resulta do RJEOP.
A única diferença consiste precisamente em terem clausulado que os litígios emergentes do contrato seriam decididos pelo Tribunal Cível da Comarca de Lisboa – cl.39.2. (Também preveem o recurso a arbitragem, mas aqui não se afastam do RJEOP, que expressamente previa a possibilidade de recurso a um tribunal arbitral – arts. 253.2 e 259ss do RJEOP).
Ao fim e ao cabo, as partes quiseram submeter o presente contrato ao regime substantivo de direito público, salvo no que diz respeito ao tribunal competente para decidir os eventuais litígios que seria o Tribunal Cível e não o Tribunal Administrativo – cláusula 39.2.
Daqui resulta que aquela cláusula 39.2 viola a lei, não podendo prevalecer contra o disposto no art. 4.1.f do ETAF/93.
Pois, se o contrato está submetido a um regime substantivo de direito público, cabe aos tribunais administrativos decidir os litígios daí emergentes, não podendo as partes, por acordo, afastar essa competência – art. 4.1.f do ETAF/2003 (norma imperativa que as partes não podiam derrogar por acordo).
(…)”
Contra este entendimento, a recorrente, no presente recurso, reitera o alegado no recurso interposto para o Tribunal da Relação, referindo que nenhuma das cláusulas do contrato conferia poderes de autoridade à concessionária, sendo insuficiente para alterar a sua natureza privada a previsão da aplicação subsidiária do DL n.º 55/99, a qual, aliás, sempre teria de ceder perante o acordo expresso das partes que elegeram o “foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa” como o competente para dirimir os litígios emergentes desse contrato.
Vejamos se lhe assiste razão.
O citado art. 4.º, n.º 1, al. f), conferiu à jurisdição administrativa “o poder de apreciar as questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo – ou seja, contratos que determinem a produção de efeitos que também poderiam ser determinados através da prática, pela entidade pública contratante, de um acto administrativo unilateral – de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo – ou seja, contratos administrativos típicos, como tal previstos e regulados por normas específicas de direito administrativo – ou de contratos que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público” (cf. Mário Aroso de Almeida in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista, págs. 100 e 101).
Assim, de acordo com este preceito, para além dos contratos típicos e dos contratos com objecto passível de acto administrativo, só ficam submetidos à jurisdição administrativa os litígios emergentes de contratos (atípicos sem objecto passível de acto administrativo) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão, desde que as partes lhe tenham expressamente conferido o estatuto de contratos administrativos.
A submissão do contrato, pelas partes, a um regime substantivo de direito público, pode resultar de indicação expressa, da remissão para o regime do art. 180.º do CPA, da qualificação expressa do contrato como administrativo ou da introdução de cláusulas só concebíveis numa relação em que a Administração seja parte (cláusulas exorbitantes) – cf. Ac. do T.C. de 16/09/2010, proferido no Conflito n.º 013/09.
Constituindo o seu objecto a realização de trabalhos necessários à beneficiação/reforço do pavimento de vários troços da auto-estrada de que a “A…………” era concessionária, é manifesto que os efeitos produzidos por esse contrato nunca poderiam ser determinados pela prática de um acto administrativo.
Por outro lado, face ao valor da obra que era objecto do contrato e ao disposto no art. 3.º, n.º 1, al. h), do DL n.º 59/99, a “A…………” não podia ser considerada dona de obra pública, motivo por que aquele contrato não preenchia os requisitos do art. 2.º, n.º 3, para ser qualificado como de empreitada de obras públicas para efeitos deste diploma.
Porém, sendo uma das partes do contrato uma concessionária actuando no âmbito da concessão, a competência da jurisdição administrativa verifica-se desde que se possa concluir que as partes optaram por o submeter a um regime substantivo de direito administrativo.
Ora, como nota o acórdão recorrido, o contrato limita-se a pormenorizar as regras constantes do DL n.º 59/99, havendo uma recepção geral deste regime em termos idênticos ao que sucede em qualquer contrato administrativo.
Além disso, estabeleceu-se nele, como regime supletivo de aplicação, o das empreitadas de obras públicas, aprovado pelo DL n.º 59/99.
Esta remissão subsidiária ou supletiva para o mencionado regime, através de cláusula contratual, faz sentido num contrato cujo objecto está ligado às finalidades de interesse público prosseguidas pela concessionária e que, em resultado da aludida recepção, apresenta marcas de administratividade como qualquer contrato de empreitada de obras públicas.
Este Tribunal, no Ac. de 22/02/2011-Conflito n.º 027/10, aplicando o art. 4.º, n.º 1, al. f), do ETAF, entendeu que cabia aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para apreciar os litígios decorrentes da execução de um contrato que tinha, como regime supletivo de aplicação, o das empreitadas de obras públicas aprovado pelo DL n.º 405/93, de 10/12, por bastar, salvo regra excludente, que um qualquer aspecto substantivo relevante desse contrato estivesse sujeito a um regime específico de direito público, ainda que se pudesse questionar a sua qualificação como empreitada de obras públicas.
A circunstância de no contrato terem sido incluídas cláusulas que determinam a aplicação, no todo ou em parte, de um regime normativo onde se regula um contrato administrativo típico (cf. artº. 178º, nº. 2, al. a), do CPA, então em vigor) demonstra que as partes optaram, de modo expresso e inequívoco, por submeter o contrato a um regime substantivo de direito administrativo.
Assim, embora o contrato tenha objecto passível de direito privado – por este ser, em princípio, susceptível de se enquadrar no negócio jurídico entre particulares -, inclui cláusulas de conteúdo idêntico às de qualquer empreitada de obras públicas, cujo regime jurídico funciona, por vontade das partes, como regime supletivo de aplicação, estando, por isso, os litígios decorrentes da sua execução submetidos à jurisdição administrativa, nos termos do artº. 4º, nº. 1, al. f), do ETAF.
Refira-se, finalmente, que a estipulação do foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa para resolução das questões emergentes do contrato em causa não pode ter a virtualidade de afastar a competência dos tribunais administrativos, que é de ordem pública e decorre da aplicação da lei (cf. Ac. deste TC de 18/01/2006 – Conflito nº. 020/03).
Portanto, o acórdão recorrido, ao julgar materialmente incompetentes os tribunais comuns, por a competência para julgar a acção caber aos tribunais administrativos, não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido e atribuindo, assim, aos tribunais da jurisdição administrativa a competência para conhecer da acção.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Novembro de 2015. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – António Pires Henriques da GraçaMaria Benedita Malaquias Pires Urbano – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego – José Augusto Araújo Veloso – Manuel Tomé Soares Gomes.