Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:051/14
Data do Acordão:10/15/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Sumário:I - Compete à jurisdição administrativa a apreciação da acção intentada contra, entre outras, a EP-Estradas de Portugal, onde é pedida a condenação dos RR. a pagarem aos AA. uma indemnização pelos prejuízos resultantes do desaparecimento da água de uma mina de que estes eram donos em regime de consortes, alegadamente causados pela construção do sublanço de uma auto-estrada.
II - Não constitui impedimento à atribuição da competência aos tribunais administrativos, o facto de também terem sido demandados um concessionário e um particular (n.º 7 do art.º 10.º do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P19531
Nº do Documento:SAC20151015051
Data de Entrada:11/06/2014
Recorrente:A... E OUTROS, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CELORICO DE BASTO E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:

1. A…………, B………… e mulher, C…………, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Celorico de Basto, acção declarativa com processo comum, sob a forma sumária, contra a “EP-Estradas de Portugal, E.P.E.”, a “D…………., SA” e “E……………, SA”, pedindo a condenação dos R.R. a, solidariamente, pagarem-lhes indemnização pelos danos causados pela obra de construção do sublanço da auto-estrada Fafe – Basto que teria provocado o desaparecimento da água da mina designada por “…………”, da qual eram proprietários em regime de consortes.
Por despacho de 23/11/2007, foi declarada a incompetência do tribunal em razão da matéria e absolvidos os R.R. da instância, por se entender que era aos tribunais administrativos que cabia a competência para julgar a acção.
Os A.A. intentaram, então, contra as mesmas R.R., no TAF de Braga, acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, tendo este tribunal, em despacho saneador datado de 20/02/2013, julgado verificada a excepção da incompetência em razão da matéria, com absolvição das R.R. da instância, por caber aos tribunais judiciais a competência para conhecer a causa.
Os autos foram remetidos a este tribunal para resolução do conflito negativo.
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, onde concluiu que, em conformidade com a orientação jurisprudencial constante dos Acs. do Tribunal de Conflitos de 20/01/2012-Conflito n.º07/11 e de 9/12/2014-Conflito n.º035/14, deveria ser atribuída a competência ao TAF de Braga.

2. A competência material do tribunal, afere-se em função do modo como o A. configura a acção, pelo que, para determinar essa competência, apenas há que atender aos factos que este articulou na petição inicial, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados (cf., entre muitos, os Ac. deste Tribunal de 20/06/2013, proferido no Conflito n.º13/13).
Enquanto que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercendo jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cf. arts.211.º, n.º1 e 212.º, n.º3, ambos da CRP).
Concretizando a competência dos tribunais administrativos e fiscais, o art.4.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º13/2002, de 17/02, estabeleceu, no n.º1, alíneas g) e i), que lhes cabe a competência para a apreciação de litígios que tenham por objecto “questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público”, bem como dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
No caso em apreço, os A.A. alegaram ser donos, em regime de consortes, de uma água que nascia e era captada numa mina designada por “……….” e que utilizavam para rega, bebida e uso doméstico. A R. “E……….”, ao efectuar as obras de construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto, sob a autoridade e fiscalização das outras R.R., procedeu a um desaterro nas imediações da mina que provocou um rebaixamento piezométrico da ordem dos 15 metros e veio a originar que, de forma irreversível, tal mina tivesse secado e desaparecido a sua água. Em consequência da perda dessa água que sempre havia sido utilizada pelos A.A., estes sofreram danos pelos quais são solidariamente responsáveis as R.R.
Sobre caso idêntico ao dos autos, onde também estava em causa a responsabilidade civil extracontratual das aqui R.R. por danos causados pelas obras de construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto já este tribunal se pronunciou, no Ac. de 9/12/2014, tirado no Conflito n.º 035/14, concluindo pela atribuição da competência aos tribunais administrativos, com a seguinte fundamentação:
“(…)
No caso em análise trata-se da responsabilidade civil extracontratual da F………….., SA pelos danos causados na construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto.
Esta ré é uma sociedade anónima de capitais públicos.
Foi transformada em sociedade anónima de capitais públicos, pelo DL 374/2007, de 7/11, após a ocorrência do facto danoso, já que a data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Celorico de Basto é de 17/12/2007.
Antes designava-se EP-Estradas de Portugal, EPE e era uma empresa do sector empresarial do Estado.
A F…… tem como objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos da concessão que com ela é celebrada pelo Estado (art.º4.º n.º1 do DL 374/2007).
A F…… rege-se pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, consagrado no DL n.º 588/99, de 17/12.
Para o desenvolvimento da sua actividade a F…. detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita (art.º 10.º n.º2 do DL 374/2007):
a) A processos de expropriação;
b) Ao embargo administrativo e demolição de construções efectuadas em zonas non aedificandi e zonas de protecção estabelecidas por lei;
c) À execução coerciva das demais decisões de autoridade;
g) À regulamentação e fiscalização dos serviços prestados no âmbito da sua actividade e à aplicação das correspondentes sanções, nos termos da lei;
h) À responsabilidade civil extracontratual, no domínio dos actos de gestão pública.
Assim, de acordo com o preceituado pelo art.º 10.º n.º2 al. h) do DL 374/2007, a ré F…… detém as prerrogativas conferidas ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita à responsabilidade civil extracontratual no domínio dos actos de gestão pública.
É inegável que a construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto constitui um acto de gestão pública da ré F……...
Forçoso se torna concluir que a apreciação da eventual responsabilidade extracontratual da ré F……… cabe à jurisdição administrativa.
Não constitui impedimento à atribuição da competência aos tribunais administrativos o facto de terem sido demandados uma concessionária e um particular, como resulta do n.º7 do art.º 10.º do CPTA”.
É esta orientação jurisprudencial que perfilhamos e que também deve ser adoptada nos presentes autos, intentados na vigência do DL 374/2007, sem necessidade de equacionar a solução face ao DL 91/2015, de 29/05 - que extinguiu a F…………., SA, sucedendo-lhe “ope legis” a “G…………., SA,” - atento que a competência do tribunal se fixa no momento em que a acção é proposta.
3. Pelo exposto, decide-se o presente conflito, atribuindo aos tribunais administrativos a competência em razão da matéria para julgar a acção em causa.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Outubro de 2015. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – João Moreira Camilo – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Ernesto António Garcia Calejo – José Augusto Araújo Veloso – Raúl Eduardo do Vale Raposo Borges.