Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:05/17
Data do Acordão:06/01/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MANSO RAINHO
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
APLICAÇÃO DA LEI NOVA.
Sumário:I - Após as alterações introduzidas ao ETAF pelo D.L. 214-G/2015 a jurisdição administrativa é a competente para conhecer da impugnação de decisões que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
II - Porém, se a impugnação judicial foi apresentada antes daquela alteração a competência continua a ser da jurisdição comum. (*)
Nº Convencional:JSTA00070217
Nº do Documento:SAC2017060105
Data de Entrada:02/01/2017
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VIANA DO CASTELO, JUIZ LOCAL CRIMINAL DE VIANA DO CASTELO, JUIZ 1 E O TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:SENT JUIZO LOCAL CRIMINAL TJ VIANA DO CASTELO - TAF BRAGA.
Decisão:ATRIBUIÇÃO COMPETÊNCIA JURISDIÇÃO COMUM.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:CPC13 ART109 ART110.
ETAF15 ART4 N1 L ART5.
LOSJ (L 62/2013) ART38 ART40.
DL 433/82 ART61.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC031/2016 DE 2017/03/30.
Aditamento:
Texto Integral: Conflito Negativo de Jurisdição

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Acordam em conferência no Tribunal dos Conflitos

I - RELATÓRIO

Por factos - execução de um muro confinante com a via pública sem licença municipal, em violação do disposto na alínea a) do n° 1 e no n° 2 do art. 98° do Regime jurídico da Urbanização e da Edificação, aprosado pelo DL n° 555/99 - ocorridos em 2011, veio a Câmara Municipal de Viana do Castelo (mais propriamente, um vereador no uso de competência subdelegada pelo presidente da Câmara) a aplicar à arguida A………….. a coima de €500,00 (decisão de 30 de dezembro de 2015).

Inconformada, apresentou a arguida impugnação judicial, nos termos do art. 59° do DL n° 433/82.

Remetidos os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, e neste tribunal feitos apresentar em 5 de julho de 2016, veio a ser decidido (Comarca de Viana do Castelo, Instância Local, Secção Criminal, J1) que o tribunal carecia de competência material para apreciar a impugnação, por isso que, face à alteração introduzida pelo DL nº 214-G/2015 sob a alínea l) do nº 1 do art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal competência cabia aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. A decisão, proferida em 30 de setembro de 2016, transitou em julgado.

Remetidos os autos para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, decidiu-se ali que a competência se fixara no momento da entrada em juízo da impugnação judicial apresentada, e nesse momento a competência para a apreciação da impugnação estava legalmente deferida aos tribunais judiciais, na certeza de que só posteriormente entrou em vigor a indicada alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Em consequência, julgou-se materialmente incompetente o tribunal. A decisão, proferida em 22 de novembro de 2016, transitou também em julgado.

Criado assim um conflito negativo de jurisdição, vem a respetiva resolução oficiosamente suscitada perante o Tribunal dos Conflitos.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência não cabe aos tribunais administrativos.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Plano Factual

Dão-se aqui reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima expostas.

Plano Jurídico-conclusivo

Não suscita dúvidas que estamos perante um conflito de jurisdição, pois que enquadrável na previsão do nº 1 do art. 109º do CPCivil. Da mesma forma que não suscita dúvidas que o conflito deve ser resolvido por este tribunal (nº 1 do art. 110º). Ainda, não suscita dúvidas que estamos perante uma impugnação judicial de decisão da Administração Pública que aplicou uma coima no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.

Estabelece o art. 4°, n° 1, alínea l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a “impugnações judicias de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”. Tal norma foi introduzida pelo art. 4º do DL n° 214-G/2015, de 2 de outubro, e entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2016 (v. art. 15° desse diploma).

Nos termos do art. 38° da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013) a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente (a não ser nos casos especialmente previstos na lei), da mesma forma que são irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa. No mesmo sentido vai o art. 5° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao estabelecer que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.

Ora, no caso vertente a introdução em juízo do feito a julgar ocorreu no dia 5 de julho de 2016, momento em que a competência para a respetiva apreciação estava indiscutivelmente atribuída à jurisdição judicial e não à jurisdição administrativa e fiscal (v. a propósito os art.s 202º, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, 40°, n° 1 da lei n° 62/2013 [Lei da Organização do Sistema Judiciário] e 61º do DL n° 433/82 [Ilícito da Mera Ordenação Social]). Donde, radicou-se definitivamente naquela primeira jurisdição a competência para o julgamento da impugnação, sendo irrelevante a modificação de direito feita operar posteriormente pela lei (com efeitos a partir de 1 de setembro de 2016), na certeza de que nem é caso do tribunal competente ter sido suprimido nem é caso do feito a julgar ter sido inicialmente apresentado junto de tribunal incompetente e que passou depois a ter competência.

Consequentemente, a competência em discussão no caso vertente cabe aos tribunais da ordem judicial e não aos da ordem administrativa e fiscal.

Adite-se que em espécie em que se discutia questão idêntica (no essencial) à se discute na presente, se decidiu recentemente neste Tribunal dos Conflitos (acórdão de 30 de março de 2017, proferido no processo n° 31/2016, relator Manuel Augusto de Matos) que a competência recaía sobre o tribunal judicial.

Entretanto, já subsequentemente à criação do presente conflito afirmou nos autos (fls. 127) o digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal judicial que se declarou incompetente que do art. 61º do CPCivil resultava que a competência cabia necessariamente à jurisdição administrativa e fiscal.

Mas é claro que não é assim.

É verdade que tal norma prescreve que quando ocorra alteração da lei reguladora da competência considerada relevante quanto aos processos pendentes, o juiz ordena oficiosamente a sua remessa para o tribunal que a nova lei considere competente. Simplesmente, essa norma tem que ser devidamente conjugada com o supra citado art. 38° da Lei de Organização do Sistema Judiciário, de sorte que se aplica apenas àquelas situações de exceção em que esta última norma confere relevância às alterações (de facto ou de direito) fixadas na nova lei reguladora da competência. Não é, porém, o que se passa no caso vertente.

III – DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste tribunal dos Conflitos em resolver o presente conflito nos seguintes termos: é competente para conhecer da impugnação em causa o tribunal judicial (J1 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca de Viana do Castelo).

Regime de custas:

Não há lugar a custas.


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Lisboa, 1 de junho de 2017. – José Inácio Manso Rainho (relator) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa - Manuel Pereira Augusto de Matos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Maria da Graça Machado Trigo Franco Frazão - José Augusto Araújo Veloso.