Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:026/05
Data do Acordão:05/25/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
REVERSÃO DE PRÉDIO EXPROPRIADO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:I - A determinação do Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor afere-se em função dos termos em que a acção vem proposta e com os fundamentos em que ela se estriba e não com as pessoas das partes, a sua legitimidade, ou a procedência da acção.
II – Deste modo, se os Autores intentam uma acção declarativa comum onde eregem o pedido de condenação dos Réus a reconhecer a existência do direito de reversão do prédio que lhes foi expropriado como sendo o pedido principal, o pedido de que tudo depende, e se o fundamentam no facto daquele não ter sido aplicado na finalidade que justificou a sua expropriação, isso significa que o que questionam é a legalidade da declaração de expropriação e do indeferimento de reversão.
III - Todavia, tanto a declaração da utilidade pública da expropriação como o acto que aprecia (deferindo ou indeferindo) o pedido de reversão do prédio expropriado são actos administrativos proferidos na consequência de requerimentos feitos à autoridade competente para a sua prolação, cabendo aos Tribunais Administrativos conhecer da legalidade da decisão que sobre eles recair.
IV - E, porque assim, é matéria cuja competência está sediada na jurisdição administrativa.
V - Os Tribunais comuns são, pois, incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do objecto daquela acção declarativa.
Nº Convencional:JSTA00063205
Nº do Documento:SAC20060525026
Data de Entrada:01/04/2006
Recorrente:A... E OUTROS NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SEIXAL E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RL.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:ETAF96 ART3 ART51.
CONST97 ART211.
CEXP91 ART11 ART70.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC318 DE 2000/07/11.; AC TCF PROC358 DE 2000/10/03.; AC STAPLENO DE 1998/12/09 IN BMJ N482 PAG93.; AC STA PROC37648 DE 1999/02/11.
Referência a Doutrina:MANUEL DE ANDRADE NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL PAG88-91.
Aditamento:
Texto Integral: A... e outros intentaram no Tribunal Judicial do Seixal, a presente acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra a “..., S.A.” e ..., S.A.” tendo, no decurso da acção, requerido a intervenção principal de 31 pessoas jurídicas das quais foram admitidas o Município do Seixal, o “Banco Totta e Açores S.A.”, a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, o “...SA” e “..., Lda”.
Aquele Tribunal, porém, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para dela conhecer, pelo que - nos termos dos art.ºs 102.º, 103.º e 105º do CPC - absolveu os Réus da Instância.
Julgamento que o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou.
Inconformados, os Autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça tendo rematado as suas alegações do seguinte modo:
1. A expropriação por utilidade pública, seguida pela venda lucrativa, totalmente fora do âmbito da declaração de utilidade pública, dá azo a uma injustiça digna de apreciação judicial.
2. A competência material deverá ser aferida pelo modo por que a acção seja proposta e pela natureza dos respectivos pedido e causa de pedir.
3. O direito de retenção é bifronte: perante a entidade expropriante, assenta numa relação administrativa; mas erga omnes, dá corpo a um direito real de aquisição.
4. Os Tribunais Comuns são competentes para apreciar a existência desse direito real de aquisição e as eventuais violações a que possa dar azo.
5. Em especial, compete-lhes constatar a sua presença e condenar os intervenientes a respeitá-lo.
6. Compete-lhes, ainda, pronunciar-se sobre situações de enriquecimento ilegítimo daí decorrentes.
7. Também a matéria indemnizatória e a atinente ao registo, puramente instrumentais, têm cabimento no foro comum.
8. Apenas a assunção da competência necessária para as apontadas apreciações permitirá evitar a violação, entre outros, dos artigos 20.°, n.º 1, 4 e 5, da Constituição, 2.° e 66.° do CPC e 18.° n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13/01, violação em que, com o devido respeito, incorreu o douto acórdão recorrido.
..., S.A contra alegou para formular as seguintes conclusões :
1. O douto acórdão recorrido julgou os Tribunais Comuns incompetentes para decidir a presente acção, por esta pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa.
2. O presente recurso tinha de ser interposto para o Tribunal de Conflitos (vd. art.º 107°/2 do CPC), devendo, por isso, ser rejeitado (vd. Ac. STJ de 1999.01.20, Proc. 1054/98), tanto mais que o douto despacho de fls. 1497 dos autos não vincula este Supremo Tribunal (vd. art.ºs 687°/4 do CPC).
3. A Administração Pública e os Tribunais Administrativos são as entidades competentes para decidir do pedido de reversão referente a imóveis expropriados, que constitui o pedido principal e o pressuposto dos restantes pedidos formulados pelo ora recorrente (vd. artº 212° da CRP e art.ºs 101.º, 102°, 105.º/1, 288°/1/a), 493° e 494°/a) do CPC).
4. No caso sub judice, está em causa uma relação jurídica administrativa exercício do direito de reversão, por alegadamente os imóveis expropriados ao ora recorrente terem sido afectos a fim diverso do que motivou aquele acto ablativo (vd. artº 212° da CRP; cfr. art.ºs 5.º e 70.º e seg.s do CE 91) -, competindo exclusivamente aos Tribunais Administrativos apreciar da legalidade do acto administrativo que indeferiu o requerimento de reversão apresentado pelo ora recorrente (vd. art. S1°/1/c) do ETAF aprovado pelo DL 129/84, de 27/04; cfr. Ac. do Tribunal de Conflitos de 2004.11.04, Conflito n.° 12/04).
5. A questão nova invocada na conclusão 1.ª das alegações do ora recorrente, além de claramente inadmissível (vd. art.ºs 676°/1, 680° e 690°/1 do CPC), é absolutamente improcedente, pois no caso em análise não se discute nem está em causa a susceptibilidade de a pretensão do recorrente ser objecto de "apreciação judicial", mas apenas quais os Tribunais que na nossa ordem jurídica têm competência material para apreciar a referida pretensão (vd. art.ºs 20° e 212° da CRP).
6. O douto Acórdão do STA, de 1996.01.26, já transitado em julgado, rejeitou o recurso contencioso interposto do indeferimento tácito do pedido de reversão apresentado pelo ora recorrente que, com a presente acção, mais não pretende do que pôr em causa a força e autoridade do caso julgado do referido aresto (vd. art.ºs 671.° e segs. do CPC);
7. A relação material controvertida, tal como foi configurada pelo ora recorrente, consubstancia um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa, pretendendo o recorrente ser indemnizado por pretensos danos resultantes de actos de gestão pública imputáveis ao Senhor Primeiro Ministro (vd. art. 70°/1 do CE 91), sendo os Tribunais Administrativos os únicos com competência para o seu conhecimento, ex vi do disposto no art.º 51°/1/h) do ETAF (cfr. art.º 22° da CRP e art.º 2°/1 do DL 48051, de 1967.11.21);
8. Os restantes pedidos formulados pelo ora recorrente respeitam a actos de gestão pública, cujo conhecimento compete igualmente aos Tribunais Administrativos (vd. art.º 51°/1/h) do ETAF; cfr. art.º 4°/1g) e i) do novo ETAF).
A Câmara Municipal do Seixal contra alegou rematando assim as suas alegações:
A. O D. Acórdão recorrido não merece censura, pelo que deve ser negado provimento ao presente recurso.
B. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, não se verificando o reconhecimento do direito de reversão, inexiste enriquecimento sem causa por parte das Recorridas,
C. Logo, o pedido alegadamente subsidiário de "enriquecimento sem causa" carece absolutamente de causa de pedir, pelo que o teor da conclusão 2.ª milita contra o Recorrente.
D. O teor das conclusões 1.ª e 3.ª mais não constitui do que uma tentativa - salvo o devido respeito - "gorada", de adaptação dos pedidos formulados na D.P.I. e transcritos nas D. Alegações do Recorrente, que permanecem indissociavelmente ligados ao invocado direito à reversão da propriedade do prédio expropriado e na sua estreita dependência.
E. Assim, ao dirigir-se ao Tribunal Comum nos termos peticionados, o A. ora Recorrente, espera dele que profira decisões que só poderiam ser tomadas por um Tribunal Administrativo, contrariamente ao alegado nas conclusões 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª, que assim se impugnam.
F. Ao declarar-se incompetente para julgar a acção, o Tribunal de 1.ª instância outra coisa não poderia ter feito.
G. Da mesma forma, ao não determinar a reformulação da P.I. e dos pedidos, também o D. Tribunal da Relação não podia ter feito de outro modo, limitados que estão os seus poderes de cognição às conclusões do recurso!
H. Num caso, como noutro, era ao A. e Recorrente que o ónus cabia e este não se compadece - na expressão do próprio - com "naturais flutuações de linguagem".
I. Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o D. Acórdão recorrido decidiu bem, no estrito respeito pelas normas aplicáveis, ao confirmar a D. decisão da 1ªa instância, que se julgou incompetente em razão da matéria, para o julgamento da causa, absolvendo consequentemente as rés da instância.
O Supremo Tribunal de Justiça, invocando o disposto no art.º 107.º, n.º 2 do CPC, remeteu o processo para este Tribunal de Conflitos.
O Ilustre Magistrado do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
I MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal recorrido julgou assentes os seguintes factos:
1. – No seu articulado inicial, que deu entrada em juízo em 30/6/97, os Autores formularam o seguinte petitório:
a) A reconhecer o desaparecimento da necessidade da expropriação do prédio em litígio.
b) A reconhecer, sobre o prédio em litígio, a oneração resultante do exercício pelos Autores do direito de reversão previsto nas leis de expropriação.
c) A absterem-se de alienar, onerar ou transformar, directamente, ou por interposta pessoa, quaisquer parcelas pertencentes ao prédio em litígio.
d) Subsidiariamente, quando o direito de reversão não seja reconhecido em sede administrativa, a restituir aos Autores o valor correspondente ao seu enriquecimento, em termos a calcular em execução da sentença.
e) Em qualquer dos casos, a indemnizar os Autores por todos os prejuízos, despesas e outros custos, causados com recusa injustificada em reconhecer os seus direitos, em termos a calcular também em execução de sentença.
Mais se requer a V.ª Ex.cia o cancelamento de todos os registos existentes sobre o prédio em litígio, posteriores ao registo de aquisição a favor de A...”
2. – Por Acórdão de 23/01/1996 o STA decretou que “os Recorrentes não têm legitimidade para o presente recurso contencioso de anulação, devendo rejeitar-se o recurso …. já que do eventual provimento do recurso não poderiam obter o efeito jurídico-prático pretendido com a interposição do recurso contencioso de anulação do acto tácito de indeferimento impugnado, ou seja, a reversão da propriedade dos prédios expropriados, agora na propriedade e posse de terceiros, titulado em acto administrativo com força de caso resolvido.”
II O DIREITO
1. Resulta do antecedente relato que os Autores interpuseram recurso contencioso de anulação do indeferimento do seu pedido de reversão do prédio ora em causa e que tendo esse recurso sido rejeitado, com fundamento na sua ilegitimidade, deduziram, no Tribunal Judicial do Seixal, a presente acção declarativa pedindo que os Réus fossem condenados a reconhecer que a necessidade da expropriação do referido prédio havia desaparecido, que este estava onerado com o direito de reversão de que os Autores eram titulares, a absterem-se de o alienar, onerar ou transformar fosse de que forma fosse e, subsidiariamente, para o caso daquele direito não vir a ser reconhecido em sede administrativa, fossem condenados a restituir-lhes o seu valor e a indemnizá-los de todos os prejuízos causados pela sua recusa de reconhecimento dos seus direitos. Requereram, ainda, o cancelamento de todos os registos existentes sobre esse prédio que fossem posteriores ao registo da sua aquisição a favor de A... .
O que significa que o que os Autores pretendem nesta acção é a obtenção de efeitos que substituam, ou compensem, os efeitos que teriam alcançado se, no recurso contencioso, lhes tivesse sido reconhecido o direito de reversão do mencionado prédio.
Todavia, a Relação de Lisboa, confirmando o julgamento que havia sido feito no Tribunal de 1.ª Instância, considerou que os Tribunais comuns careciam de competência material para conhecer dos identificados pedidos e, consequentemente, para decretar as medidas requeridas e, nessa conformidade, manteve a decisão que havia absolvido os Réus da Instância.
E justificou assim esse entendimento:
Na verdade, como se enuncia, neste caso bem, na sentença recorrida todos os pedidos formulados – mesmo os que o foram a título subsidiário …….. – estão indissoluvelmente ligados ao invocado direito à reversão da propriedade do prédio expropriado e em estrita dependência do mesmo. Ou seja, ao contrário do que é alegado pelo Agravante, este não se limita a «invocar factos materiais de onde retira efeitos civis», querendo, antes, que o Tribunal a que se dirige profira decisões que só pode, - poderiam ser tomadas por um Tribunal Administrativo; quando muito, nos Tribunais comuns, poderia discutir-se e decidir-se se o Estado (ou mais exactamente a entidade beneficiária da expropriação) usou o não o prédio para os fins que foram invocados para justificar essa expropriação e se, por esse facto, sofreram ou não os Autores um empobrecimento do seu património correspondente ao enriquecimento ilegítimo dessa beneficiária ou de uma outra qualquer entidade. Só que não foi isso que os Autores pediram e a competência do Tribunal determina-se a partir dos concretos pedidos formulados.”
E, porque assim, a questão que se nos coloca é a de saber qual a jurisdição competente para conhecer da matéria suscitada nesta acção. Será a administrativa como se decidiu no Tribunal recorrido ou, pelo contrário, como se defende neste recurso, será a jurisdição comum?
1. A jurisdição dos Tribunais Administrativos vinha definida no art. 3.º do ETAF aprovado pelo DL 129/84, de 27/04 - aplicável por vigorar à data da propositura desta acção - do seguinte modo: “incumbe aos Tribunais Administrativos e Fiscais, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais.” Sublinhado nosso. O novo ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19/02, não se afastou deste entendimento pois proclamou que “os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais.”
Sendo certo, por outro lado, que a CRP estabelece que os “tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” – vd. seu art.º 211°, n.° 1 – o que significa que, como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado, a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão, cabendo-lhe julgar todas as acções que não sejam especialmente atribuídas a outras espécies de Tribunais.
A determinação do Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor afere-se em função dos termos em que a mesma vem proposta e dos fundamentos em que ela se estriba, “sendo, para esse efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma (por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão), mas sendo igualmente certo que o Tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo Requerente ou Autor”. É o que tradicionalmente se costuma exprimir com a fórmula «a competência determina-se pelo pedido formulado pelo Autor». Acórdão do Tribunal de Conflitos de 11/7/00, Conflito n.º 318 (AD 468/1.630). No mesmo sentido, e a título meramente exemplificativo, vd. Acórdãos desse mesmo Tribunal de 3/10/00, (Conflito n.º 356), de 6/11/01, (Conflito n.º 373) e de 5/2/03, (Conflito n.º 6/02), do Pleno do STA de 9/12/98, rec. n.º 44.281 (BMJ 482/93) e do STJ de 21/4/99, rec. n.º 373/98 e Prof. Manuel de Andrade”, Noções Elementares de Processo Civil” pg. 88 e seg.s
“A competência do Tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os seus fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.” – M. Andrade, Obra citada a fls. 91.
Encontra-se, pois, assente que a determinação da competência material de um Tribunal depende dos termos em que o Autor formulou a sua pretensão e dos fundamentos em que a estribou e, assim sendo, cumpre resolver a identificada questão à luz dos princípios acabados de expor.
2. Os Autores (ora Recorrentes) interpuseram esta acção no Tribunal Judicial do Seixal alegando que haviam herdado um prédio e que este havia sido expropriado, em 1/10/1970, para nele serem implantadas as instalações fabris da ..., o que não veio a acontecer por o mesmo ter sido transferido para o património da ..., S.A. que o urbanizou e alienou os correspondentes lotes a terceiros.
Deste modo, e porque o dito prédio não foi aplicado no fim que justificou a sua expropriação, reclamam o direito de reversão do mesmo para a sua titularidade o qual, a não ser reconhecido, determinará um enriquecimento injusto e ilegal dos Réus que, por isso, ficam constituídos na obrigação de os indemnizar de todos os prejuízos sofridos decorrentes dessa situação.
Pedem, assim, a título principal, que os Réus sejam condenados a reconhecer que desapareceu a necessidade que determinou a referida expropriação e o seu direito à reversão do prédio expropriado e, consequentemente, que sejam condenados a absterem-se de o alienar, onerar ou transformar. Mas, na improcedência deste pedido e não sendo reconhecido em sede administrativa o direito de reversão, pedem, a título subsidiário, que se condene os Réus a restituir-lhes o valor correspondente ao seu enriquecimento e a indemnizá-los por todos os prejuízos sofridos em resultado do não reconhecimento dos seus direitos.
É, assim, visível que o que os Autores pretendem alcançar nesta acção é o reconhecimento de que são titulares do direito de reversão sobre o mencionado prédio, com vista a obterem os correspondentes benefícios (veja-se o pedido subsidiário), em suma pretendem conseguir o que lhes foi recusado no recurso contencioso onde solicitaram a anulação do indeferimento do pedido de reversão daquele prédio. E, tanto assim, que eregem o pedido de condenação dos Réus a reconhecer a existência do direito de reversão como sendo o pedido principal, o pedido de que tudo depende, e fundamentam-no no facto do prédio ora em causa não ter sido aplicado na finalidade que justificou a sua expropriação.
Todavia, tanto a declaração da utilidade pública da expropriação como o acto que aprecia (deferindo ou indeferindo) o pedido de reversão do prédio expropriado são actos administrativos proferidos na sequência de requerimentos feitos à autoridade competente para a sua prolação, cabendo aos Tribunais Administrativos conhecer da legalidade da decisão que sobre eles recair. – vd. art.ºs 11.º e 70.º/1 do CE/91 e art.º 51.º do ETAF aprovado pelo DL 129/84, de 27/4, aplicáveis por vigorarem na data em que os Autores requereram a declaração desse direito e, entre muitos outros, Acórdão deste STA de 11/02/99, rec. 37.648).
O que os Autores bem sabiam pois que só depois de verem administrativamente indeferido o pedido de reversão daquele prédio e só depois de verem naufragado o recurso contencioso deste indeferimento é que interpuseram a presente acção. Só que, como se vê dos respectivos fundamentos, esta versa sobre a alegada ilegalidade deste acto de indeferimento e, no fundo, é este acto que eles pretendem ver removido da ordem jurídica.
O que significa que o que os Autores pretendem ver discutido nesta acção é a legalidade de um acto administrativo
Com efeito, saber se se mantém a necessidade que determinou a expropriação do identificado prédio e saber que consequências se devem retirar desse facto e decidir em conformidade é matéria directamente atinente à competência da entidade que declarou a utilidade pública da expropriação e à legalidade deste acto e não matéria relacionada com as pessoas dos seus beneficiários. E, porque assim, é matéria cuja competência está sediada na jurisdição administrativa.
Os Tribunais comuns são, pois, incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do objecto da presente acção.
Face do exposto acordam os Juízes que compõem este Tribunal de Conflitos em negar provimento ao recurso e, em consequência, mantendo-se o Acórdão recorrido, declarar os Tribunais comuns incompetentes, em razão da matéria, para conhecer desta acção por essa competência pertencer aos Tribunais Administrativos.
Custas pelos Recorrentes, digo sem custas.
Lisboa, 25 de Maio de 2006.- Costa Reis (relator) – Azevedo Moreira – Angelina Domingues – António Mortágua – Manuel Soares – Sebastião Póvoas.