Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:018/19
Data do Acordão:06/25/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:RICARDO COSTA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Sendo objecto do processo, delimitado pelo pedido e causa de pedir constantes da petição inicial, a responsabilidade civil decorrente de incumprimento de contrato de intermediação financeira pela «Banco A……, S.A.», cujas obrigações e responsabilidades se transferiram para a «B………., S.A.» de acordo com o âmbito (inclusivo e excludente) determinado pela “medida de resolução” do Banco de Portugal, definida e executada por deliberações do respectivo Conselho de Administração, ao abrigo do regime pertinente do RGICSF, o julgamento da acção é da competência material dos tribunais judiciais comuns.
Nº Convencional:JSTA000P26093
Nº do Documento:SAC20200625018
Data de Entrada:03/15/2019
Recorrente:C………… E MULHER D…………., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE SANTARÉM - SANTARÉM - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL — J5 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 18/19
TRIBUNAL RECORRIDO: Relação de Évora, 1.ª Secção Cível
RECORRENTES: C………… e D…………..
CONFLITO DE JURISDIÇÃO: Comarca de Santarém, Instância Central, Secção Cível – J5 vs Tribunais Administrativos e Fiscais

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal de Conflitos

I. RELATÓRIO
1. O presente conflito de competências tem na sua origem uma acção declarativa sob a forma de processo comum, intentada por C….... e cônjuge D………., contra a «B……., S.A.».

Os Autores formularam o pedido de condenação da Ré à restituição do capital correspondente à quantia de € 185.000,00, acrescida do valor correspondente à taxa remuneratória garantida de € 20.202,00 à data do vencimento (24/8/2014), além dos juros de mora à taxa de 4%, desde essa data de vencimento e até integral reembolso. Para tanto, alegaram, em síntese, que tinham investido num “produto financeiro” apresentado pela «Banco A……….., S.A.» como sendo sem risco, com garantia de capital e de remuneração, superior à dos depósitos a prazo, e que no termo do prazo previsto, após transferência para a R., não lhes foi reembolsado por esta o montante aplicado acrescido da remuneração, invocando que haviam adquirido acções, o que de todo ignoravam, sentindo-se enganados. Fundaram a sua pretensão no regime da responsabilidade civil contratual (cfr. fls. 1 e ss).
2. A acção foi contestada pela Ré: invocou a sua ilegitimidade (por não se haver transferida as obrigações e a concomitante responsabilidade da «Banco A………, SA» por mor das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3/8 e 11/8 de 2014, nos termos do art. 145º-G do RGICSF, nas quais se determinara, em particular, a “transferência para o B………., SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco A………., SA”), a ineptidão da petição inicial e, por impugnação, sustentaram que os Autores sempre procuraram investir em produtos cujas mais-valias não tivessem de ser reportadas às autoridades alemãs, onde tinham residência, como as acções, tendo realizado diversas operações de compra e venda destes valores mobiliários, pelo que sabiam perfeitamente que as estavam a adquirir, até porque proporcionavam um rendimento líquido muito superior a um depósito a prazo. Pediu-se a nulidade de todo o processo e, subsidiariamente, a procedência da excepção de ilegitimidade e consequente absolvição da instância e a absolvição da Ré do pedido formulado nos autos (cfr. fls. 29 e ss).
3. Foi realizada audiência prévia em 13/10/2015, em que foram indeferidas as invocadas ineptidão da petição inicial e ilegitimidade, fixados o valor da causa e o objecto do litígio, assim como enunciados os temas da prova, sem reclamação (cfr. fls. 248 e ss).
4. A Ré veio suscitar nos autos a junção de duas Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovadas em 29/12/2015 (identificadas com os temas “Contingências” e “Perímetro”), por se considerarem determinantes para clarificar que as responsabilidades (por serem “contingentes” e “litigiosas”) imputadas à A………. S.A. não foram transferidas para a B……….. S.A., devendo, por isso, serem tomadas em consideração na decisão de mérito para o fim de se julgar a ilegitimidade substantiva da Ré (cfr. fls. 273 e ss). Ulteriormente e na sequência, a mesma Ré veio requerer que a «Banco A…………, S.A.» fosse investida na posição processual da Ré, prosseguindo os autos exclusivamente contra a «A………, S.A.» (fls. 302-303). Os Autores opuseram-se à admissão de tais documentos/deliberações. Por despacho de 11/2/2016, a junção foi admitida e a chamada ao processo da «A……….., S.A.» foi indeferida (fls. 306-307).
Não se conformando, veio novamente a Ré aos autos, apoiando-se nessas duas Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, a fim de solicitar o conhecimento oficioso da “excepção peremptória decorrente da (alegada) exclusão da responsabilidade do B……….. pela Medida da Resolução – com a redacção e clarificações que lhe foram conferidas pelas Deliberações do BdP de 29 de Dezembro de 2015 –, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 576º, n.º 3, do CPC, julgando-a verificada e, em consequência, deve o B………. ser absolvido, in totum, do pedido” (fls. 310 e ss). O requerido foi indeferido e entendeu-se, no despacho proferido a fls. 316, de 18/2/2016, realizar a audiência final.
5. Foi realizada a audiência final de julgamento.
Depois, ordenou-se a reabertura da audiência para exercício do contraditório quanto à eventual inconstitucionalidade da exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 3/8/2014, do artigo 145º-H, 5, do RJICSF, na interpretação referida, e das deliberações do Banco de Portugal de 11/08/2014 e 29/12/2015. Os AA. pugnaram pela inconstitucionalidade das referidas Deliberações. A Ré pronunciou-se pela não verificação de qualquer inconstitucionalidade e reiterou que a acção deveria ser julgada improcedente, com a absolvição do pedido contra si formulado.
6. Foi proferida sentença, em 7/7/2016, pelo Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Central, Secção Cível – J5, em que se decidiu julgar a acção procedente na íntegra, com o seguinte dispositivo:
“Recusar a aplicação:
— da exclusão prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03-08-2014 por directamente inconstitucional na interpretação de que aí se integram – ou seja, ficam excluídos da transmissão para a B……..., S.A. – as obrigações (passivo) da A…….., S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo A………..) propostos pela instituição financeira A………., S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, por inconstitucional, pela violação grave de garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança;
— da norma contida no pretérito artigo 145.º-H, n.º 5, do RGICSF na interpretação de que podem ser objecto da transferência aí prevista as obrigações (passivo) da A……….., S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo A……….) propostos pela instituição financeira A………., S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, por inconstitucional, pela violação grave das garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da protecção da confiança;
— das deliberações posteriores a 03-08-2014 por ilegais, em virtude de terem estribado na interpretação inconstitucional da norma contida no pretérito artigo 145.º-H, n.º 5, do RGICSF, acima referida, e por serem directamente inconstitucionais, na interpretação de que podem ser objecto das mesmas as obrigações (passivo) da A……….., S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), em que se tenha demonstrado não só o desconhecimento pelos mesmos do risco dos produtos de investimento que subscreveram (aquisição de acções de empresas que detinham obrigações do Grupo A……..) propostos pela instituição financeira A……., S.A., como o compromisso assumido por esta perante aqueles de entrega do capital acrescido de uma determinada valorização numa concreta data futura, pela violação grave das garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da protecção da confiança e, bem assim, a deliberação de 29-12-2015 – denominada “Contingências” – pela grosseira violação do princípio da separação de poderes;
— Julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, condenar a B………., S.A. a pagar a C………. e mulher D………….. a quantia de € 205.202,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 24-08-2014 até integral pagamento”.
7. Inconformados com esta decisão, dela foram interpostos recursos para o Tribunal Constitucional (que correu termos sob o n.º 25/17, tramitados na 2.ª Secção) pelo Ministério Público, pelo Banco de Portugal (com intervenção espontânea na lide) e pela Ré. O TC, em 22/6/2017, proferiu decisão sumária em que julgou não tomar conhecimento do objecto dos recursos, uma vez, na sua conclusão, “[e]ncontrando-se a competência do Tribunal Constitucional restringida à apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e verificando-se que não está em causa, no presente processo, um verdadeiro critério normativo” (fls. 374 e ss).
8. Seguidamente, não se resignando, vieram a Ré e o Banco de Portugal interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Évora (TRE). A primeira pugnou pela revogação da sentença recorrida e substituição por acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos formulados, consequência retirada da Medida de Resolução relativamente ao crédito invocado pelos Autores, desde logo, entre outros fundamentos, por o tribunal a quo ter extravasado a sua competência material ao pronunciar-se sobre a validade da Medida de Resolução (cfr. fls. 409-410). O segundo suscitou a questão da incompetência em razão da matéria do tribunal comum (nos termos dos arts. 212º, 3, da CRP e das als. b) e o) do art. 4º, 1, do ETAF) para se pronunciar sobre a validade e a aplicação das Deliberações do Banco de Portugal, enquanto matéria de resolução do A……. e na qualidade de actos administrativos, e caso assim não se entendesse, revogar a sentença recorrida pelos “erros de julgamento” alegados. Os Autores apresentaram contra-alegações, batendo-se pela manutenção integral da sentença recorrida.
Decidindo, em acórdão de 26/4/2018, os Juízes da 1.ª Secção Cível do TRE julgaram procedentes as apelações, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgou procedente a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria, e absolveram a Ré da instância, nos termos e para os efeitos dos arts. 96º, a), 99º, 1, 278º, 1, a), 576º, 2, e 577º, a), do CPC (cfr. fls. 507 e ss).
Para tanto, considerou-se:
“Nos presentes autos, pede-se a condenação do B………. no pagamento relativo ao produto apresentado pela A……., o que implica um juízo sobre (in)validade de actos administrativos do Banco de Portugal e dos efeitos por eles produzidos (ou não) sobre a relação jurídica entre os AA e o A…../B……….”;
“(…) por força da medida de resolução adoptada pelo BdP, a relação jurídica entre os autores e o A……. foi transferida a benefício do B……... – Banco de transição, fruto da operação de resolução bancária operada pelo Banco de Portugal, que é controlado pelo Fundo de Resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças. O Fundo de Resolução (doravante FR), único acionista do B…..[,] é, por essa razão, o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivadas dessa “cessão de créditos”. (…) Tal FR é uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuir atribuições públicas. Não se invoca nem podia invocar na petição inicial qualquer disposição legal em que se fundamente a responsabilidade contratual do FR, pelo que caímos no âmbito da responsabilidade extracontratual. (…) A responsabilidade do FR é fundada em normas de direito administrativo, na sua actividade ou qualidade de sujeito de direito administrativo, não numa eventual actividade ou qualidade de sujeito de direito privado, de direito comercial. (…) A qualidade em que o FR intervém só pode ser aferida com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e o B………., porque foi ao abrigo do art. 145.º-G, n.º 4 e dos artigos 153.º-B a 153.º-U do RGICSF e não de normas de direito comercial, que essa regulação se estabeleceu e é regulada. (…) Donde que, o Fundo de Resolução sendo o accionista único do B………, enquanto pessoa colectiva de direito público, com base em actos de direito administrativo, e normas de direito administrativo, designadamente, os artigos 153º e 154º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal[,] enquadra-se na disciplina de relações jurídicas administrativas[,] cabendo pois aos tribunais administrativos nos termos expostos a competência exclusiva para conhecer dos respectivos litígios. Trata-se pois de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, sujeita por isso ao contencioso administrativo.”;
“Foi para aferir a validade dos actos administrativos do Banco de Portugal e dos efeitos por eles produzidos (ou não) sobre a relação jurídica entre os Autores e o A……./ B…….. e a sua aplicabilidade que a Comarca de Santarém entendeu dever confrontar as normas jurídicas em que os mesmos se baseavam com as normas e os princípios da Constituição.”;
“(…) a questão da validade da Medida de Resolução foi e é questão central nestes autos, pois só com a análise da mesma é possível ao Tribunal a quo imputar ao B…… a responsabilidade alegada pelos AA.”;
“(…) uma coisa é um Tribunal Judicial pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade de normas legais ou regulamentares eventualmente aplicáveis a um feito concreto cujo julgamento seja de sua competência – pronúncia para a qual ele é judicialmente competente –, outra coisa (…) é um Tribunal dessa ordem pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade das referidas normas para as desaplicar num feito concreto cujo julgamento não é da sua competência – pronúncia para a qual ele já não é judicialmente competente.”;
“(…) o Tribunal da Comarca de Santarém é incompetente, nos termos dos citados preceitos do art. 212.º, n.º 3 da Constituição e das alíneas b) e o) do art. 4.º, n.º 1 do ETAF, para conhecer e julgar da validade dos actos administrativos em que se consubstanciam as referidas Deliberações do Banco de Portugal – ainda que com fundamento na eventual inconstitucionalidade das normas ao abrigo das quais as mesmas foram adoptadas –, e para julgar da sua aplicação ou desaplicação ao concreto submetido a julgamento.”
No respectivo Sumário, ponto I., pode verificar-se mais claramente um dado essencial da fundamentação: “O B………… (…) é controlado pelo Fundo de Resolução, em que são únicos intervenientes o BdP e o Ministério das Finanças[,] e tal Fundo [é] que é o responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e pelos prejuízos derivados”.
9. Os Autores interpuseram então recurso de revista para o STJ com o pedido de revogação do acórdão do TRE, substituindo-se por decisão que declarasse o Tribunal Comum de Santarém como materialmente competente para conhecer do pedido formulado na acção. Apresentaram nas suas alegações as seguintes Conclusões:
“A – Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido nestes autos, que julgou procedente as apelações, revogando a decisão recorrida e que entendemos merecer reparo, uma vez que, o Venerando Tribunal da Relação de Évora, deveria ter julgado os recursos totalmente improcedentes, mantendo a decisão da primeira instância proferida pelo Tribunal Judicial de Santarém, porquanto, o que está aqui em causa não é uma questão de resolução de litígios sobre a validade e execução dos contratos e bem assim um ato administrativo ou praticado por pessoa coletiva de direito público, mas sim uma questão de responsabilidade civil do B……….. S.A., que se constituiu na obrigação de indemnizar, face à cessão de créditos operada pelo A………., razão pela qual, é o Tribunal Comum competente para conhecer da ação intentada contra o “B……….. S.A.”;

B – O Tribunal Recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 212.º da CRP, salvo o devido respeito, que é elevadíssimo, contrariando o espírito da lei constitucional, pois que, entende que os tribunais judiciais têm o dever de desaplicar normas inconstitucionais, mas apenas quando estão no seu âmbito de competência material. Isto é, entende que, o Tribunal Judicial até podia recusar-se a aplicar as normas que estão na base das deliberações, mas nunca as deliberações em si porque se tratam de atos administrativos e por isso cometidos à competência do Tribunal Administrativo. Ora, isto esvazia de sentido daquela disposição legal, da lei constitucional, na medida em que, por um lado entende a Relação de Évora, no caso sub judice, e muito bem, que os senhores juízes devem obediência à CRP e devem desaplicar normas inconstitucionais, mas depois pretende restrigir tal imposição aos casos em que se enquadrem dentro daquela competência à luz das normas civis. Ora, tal entendimento viola claramente a hierarquia normativa da ordem jurídica portuguesa e compromete o dever de obediência do julgador à Constituição da Republica Portuguesa. Em suma a interpretação dada ao artigo 212.º da C.R,P. briga de forma chocante com a hierarquia da lei constitucional;

C – A relação material controvertida configurada pelos autores, ora recorrentes, foi precisamente no sentido de demandarem o B……….. S.A., pedindo a condenação deste a reembolsá-los de imediato do capital de montante igual ao capital de 185.000,00€ depositado acrescido do valor correspondente à taxa remuneratória que lhes foi garantida de 20.202,00€ à data de 24/08/2014 e ainda dos juros de mora à taxa e 4%, desde essa data até integral reembolso. Assim, a conclusão que o Tribunal a quo extraiu e na qual, outrossim, fundamentou o seu juízo para determinar a incompetência material do Tribunal, por referência quer à causa de pedir quer ao pedido, é ainda claramente violadora do princípio do dispositivo, enquanto princípio basilar relativo à prossecução processual que faz recair sobre as partes o dever de formularem o pedido e de alegarem os factos que lhe servem de fundamento, devendo, por conseguinte, considerar-se que o Tribunal da Relação de Évora, violou também, com a sua decisão, o princípio do dispositivo, consagrado no art. 5.º do CPC;

D – O ora recorrido, o B…………. S.A., ainda que seja um banco de transição, deve ser considerado para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária para quem foram transferidas as contas dos recorrentes, com tudo o que lhes era inerente, todos os dados pessoais, correspondência, menção enquanto clientes, tudo ope iuris, sem que os recorrentes tivessem oportunidade de manifestar qualquer objecção, pelo que tem este que ser considerado como responsável pelo ressarcimento dos lesados pela actuação do banco originário, o A……….., não sendo aqui de avançar, que tal actuação ou obrigação nasceu no B………. S.A., que não nasceu, existindo o dever de respeito pelo princípio indemnizatório, caso ocorra uma privação de propriedade, a qual teve lugar da esfera jurídica do A……….. e se transmitiu para o B………. S.A.;

E – Ora, tal entendimento viola claramente a hierarquia normativa da ordem jurídica portuguesa e compromete o dever de obediência do julgador à CRP e os princípios do Estado de Direito de respeito pela propriedade privada, pelo tratamento igual entre os cidadãos, o que constitui jus cogens, ex vi arts. 8.º, 13.º, 18.º, 62.º, 101.º da CRP, em violação do direito de propriedade ínsito no art. 62.º da CRP, sendo inconstitucionais as normas invocadas e deliberações invocadas pelo Réu, na interpretação que lhes é emprestada pela decisão de que se recorre, o que se arguiu expressamente e se reitera;

F – Os recorrentes não assacam responsabilidade ao B………. S.A., enquanto incumpridor, de per si, de obrigações contratuais, mas sim enquanto adquirente da posição do A…………, banco privado, face à "cessão de créditos" operada, da intermediação financeira acima descrita. Razão pela qual, não estamos, assim, no âmbito de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas (art. 1.º do ETAF) e decorrentes das mesmas e consequentemente, não tem aqui aplicação o critério disposto no art. 4.º do mesmo corpo de normas (ETAF);

G – "... a violação do compromisso assumido pelo A……….. S.A., não obstante se encontrar conexionada com a decisão do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, é imputável culposamente àquela sociedade bancária, que se autocolocou numa situação de grave desequilíbrio económico-financeiro, sendo que a responsabilidade pelos danos causados se deve considerar transferida para a sociedade bancária B………… S.A. Estamos perante a responsabilidade decorrente de um acto praticado no âmbito da gestão privada, de um contrato de investimento bancário formalizado e neste contexto, simultaneamente e em decorrência desse facto, a subscrição do produto financeiro pelos ora recorrentes, descrito nos autos, em contraposição com a violação desta relação administrativa e decorrente dos mesmos, razão pela qual não tem aqui aplicação o critério disposto no artigo 4º do ETAF e bem assim, não se subsume ao contencioso administrativo;

H – Não estando aqui em causa um juízo de legalidade da competência dos Tribunais administrativos mas sim, conforme decorre do art. 204.º da Constituição da não aplicação, por parte dos tribunais, nos feitos submetidos a julgamento de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Pois que, de todo o modo a ter-se por necessária, não é razoável que se tenha de infligir uma perda quase total, ou pelo menos o comprometer seriamente a satisfação do crédito do consumidor particular que acreditou na instituição financeira, em vista da preservação de algo que depende precisamente, da confiança dos consumidores;

L [I] – Os recorrentes celebraram um contrato de intermediação financeira, tendo-se verificado uma violação do mesmo, sendo certo que a medida de resolução e deliberações do Banco de Portugal mencionadas nos autos não estabeleceram qualquer limitação/contingência quanto à transferência dos depósitos bancários, dos contratos de intermediação, de investimento, das obrigações e responsabilidades, operando-se uma efectiva e total sucessão no que diz respeito às relações contratuais estabelecidas originariamente com o Banco A………. S.A. e o B……….. S.A. e os recorrentes C………. e D…………, tendo ocorrido uma efectiva violação dos ditos contratos e obrigações contratuais, pelo que, se constituiu o recorrido B………. S.A., responsável pela devolução do montante investido pelos recorrentes e, bem assim, pelo pagamento dos juros respectivamente devidos, tal como consta da sentença condenatória proferida pelo Tribunal Comum, que é materialmente competente para desaplicar normas e disposições inconstitucionais, sejam elas quais forem, nos termos do artigo 212.º da Constituição da República Portuguesa;

J – Não estamos, pois, no âmbito de um litígio emergente de relações jurídico-administrativas (art. 1.º do ETAF) e decorrentes das mesmas, pelo que não tem aplicação o critério disposto no art. 4.º do mesmo corpo de normas (ETAF) pois que, a causa de pedir neste processo, tem natureza fundamental no âmbito de uma ação declarativa, na medida em que a mesma delimita o objeto da causa por referência ao pedido e à inciativa processual e a própria conformação do processo;

L – Na verdade, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido relativo à incompetência material do Tribunal Judicial de Santarém, enquanto Tribunal Comum, neste caso de intermediação financeira e respetiva violação dos deveres legalmente estabelecidos, conduz a um vazio de responsabilização no caso dos autos, violando também tal acórdão, o princípio da protecção dos credores consagrado no art. 145.º-D al. c) do RGIF, violando mesmo vários preceitos da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia;

M – Estamos perante a responsabilidade civil de um banco privado, o A………, o qual violou como se provou, no Tribunal de Santarém, os princípios constitucionais da confiança, e da segurança dos consumidores depositantes na banca, responsabilidade civil e obrigação de reembolso do capital depositado que se transmitiu para o B………… S.A.. Daí que, não se possa falar em responsabilidade de uma pessoa coletiva de direito publico, como erradamente é entendido no acórdão ora censurado, mas sim de uma responsabilidade civil de um ente privado, que se transmitiu com o B……….. S.A., sendo este responsável pelas consequências contratuais emergentes do incumprimento daquela obrigações e por devolver o montante dos depósitos e investimentos feitos pelos recorrentes com os respetivos juros, tal como decorria da sentença condenatória da primeira instância, revogada pelo Tribunal da Relação de Évora, pelo que, a responsabilidade que se imputa ao A………, banco privado, transmitiu-se por esta via para a nova entidade constituída, ou seja, para o B……….. S.A., razão pela qual, recebendo esta instituição bancária, tal responsabilidade, na qualidade de adquirente da mesma, é pois, competente o foro do Tribunal Comum;

N – Sendo o direito dos autores ora recorrentes um direito e uma garantia fundamental protegido por preceitos constitucionais vinculativos – artigo 18.º, número 1 da C.R.P;

O – Por tudo o que, deve o recurso improceder e manter-se a condenação do B………. S. A., decidida na sentença recorrida;

Q [P] – Porquanto, a Decisão de que se recorre, violou a sentença o disposto nos artigos 8.º, 13.º, 18.º, 62.º, 101.º, 204.º, e 212.º número 3 da C.R.P., artigo 4.º n.º 1 alíneas e) e f) do ETAF, artigo 64.º do Código de Processo Civil e 145.º-D al. c) do RGIF, artigo 405.º do Cód. Comercial, 799.º, n.º 1, 1185.º, 1186.º e 1187.º do C. Civil.”

Nas contra-alegações, apresentadas pela «B………., S.A.» e pelo Banco de Portugal, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido.
10. A Senhora Juíza Relatora no processo tramitado no STJ proferiu decisão singular (art. 652º, 1, b), CPC), na qual determinou o não conhecimento do objecto do recurso e, ao abrigo do princípio geral do aproveitamento dos actos processuais, a remessa do processo ao Tribunal dos Conflitos, nos termos do disposto pelo art. 101º, 2, do CPC (“Se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal dos Conflitos”).
Desta decisão reclamaram para a Conferência (art. 652º, 3, CPC) a Ré «B……….., S.A.» e o Banco de Portugal, alegando que seria inaplicável ao caso o disposto no art. 101º, 2, do CPC. Em acórdão subsequente, os Juízes da 7.ª Secção do STJ indeferiram a reclamação, confirmando o despacho reclamado tendo em conta que “o objecto recursório está bem delimitado: pede-se expressamente a atribuição da competência ao tribunal comum, tentando, os recorrentes, por esta via, que o STJ profira uma decisão sobre o mérito da causa que lhes seja favorável, assim repristinando o sentenciado pela 1.ª instância. Neste contexto, não se vislumbra como ultrapassar a norma contida no art. 101º, nº 2, do CPC (…)” (cfr. fls. 780 e ss).
O acórdão transitou em julgado em 25/2/2019 (cfr. fls. 787).
11. Remetido o processo ao Tribunal dos Conflitos e constituído o Colectivo de Juízes Conselheiros para intervir (cfr. fls. 794), foi o processo com Vista ao Ministério Público, que, através da Digníssima Senhora Procuradora-Geral Adjunta, formulou e juntou aos autos o respectivo Parecer (cfr. fls. 796 e ss). Nele se conclui que “a pretensão do Autor [em rigor, Autores] contra o A……/B…… assenta numa obrigação de indemnização, essencialmente, de natureza de direito privado, uma vez ter sido este último banco o sucessor nos direitos e obrigações do A……... Na linha desta orientação, a que aderimos, dever-se-á entender que a jurisdição comum será a competente para conhecer da presente ação contra o B………”.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, fixando-se em definitivo qual das jurisdições é a competente para julgar a presente acção.



II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

1. Admissibilidade e objecto do recurso
Atenta a conclusão da Relação de Évora sobre a incompetência material do tribunal judicial que proferiu a sentença em 1.ª instância, julgando que a causa pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, cabe recurso para este Tribunal de Conflitos, nos termos do art. 101º, 2, do CPC, e de acordo com o regime dos arts. 59º a 107º do Decreto 19.243, de 16/1/1931, e 17º do DL 23.185, de 30/10/1933 (tendo em conta a sua aplicação à data da instauração do processo no Tribunal dos Conflitos, vistos os arts. 22º, 1, 23º e 24º da L 91/2019, de 4 de Setembro, que revogou esses diplomas). No caso, admitido pelo máximo aproveitamento do processado, em referência ao recurso de revista interposto pelos Recorrentes e para o efeito convertido.
Vistas as Conclusões dos Recorrentes, está em causa, no presente conflito de jurisdição, saber se a competência para apreciar o litígio em que é Réu a «B……….., S.A.» deve caber aos tribunais judiciais ou aos tribunais administrativos, uma vez que a Relação de Évora julgou incompetente ratione materiae o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém. Para tal efeito será determinante apurar o objecto do processo, atendendo à relação jurídica controvertida submetida a juízo.


2. A factualidade
A factualidade relevante consta do Relatório supra.


3. O direito aplicável

3.1. Como ponto de partida, atentemos que os tribunais judiciais comuns são competentes em razão da matéria para “as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (art. 64º do CPC). O preceito concretiza o comando expresso na previsão do art. 211º, 1, da CRP (“Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.”) e reproduz-se no art. 40º, 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ: L 62/2013, de 26 de Agosto). No caso decidendo, esta competência jurisdicional genérica e residual dos tribunais judiciais seria afastada se a competência para apreciar o tipo de conflito em causa fosse de atribuir à jurisdição administrativa.
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é limitada aos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, de acordo com o previsto pelos arts. 1º, 1, e 4º, 1 e 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF: L 13/2002, de 19 de Fevereiro). Que, por sua vez, correspondem e explicitam a previsão constitucional do art. 212º, 3, da CRP.


3.2. A competência jurisdicional fixa-se no momento em que a acção se propõe (Literalmente, v. os arts. 38º da LOSJ («1 – A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. / 2 – São igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.») e 5º, 1, do ETAF.), de acordo com a natureza substancial da relação jurídica que integra o objecto do litígio (matéria da causa), tal como esta é materialmente configurada pelo autor, o que significa que, no âmbito de irradiação do princípio do dispositivo, deve atender-se aos termos em que se propõe a resolução do litígio, à natureza dos sujeitos processuais e ao pedido e à causa de pedir, tal como delineados unilateralmente na petição inicial (arts. 5º, 1, 552º, d) e), CPC) (V., por todos e pela intocabilidade do proferido, o Ac. do STJ de 12/1/2010, processo n.º 1337/07.3TBABT.E1.S1, Rel. MOREIRA ALVES, in www.dgsi.pt.
Na doutrina, valem ainda as apreciações, então na linha dos Autores italianos, de MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, com a colaboração de Antunes Varela, ed. revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 90-91, seguido por FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil, Volume I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 338.). Assim, com a propositura da acção, o autor formula o pedido e conforma o objecto do processo (Que, em regra, só pode ser alterado ou ampliado nos termos dos arts. 264º e 265º do CPC, sem prejuízo da alteração do pedido em nome da efectividade processual para adequação da instância.), que serve de início e estabilizador da instância e da relação triangular formada pelas partes e pelo juiz/tribunal (V. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito processual civil cit., págs. 78-79.).

3.3. A causa foi conformada como acção de responsabilidade civil (contratual, de acordo com a delimitação dos Autores; contratual e extra-contratual, de acordo com a fundamentação da sentença de 1.ª instância) contra a Ré «B………., S.A.», para o efeito de indemnização dos danos causados pela perda patrimonial resultante do incumprimento pela Ré da subscrição/contratação de “produto financeiro” (investimento em valores mobiliários no âmbito de contrato de “gestão de carteira” (V. arts. 335º e 336º do CVMobiliários e 4º, 1, h), do RGICSF. Na doutrina: PAULO CÂMARA, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, págs. 514 e ss.), que proporcionava a aquisição de acções ao C………. por intermédio e mediante a obrigação da contraparte originária («A………, S.A.») as adquirir numa data futura a um preço pré-fixado (capital investido mais remuneração acordada), tendo como facto a actuação ilícita da Ré que alegadamente não cumprira a sua obrigação de aquisição, por não ter podido assumir a posição compradora em virtude da “medida de resolução” do Banco de Portugal de 3/8/2014. A este enquadramento foi adicionada pela 1.ª instância (v. art. 5º, 3, CPC) a violação do dever de informação da contraparte enquanto intermediário financeiro, exigível de acordo com o aplicável regime do RGICSF.
A decisão do litígio assim configurado pressupõe e implica, no entanto, que se decida da sucessão da «B……….., S.A.», Ré na acção, nos direitos e obrigações originariamente existentes na esfera jurídica da «A……….., S.A.», uma vez que foi com esta pessoa colectiva/instituição de crédito financeira que os Autores celebraram o contrato de intermediação financeira. Com efeito, tal sucessão está dependente da análise e verificação dos efeitos produzidos por mor das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal – “Constituição do B………, S.A.” e “Transferência para o B………., S.A., de ativos, passivos, elementos extra-patrimonais e ativos sob gestão do Banco A…….. SA” –, aprovadas em 3/8/2014 ao abrigo (na redacção então vigente) dos artigos 145º-G, 5, e 145º-H, 1, do RGICSF, em conjugação com os respectivos Anexos 1, 2 e 2A, e, de acordo com os arts. 146º, 1, 145º-G, 1 e 145º-H, 1 e 5 (então em vigor), do RGICSF, em 11/8/2014 “Clarificação e ajustamento do perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco A……….., SA, transferidos para o B…………, SA” –, em conjugação com o respectivo Anexo de consolidação do Anexo 2 à anterior Deliberação de 3/8/2014, tudo em referência à “medida de resolução” (arts. 144º, b), 145º-C, RGICSF) aplicada à «A……….., S.A.». Na verdade, essa “medida” implicou uma transmissão de direitos e uma assunção de dívidas e de responsabilidades impostas pela lei e independentemente de consentimento de terceiro, com exclusões especificadas, e foi definida e executada por tais deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal.
Para além disso, revelou-se pertinente para a decisão da causa ponderar ainda o âmbito de aplicação e eficácia das Deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal, aprovadas em 29/12/2015 – “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”, com Anexo I, e “Transferências, retransmissões e alterações e clarificações ao Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014 (20.00h)”, com Anexo com Texto Consolidado desse Anexo e, como próprios, Anexos 2B, 2C e I.
Porém, sendo relevante essa análise para a decisão de 1.ª instância, o objecto da acção não foi alterado, seja no seu âmbito objectivo de pedido, seja na circunscrição subjectiva das partes, nomeadamente a Ré, em relação ao que se delimitara na pretensão (impulso processual) dos Autores. Aliás, é inquestionável que a legitimidade das partes decorre da natureza do conflito tal como o autor o configura na petição inicial (art. 30º, 3, CPC), independentemente dos sentidos decisórios possíveis. Tal significa que, para o que mais interessa tendo em conta a fundamentação do acórdão recorrido, ao invés do ajuizado pelo ac. recorrido, não é Réu o “Fundo de Resolução”, enquanto sócio único da «B………., S.A.» (V. Estatutos da «B……….., S.A.», art. 4º, Anexo 1 à Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3/8/2019, que determinou a sua constituição (ponto 1.)) e pessoa colectiva de direito público (nessa qualidade e contra ele não formularam os Autores qualquer pretensão), nem se trouxe para a lide qualquer causa de pedir que justificasse a sua intervenção processual (como parte legítima) no sentido de ser demandado e responsabilizado pelos prejuízos decorrentes da transferência de obrigações e responsabilidades operada por força da “medida de resolução” do Banco de Portugal. Nem, por acréscimo, se terá que aferir das relações jurídico-administrativas existentes entre esse Fundo de Resolução e a sociedade «B……….. S.A.». O que exclui a causa de qualquer ponderação de submissão às hipóteses de contencioso administrativo previstas no art. 4º, 1, em esp. als. f) a h), e 2 do ETAF.
Tudo somado, deve asseverar-se que os raciocínios do acórdão recorrido – transcritos no ponto 8. do Relatário; destaque-se a parcela: “Donde que, o Fundo de Resolução sendo o accionista único do B……….., enquanto pessoa colectiva de direito público, com base em actos de direito administrativo, e normas de direito administrativo, designadamente, os artigos 153º e 154º do RGICSF, bem como as deliberações do Banco de Portugal[,] enquadra-se na disciplina de relações jurídicas administrativas[,] cabendo pois aos tribunais administrativos nos termos expostos a competência exclusiva para conhecer dos respectivos litígios. Trata-se pois de uma pessoa colectiva de direito público, criada para prosseguir atribuições públicas, sujeita por isso ao contencioso administrativo.” – extravasam manifestamente o alegado e configurado materialmente pelos Autores no conteúdo da petição inicial e estabilizado na instância: os factos alegados respeitam ao instituto da responsabilidade civil (contratual e extra-contratual), incidindo sobre actuação, alegadamente ilícita e culposa, de agente da «Banco A………, S.A.», cujos efeitos se repercutem na «B…………, S.A.» como sucessora dos direitos, obrigações e responsabilidades da «Banco A………, S.A.». Não tem, pois, aqui cabimento nenhuma das previsões das mencionadas alíneas f) a h) do art. 4º, 1, do ETAF – que se referem à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público ou de quaisquer servidores públicos –, bem como também não se aplica a previsão da respectiva alínea e), na medida em que estamos perante contratos regulados por normas de direito privado.


3.4. Conclui-se que, não estando em discussão um conflito de natureza administrativa na presente causa, cabe aos tribunais judiciais comuns a competência para conhecer da pretensão deduzida neste processo contra a «B…………, S.A.», enquanto depositários da competência residual prevista pelos artigos 211º, 1, da CRP, 64º do CPC e 40º, 1, da LOSJ.
Acresce que essa conclusão tem sido consensualmente reconhecida pela jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, que tem entendido – em orientação que é de manter e sufragar no caso dos autos – que a competência para conhecer deste tipo de matérias, em litígios com contornos semelhantes, fundadas manifestamente em relações jurídicas de direito privado, cabe aos tribunais judiciais, excluindo-se a competência jusadministrativa para as dirimir, mesmo quando (e para esse efeito), enquanto sócio da «B………, S.A.», seja demandado o “Fundo de Resolução”: v. os Acs. de 22/3/2018, conflito n.º 50/17, Rel. HENRIQUE ARAÚJO, conflito n.º 56/17, Rel. LEONES DANTAS; 17/5/2018, conflito n.º 52/2017, Rel. JOSÉ VELOSO; 7/6/2018, conflito n.º 61/17, Rel. TERESA DE SOUSA; 8/11/2018, conflito n.º 20/18, Rel. JOSÉ VELOSO; 13/12/2018, conflito n.º 33/18, Rel. JOSÉ SOUSA LAMEIRA; 14/2/2019, conflito n.º 31/18, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, conflito n.º 46/18, Rel.ALEXANDRE REIS; 11/4/2019, conflito n.º 30/18, Rel. NUNO GOMES DA SILVA; conflito n.º 1/2019, Rel. MADEIRA DOS SANTOS; 30/5/2019, conflito n.º 9/19, RIBEIRO CARDOSO; 6/6/2019, conflito n.º 2/19, Rel. JOSÉ VELOSO; 19/6/2019, conflito n.º 5/19, Rel. JOSÉ VELOSO, conflito n.º 20/19, Rel. LEONES DANTAS; 31/10/2019, conflito n.os 3/2019 e 14/19, Rel. MARIA BENEDITA URBANO; 30/5/2019, conflito n.º 9/2019, Rel. RIBEIRO CARDOSO; 21/11/2018, conflito n.º 23/2019, Rel. JOSÉ VELOSO (Todos consultáveis in www.dgsi.pt).


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes neste Tribunal dos Conflitos em julgar procedente o recurso e, em conformidade:
— decidir o conflito de jurisdição julgando-se materialmente competente para o conhecimento da acção em causa o tribunal da jurisdição comum: em concreto, o Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Central, Secção Cível – J5;
— revogar o acórdão recorrido, com a subsequente tramitação.
*
Sem custas (art. 96º do Decreto 19.243, de 16/1/1931).


Tribunal dos Conflitos/Lisboa, 25 de Junho de 2020

Ricardo Costa (Relator)
Assinado de forma digital por RICARDO ALBERTO SANTOS COSTA
Dados: 2020.06.25 16:14:00+01’00’
[Nos termos do art. 15º-A do DL 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do DL 20/20, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que, a seguir identificados, compõem este Colectivo.]

Lisboa, 25 de Junho de 2020. – Ricardo Alberto Santos Costa (relator) - Jorge Artur Madeira dos Santos - António José Moura de Magalhães - Ana Paula Soares Leite Martins Portela - Raimundo Manuel e Silva Queirós - Maria do Céu Dias Rosa das Neves.