Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:064/17
Data do Acordão:06/07/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CONTRATO DE SUBEMPREITADA
Sumário:Compete aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos dirimir os litígios emergentes de um contrato de subempreitada celebrado, na execução de uma empreitada de obra pública, entre o empreiteiro originário e um terceiro.
Nº Convencional:JSTA000P23395
Nº do Documento:SAC20180607064
Data de Entrada:10/25/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO, JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COMARCA DO PORTO, JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO, UNIDADE ORGÂNICA 1.
AUTORES: A....., SA E OUTROS
RÉUS: B............, LDA E OUTRO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: TRIBUNAL DE CONFLITOS
Acordam no Tribunal de Conflitos


1. Relatório

1.1. A………………… S.A. apresentou um requerimento de injunção pedindo a B…………………. LDA o pagamento da quantia de € 28.439,35, invocando a prestação de serviços não pagos.

1.2. B………………., LDA deduziu “oposição/contestação” pedindo que a injunção fosse julgada improcedente; que a autora fosse condenada a pagar-lhe as despesas decorrentes deste processo e como litigante de má-fé.

1.3. O processo de injunção é enviado para a Secretaria do Tribunal Judicial do Porto para distribuição. Neste Tribunal, em 15-5-2017 foi proferido despacho, ordenando a notificação da contestação apresentada, “com vista a uma eventual decisão de mérito, nos termos do art. 3º, n.º 1, DL 269/98, de 1/9”.

1.4. O autor respondeu às excepções suscitadas na contestação.

1.5. Em 20-6-2017 foi proferido despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória da incompetência do tribunal judicial - por se entender ser competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

1.6. Através de requerimento apresentado em 30-6-2017, a autora veio requerer a remessa dos autos para o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto.

1.7. O processo foi remetido ao TAF do Porto e, em 12 de Setembro, é proferido um despacho ordenando a notificação das partes para se pronunciarem querendo sobre a questão da competência “(…) uma vez que, opostamente ao que foi entendimento do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, é o tribunal comum o competente para julgar a acção(…)”.

1.8. A autora pronunciou-se no sentido da incompetência do TAF, porquanto a relação obrigacional em litígio se encontra sujeita a normas de direito privado.

1.9. Por decisão, proferida em 19 de Outubro de 2017, o TAF do Porto declarou-se incompetente e suscitou a resolução do conflito negativo de jurisdição.

1.10. Neste Tribunal de Conflitos o Ex.mo Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser atribuída competência aos tribunais judiciais.

1.11. Foram ouvidas as partes sobre a questão da competência. A autora pronunciou-se no sentido da competência pertencer aos tribunais judiciais e a ré no sentido da competência caber aos tribunais administrativos.

1.12. Ambas as decisões que declinaram a competência já transitaram em julgado.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais relevantes para a resolução do conflito de jurisdição são os seguintes:

a) O Tribunal Judicial da Comarca do Porto julgou-se incompetente em razão da matéria, além do mais, com a seguinte argumentação:

“(…)

Face ao teor dos articulados, verifica-se que a matéria em discussão nos autos é da competência dos Tribunais Administrativos, aliás como se pode verificar pela leitura do art. 144º da Lei 62/2013, de 26/08, vulgo LOSJ. Sobre este assunto, preceitua o art. 4º, al. e) do ETAF, o seguinte: “artigo 4º. Âmbito da jurisdição. 1. Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: a) validade de atos pré-contratuais e interpretação e validade de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.” Neste sentido, veja-se ainda o douto acórdão proferido pelo STJ, com o qual se concorda inteiramente, n.º 08B2779, datado de 4-12-2008 www.dgsi.pt onde se extrai que sendo o contrato de subempreitada, ainda que celebrado entre entidades privadas, referente a obra pública, é competente a jurisdição administrativa. Deste modo e sem necessidade de mais considerações, conclui-se que o tribunal competente para decidir a presente causa é o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (cfr. o já referido art. 144 da LOSJ”.

b) O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou-se igualmente competente, além do mais, com a seguinte argumentação:

“(…)

Como vimos nestes autos a A. pede a condenação da R. no pagamento de determinada quantia proveniente de serviços que lhes prestou no âmbito de um contrato de subempreitada. As partes nos autos são pessoas colectivas (sociedades) de direito privado, não se tratam de pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes – designadamente o dono da obra com quem a R. celebrou um contrato de prestação de serviços, esse sim, o único submetido a um procedimento pré - contratual de índole pública e às regras da contratação pública. Ademais, verifica-se que o subcontrato de prestação de serviços celebrado entre uma empresa de arquitectura, a quem foi entregue uma prestação de serviços relativa a um projecto de construção de um centro hospitalar, e outra sua congénere projectista, não é um contrato administrativo ou celebrado “nos termos da legislação sobre contratação pública” mantendo-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram e não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial. Assim discute-se nos autos uma relação obrigacional subjacente a normas de direito privado. A esta luz e delimitada a forma concreta os termos da acção bem se vê que não estamos perante um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, mas verdadeiramente perante uma questão de natureza privada.

(…)”.

c) Ambas as decisões transitaram em julgado.

d) A relação contratual estabelecida entre as partes teve por base a apresentação de uma proposta de serviços datada de 13 de Janeiro de 2015, apresentada pela empresa B…………….. à A…………… SA, junta a fls. 149 e seguinte e aqui dada como reproduzida – facto alegado e não impugnado;

e) Não chegou a ser celebrado um contrato de prestação de serviços na medida em que a adjudicação da proposta apresentada ocorreu via “e-mail” – facto alegado e não impugnado.

2.2. Matéria de Direito

A questão a decidir é a de saber qual a jurisdição competente para julgamento de um litígio que emerge do alegado incumprimento de um contrato celebrado entre a autora e a ré.

A pretensão da autora pode resumir-se nos seguintes termos:

O Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho abriu um Concurso Público com vista à elaboração e implementação de novas instalações. À ré foi adjudicada a elaboração do projecto de arquitectura e respectivas especialidades do referido Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho.

Sucede que, tendo em conta a complexidade e dimensão do projecto, a ré, deparou-se com falta de recursos para, em tempo útil, conseguir executar os trabalhos que lhe foram adjudicados.

Motivo porque recorreu à contratação dos serviços da autora.

Daí que a autora tenha sido subcontratada pela ré para desenvolvimento dos projectos de especialidades (electricidade, gases medicinais, hidráulica e sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado). A autora alega ter efectuado esses serviços e que a ré os não pagou.

O litígio emerge assim, da execução do contrato celebrado entre autora e ré com vista à execução de trabalhos que tinham sido adjudicados à ré.

O Tribunal Judicial entendeu que a circunstância do contrato celebrado entre a ré e o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho ser um contrato de direito público, o tribunal competente para dirimir o litígio entre as partes de um contrato de subempreitada, era o Tribunal Administrativo.

O Tribunal Administrativo entendeu que a natureza pública do contrato celebrado entre a entidade adjudicante (entidade pública) e a ré não se transmitia aos contratos que, nesse âmbito, sejam celebrados entre o adjudicatário e outras entidades de direito privado.

A injunção deu entrada no dia 25-1-2017, estando já em vigor o ETAF com a redacção introduzida pelo Dec. Lei 214-G/2015, de 2 de Outubro – cfr. art. 15º.

Nos termos do art. 4º, n.º 1, e) do ETAF atribui à jurisdição administrativa e fiscal o julgamento de litígios que tenham por objecto a “validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes”.

Em matéria de contratos a delimitação da competência dos tribunais administrativos consta actualmente da alínea e) “suprimindo-se, assim, aquilo que era o regime que se desenvolvia ao longo das alíneas b), e) e f) do n.º 1 do art. 4º do ETAF/04” – CARLA AMADO GOMES, e outros, Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF, 2016, edição da AAFDL. Neste quadro, dizem os autores citados, “faz-se apelo não apenas ao critério do contrato administrativo, mas também, ainda, dum outro critério que é o da submissão do contrato às regras da contratação pública”.

AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao CPTA, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. referem que relativamente aos litígios emergentes de contratos, a competência dos tribunais administrativos compreende dois grupos:

a) Os contratos administrativos, cujas relações jurídicas emergentes são submetidas a um regime substantivo de direito administrativo, onde incluem: (i) os contratos que a própria lei directamente submete a um regime substantivo de direito público: (ii) contratos administrativos previstos no Titulo II, Parte III do Código dos Contratos Públicos; (iii) demais contratos administrativos previstos em legislação avulsa; (iv) contratos qualificados como administrativos pelo CCP; (v) contratos atípicos com objecto passível de acto administrativo;

b) Contratos que, independentemente da sua designação e natureza, são celebrados pelas entidades adjudicantes a que se refere o CCP e cujo procedimento de formação está sujeito a um regime de direito público.

O art. 280º do CCP, por seu turno, diz-nos o seguinte:

“(…)

1 - A parte iii aplica-se aos contratos sujeitos à parte ii que configurem relações jurídicas contratuais administrativas, entendidas, para efeitos do presente Código e sem prejuízo do disposto em lei especial, como o acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, em que pelo menos uma das partes seja um contraente público e que se integre em qualquer uma das seguintes categorias:

a) Contratos que, por força do presente Código, da lei ou da vontade das partes, sejam qualificados como contratos administrativos ou submetidos a um regime substantivo de direito público;

b) Contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos;

c) Contratos que confiram ao cocontratante direitos especiais sobre coisas públicas ou o exercício de funções dos órgãos do contraente público;

d) Contratos que a lei submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento de formação regulado por normas de direito público e em que a prestação do cocontratante possa condicionar ou substituir, de forma relevante, a realização das atribuições do contraente público.

(…)”

A relação jurídica contratual em causa nestes autos não tem como parte um contraente público – o que afasta, desde logo e só por esse motivo, a aplicação do regime previsto no art. 280º do CCP. Contraentes públicos, para este efeito, isto é para aplicação do regime da contratação pública prevista no CCP, são as entidades referidas no art. 3º do CCP onde apenas cabem entidades privadas no exercício de funções materialmente administrativas (art. 3º, n.º 3 do CCP).

Não sendo parte no contrato uma entidade que possa ser qualificada como “contraente pública” não lhe é aplicável o regime substantivo da contratação pública previsto no Parte III, Título II do CCP.

Não existe lei especial a atribuir à relação jurídica em causa um regime de direito público, nem a qualificar o contrato como administrativo.

A lei não impunha e as partes não optaram por um regime pré - contratual de direito público.

O contrato não tem objecto passível de acto administrativo, desde logo, porque nenhum dos contraentes tem atribuições para prática de actos dessa natureza.

Deste modo, não existe qualquer elemento que permita qualificar o contrato em causa como um contrato sujeito a regras de direito público e consequentemente, no âmbito da jurisdição administrativa.

Por outro lado, embora no âmbito da anterior legislação (antes do CCP), existe um entendimento uniforme deste Tribunal de Conflitos no sentido de que “(…) a relação jurídica resultante do contrato de subempreitada mantém-se no domínio do direito privado entre as partes que o celebraram, não lhe sendo transmitida a natureza administrativa do contrato matricial.”

Como se sublinhou no Acórdão de 19-12-2010, proferido no Conflito 020/10: “Esta, de resto, tem sido a jurisprudência unânime deste Tribunal - vd. Acórdãos de 6/10/99, (proc. n.º 44905), de 29/03/2001 (proc. n.° 366), de 18/09/2007 (proc. 4/07), de 19/11/09 (proc. 18/09) e de 17/06/2010 (proc. 29/09).”

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na decisão do Tribunal Judicial (acórdão de 4-12-2008, proferido no processo 08B2779), foi proferido numa acção dirigida também contra uma entidade pública (O Município de Setúbal). Este aspecto foi, de resto, determinante na atribuição da competência aos tribunais administrativos:

“ (…) o Município - diz o acórdão - é accionado por causa de garantir, nos termos da norma invocada pela A. (artº 267º) o cumprimento da subempreitada de obra pública, sendo matéria do âmbito do direito administrativo, por se tratar “de contrato especificamente a respeito do qual existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo” – artº 4º, al. f) do E.T.A.F.

(…)

Por isso, sendo o objecto da acção o conhecimento de uma questão, que embora, relativamente à ré, mostre ser de mero direito privado, já o mesmo se não passa relativamente ao Réu Município, pelos atrás referidos fundamentos.

(…)”.

Ou seja, o acórdão invocado não é transponível para o presente caso, onde a entidade pública (dono da obra) não é parte no processo, nem está em desconformidade com o entendimento deste Tribunal de Conflitos.

3. Decisão

Face ao exposto, os Juízes do Tribunal de Conflitos acordam em atribuir a competência para julgamento do presente processo ao Tribunal Judicial.

Sem custas.

Lisboa, 7 de junho de 2018. – António Bento São Pedro (relator) – Maria de Fátima Morais Gomes – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Rosa Maria Mendes Cardoso Ribeiro Coelho – Jorge Artur Madeira dos Santos – Graça Maria Lima de Figueiredo Amaral.