Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:064/13
Data do Acordão:02/13/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANA PAULA BOULAROT
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P17060
Nº do Documento:SAC20140213064
Data de Entrada:01/28/2013
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 2º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FARO E O TAF DE LOULÉ
AUTOR: FARO - CM
RÉU: A................
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO DE JURISDIÇÃO
64/13

ACORDAM, NO TRIBUNAL DE CONFLITOS

I MUNICÍPIO DE FARO intentou contra A………., no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, acção administrativa comum destinada à impugnação de consignação em depósito com forma sumária, pedindo a declaração de ineficácia, nomeadamente para efeito de extinção da obrigação de pagamento da renda devida por esta, do depósito efectuado pela Ré, notificado ao Autor em 10 de Outubro de 2011, bem como todos os subsequentes que a Ré viesse a efectuar nesse montante ou em qualquer outro montante distinto do reclamado pelo Autor, e ainda a sua condenação a pagar-lhe a renda actualizada devida, nos termos que lhe foi comunicado em 28 de Julho de 2011, acrescida das penalidades legalmente devidas pela falta de pagamento, sendo com esse alcance mandado completar os depósitos. Alega, para o efeito, ser proprietário do imóvel sito na ……….., …….., …….., em Faro, o qual foi dado de arrendamento à Ré em 25 de Abril de 1986, nos termos do contrato que faz fls 6 e 7.
Alega, ainda, que em 16 de Julho de 2010 foi publicado em Diário da República (2.ª Série, n.º 137) o «Regulamento de acesso e gestão do parque habitacional do Município de Faro», que entrou em vigor em 21 de Julho de 2010 e, nos termos de tal Regulamento, todo o arrendamento de unidade independente dos imóveis construídos para habitação social do concelho de Faro será efectuado ao abrigo e de acordo com as disposições constantes do DL 166/93, de 07 de Maio, até publicação de novos regimes de acordo com o previsto na Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Em 10 de Março de 2011 foi publicado nos Jornais «Jornal do Algarve», «Região Sul» e «Diário de Noticias» o Edital nº 110/2011 de 07 de Fevereiro de 2011, do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Faro, por via do qual este dava conta que por deliberação da Câmara Municipal de 26/01/2011, o Autor decidira aplicar o regime de renda apoiada aos arrendamentos das habitações das Urbanização Municipal de Santo António do Alto, Carreira de Tiro e Avenida Cidade de Hayard, a partir de 1 de Junho de 2011.
O referido edital foi ainda afixado nos lugares de estilo do Autor e das suas Juntas de Freguesia, tendo ainda sido realizadas sessões de esclarecimento em 29 e 24 de Março de 2011.
A Ré foi notificada para proceder à entrega da documentação necessária ao apuramento da actualização da renda devida e da análise da mesma, de acordo com o disposto no DL 166/93, de 7 de Maio e demais legislação aplicável, apurou-se uma renda devida pelo réu de € 138,10, o que lhe foi comunicado em 28/07/2011.
Mais lhe comunicou que para assegurar um ajustamento progressivo e gradual das rendas, esse aumento seria implementado de acordo com um plano de pagamento repartido pelos anos de 2011 e 2012, nos termos do qual em Outubro de 2011 o valor da renda ascendia a € 39,39.
Porém, em 10/10/2011, o Autor foi notificado que a Ré não procedeu ao pagamento da renda devida, antes tendo promovido o depósito da quantia de € 19,65 à ordem do Tribunal da Comarca de Faro.

Sem precedência de citação, foi proferida decisão a fls. 16 a 21, já transitada em julgado, a julgar o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção.

Na sequência de tal despacho foi o Autor notificado para requerer a remessa dos autos ao Tribunal competente, Tribunal Judicial de Faro, o que foi feito, onde foi igualmente verificada e declarada a excepção de incompetência material, cfr fls 519 a 533.

Esta decisão igualmente transitou em julgado.

A Excelentíssima Procuradora Geral Adjunta apôs o seu parecer no sentido de serem julgados competentes os Tribunais administrativos.

II A única questão a resolver é a de saber qual das jurisdições em confronto - administrativa ou comum - é a competente.

A factualidade a ter em conta para a resolução da problemática suscitada, é a que consta do relatório supra.

Vejamos, então, a solução a dar.

A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 88 e 89.

Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência, a qual em sentido abstracto ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou, a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa, cfr Manuel de Andrade, ibidem e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, 7.

Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.

In casu, a questão suscitada, prende-se com a incompetência absoluta do Tribunal recorrido, em razão da matéria.

Dispõe o normativo inserto no artigo 66º do CPCivil (em consonância com o artigo 211º da CRP «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.») «São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.», acrescentando o artigo 67º «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada.».

Neste conspectu, convém fazer apelo ao artigo 1º, nº 1 do ETAF no qual se predispõe «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.», estando elencadas no artigo 4º, nº 1 de tal diploma, as questões que, nomeadamente, são da competência de tais Tribunais.

Quererá isto dizer que a intervenção dos Tribunais Administrativos se justificará se houver que dirimir conflitos de interesses públicos e privados no âmbito de relações jurídicas administrativas, isto é, o que importará para declarar a competência daqueles Tribunais é saber se o conflito entre as partes nestes autos, é um conflito de interesses públicos e privados e se este mesmo conflito nasceu de uma relação jurídica administrativa.

Uma vez que o dissenso que se nos depara tem na sua génese a execução de um contrato de arrendamento havido entre uma autarquia e um ente privado, isto é, estamos face a um contrato que à partida tem um cariz puramente civilístico, os tribunais administrativos só poderão ser chamados a dirimir o mesmo se se enquadrar nalguma das hipóteses previstas nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 4º do ETAF.

No que tange à eventual aplicação da alínea e), a mesma encontra-se afastada ab initio posto que o Autor na sua Petição Inicial, nada alegou no sentido de ter existido, quiçá, um procedimento pré-contratual de selecção do Réu, como arrendatário.

Por outro lado, sendo certo que o contrato dos autos enquadra especificamente uma das hipóteses prevenidas na alínea f) do supra mencionado normativo, maxime a que prevê a sujeição do contrato a aspectos específicos do direito administrativo, nomeadamente a sua regulação substantiva no que tange ao apuramento da renda devida, precisamente o aporema suscitado pelo Autor na sua Petição Inicial.

Não nos podemos esquecer que o contrato de arrendamento em causa tem o regime de renda submetido ao DL 166/93, de 7 de Maio, diploma este que integra normas de direito público, pelo que, os contratos de arrendamento sujeitos ao regime que daqui decorre, «perdem» a sua natureza privatística, sendo as questões que deles emerjam, dirimidas no âmbito da jurisdição administrativa, por serem da sua exclusiva competência, aliás na esteira da jurisprudência firme, deste Tribunal de Conflitos, cfr inter alia os Ac de 30 de Maio de 2013 (Relator Madeira dos Santos), de 4 de Junho de 2013 (Relator Rosendo Dias José), de 4 de Junho de 2013 (Relator Fonseca Ramos), de 20 de Junho de 2013 (Relator Arménio Sottomayor) e de 11 de Dezembro de 2013 (Relator Costa Reis), in www.dgsi.pt.

O argumentário que acabamos de expender, constitui o quantum satis para a decisão proferenda no sentido de a competência no caso sujeito ser deferida à jurisdição administrativa, o que se conclui.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2014. - Ana Paula Lopes Martins Boularot (relatora) - António Políbio Ferreira Henriques - António Leones Dantas - Maria Fernanda dos Santos Maçãs - José Fernando de Salazar Casanova Abrantes - António Bento São Pedro.