Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06/20
Data do Acordão:05/19/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
COMPANHIA DE SEGUROS
TRIBUNAIS JUDICIAIS
Sumário:Incumbe aos tribunais judiciais o julgamento de uma acção intentada contra a seguradora que tem com o Autor uma relação que nasce do contrato de seguro celebrado entre ambos e que é, portanto, de direito privado, sendo certo que entre as duas entidades demandadas, concessionária e seguradora, não existe qualquer relação jurídica contratual.
Nº Convencional:JSTA000P27740
Nº do Documento:SAC2021051906
Data de Entrada:03/19/2020
Recorrente:O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA - JUÍZO LOCAL CÍVEL DE FAFE E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
AUTOR: A..............
RÉU: B.............. SEGUROS E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 6/20

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A…………., identificado nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Fafe, acção declarativa sob a forma de processo comum contra Ascendi Norte, Auto-Estradas do Norte, SA e B………. Seguros, SA, pedindo que sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe a importância de €8.600,00, a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da paralisação do veículo e em sanção pecuniária compulsória nos termos do nº 4 do art. 829º do Código Civil (CC). Pede, ainda, a condenação da Ré Ascendi no pagamento de €1.105,23, referente a reembolso da franquia paga e de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Em síntese, alega que quando circulava na auto-estrada A7, no sentido Fafe-Arco de Baúlhe, o veículo por si conduzido sofreu um acidente ao colidir com dois javalis que inesperadamente atravessaram a faixa de rodagem, causando fortes danos no mesmo veículo. Imputa a ocorrência do acidente à omissão do dever de conservação e vigilância por parte de Ascendi Norte, Auto-Estradas do Norte, SA que é concessionária da auto-estrada A7.
…………….. Seguros, SA é uma empresa de seguros com a qual o A celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel referente ao veículo em causa, com cobertura de danos próprios.
Em 18.10.2017, o Juízo Local Cível de Fafe julgou-se a incompetente em razão da matéria para apreciação da acção intentada (fls. 75 a 77).
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga), para o qual foram os autos remetidos, foi admitida a intervenção acessória da seguradora C…………….., Limited – Sucursal em Portugal, a requerimento da Ré Ascendi.
Em 10.10.2019, no TAF de Braga foi proferido o Despacho Saneador de fls. 120 a 123 que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência material relativamente ao pedido formulado contra a Ré B……….., SA, absolvendo-a da instância.
Tendo constatado a ocorrência do conflito negativo de jurisdição, o Procurador da República junto do TAF de Braga requereu a remessa dos autos a este Tribunal dos Conflitos para a resolução do conflito, tendo sido proferido despacho determinando a remessa dos autos à Exma Presidente do STA, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 3º, al. a), 9º e 10º da Lei nº 91/2019.
Neste Tribunal, as partes, notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 11.º. da Lei n.º 91/2019, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da incompetência material do TAF de Braga para apreciar a acção proposta contra B…………….. Seguros, SA.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.


3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Cível de Fafe e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Entendeu o Juízo Local Cível de Fafe, apoiando-se na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, que a eventual responsabilização por actos e omissões decorrentes da actividade desenvolvida pela Ré Ascendi, na qualidade de concessionária da auto-estrada, se insere no âmbito de aplicação do art. 1º, nº 5 da Lei 67/2007 e, consequentemente serão competentes os tribunais administrativos para conhecer do pedido de indeminização, nos termos do artigo 4.º do ETAF.
Remetido o processo ao TAF de Braga este, por sua vez, considerou-se incompetente em razão da matéria, para apreciar o pedido formulado contra a seguradora B………… Seguros, SA. Fundamentando-se na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos que citou, concluiu que no caso não cabia aplicar o nº 2 do art. 4º do ETAF. Os termos da acção prosseguiram só contra a Ré Ascendi, Auto-Estradas do Norte, SA.

Cumpre decidir.
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» (artigos 211.º, n.º1, da CRP; 64.º do CPC e 40.º, n.º1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 - LOSJ), e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF).
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art.º 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o A configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.
Como já se referiu, o A propôs a acção pedindo a condenação solidária da Ascendi, Auto-Estradas do Norte, SA e da B………….. Seguros, SA no pagamento de quantia a título de danos patrimoniais e em sanção pecuniária compulsória nos termos do nº 4 do artigo 829º do CC.
Sobre a matéria de responsabilidade civil de um concessionário por incumprimento dos deveres resultantes do contrato de concessão, nomeadamente o dever de assegurar em boas condições de segurança e comodidade a circulação nas auto-estradas, a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos tem afirmado de forma pacífica que ela se insere no âmbito de aplicação do art 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007 e a sua apreciação compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal nos termos do art. 4º, nº 1, al. h) do
ETAF (cfr. Acórdãos de 30.05.2013, Proc. 49/14 e de 23.11.2017, Proc. 10/17 e demais jurisprudência aí citada).
O TAF de Braga considerou-se competente para apreciar a acção contra a Ré Ascendi, que prosseguiu termos.
Mas aquele Tribunal julgou verificada a excepção de incompetência material quanto ao pedido formulado contra a B…………… Seguros, SA.
Ora, esta é uma empresa com a qual o A celebrou um contrato de seguros do ramo automóvel, referente ao veículo automóvel que sofreu o acidente, com cobertura de danos próprios, designadamente os emergentes de choque, colisão e capotamento.
A competência da jurisdição administrativa prevista no nº 2 do art. 4º do ETAF pressupõe litígios “nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligadas por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade”.
A competência emergente desta norma tem como pressuposto as situações de responsabilidade solidária entre entidades públicas e privadas pela reparação de danos para cuja produção tenham conjuntamente contribuído, ou que tenham assumido contratualmente a obrigação de reparação desses danos.
No caso presente não se vê em que medida a Ascendi, Auto-Estradas do Norte e a empresa de seguros B…………. estejam ligadas por vínculos jurídicos de solidariedade entre si.
Com efeito, a seguradora tem com o A. uma relação que nasce do contrato de seguro celebrado entre ambos e que é, portanto, de direito privado. Entre as duas entidades, concessionária e seguradora, não existe qualquer relação jurídica contratual. E o A. não apontou qualquer intervenção da seguradora na alegada falta de dever de vigilância da concessionária que estará na origem do acidente. Em suma, não se vislumbra em que medida concorreram em conjunto para a produção dos mesmos danos.
Aliás, o TAF de Braga funda a sua decisão nos Acórdãos deste Tribunal dos Conflitos, nos processos em que têm sido demandados solidariamente, o BES, o Novo Banco, o Fundo de Resolução, a CMVM e o Banco de Portugal e em que tem sido uniformemente decidido como no Ac. de 19.06.2019, Proc. nº 20/19, que é repartida a competência entre os Tribunais Judiciais e a jurisdição administrativa para o julgamento de tais acções.
E, como tem sido afirmado por este Tribunal dos Conflitos “Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário demonstrar os factos de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária” (cfr. Ac. de 22.03.2018, Proc. 56/17).

Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais da jurisdição comum para conhecer do objecto da presente acção proposta contra B………….. Seguros, SA.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que a adjunta, Senhora Vice-Presidente do STJ, Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza tem voto de conformidade.

Lisboa, 19 de Maio de 2021
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa