Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 014/18 |
Data do Acordão: | 01/23/2020 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | CARLOS CARVALHO |
Descritores: | PRÉ-CONFLITO FUNDO DE RESOLUÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTIDADES PÚBLICAS JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA |
Sumário: | I - A competência da Jurisdição Administrativa para conhecer de ações para efetivação da responsabilidade civil extracontratual, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF na redação então vigente tem como pressuposto a imputação a entidades públicas de factos ilícitos geradores de «f) Responsabilidade civil extracontratual (…), incluindo por danos resultantes do exercício das funções políticas». II - A competência da Jurisdição Administrativa prevista no n.º 2 do artigo 4.º do mesmo ETAF tem como pressuposto que se esteja perante litígios «nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si contrato de seguro de responsabilidade». III - Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma ação instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o presidente da comissão executiva, o banco de transição, e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os Réus, em que sejam imputados aos primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da atividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por se lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado, e o Fundo de Resolução apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição. IV - Porém, incumbe à jurisdição administrativa o conhecimento do mesmo pedido, enquanto formulado contra o Banco de Portugal e a CMVM por alegado incumprimento dos deveres de supervisão e vigilância. |
Nº Convencional: | JSTA000P25473 |
Nº do Documento: | SAC20200123014/18 |
Data de Entrada: | 02/23/2018 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA, JUIZO CENTRAL CÍVEL DE GUIMARÃES, JUIZ 2 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RELATÓRIO 1. A…………, devidamente identificada nos autos, intentou ação declarativa de condenação, sob forma ordinária, no Tribunal Judicial [TJ] da Comarca de Braga [Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2] contra «B……, SA» [«B….»], «C……., SA» [«C….»], D………, «FUNDO DE RESOLUÇÃO» [«FdR»], «BANCO DE PORTUGAL» [«BdP»], «COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS» [«CMVM»], «E……., SA» [«E….»] e «F……. - SOCIEDADE DE REVISORES OFICIAIS DE CONTAS, SA» [«F….»], todos igualmente identificados nos autos, pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe indemnização pelos danos sofridos computados em: i) 1.200.000,00 €, a título de danos patrimoniais, quantia essa de acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, «sendo que até à presente data [08.07.2016] se contabilizam em 23.790,96 € relativos à aplicação em papel comercial da H……. e 119.738,36 € relativos à aplicação em papel comercial da G…….»; ii) 6.116,99 €, a título de «juros remuneratórios do capital investido à taxa contratada (…) relativos à aplicação em papel comercial da H……»; iii) 44.876,71 €, a título de «juros remuneratórios do capital investido à taxa contratada (…) relativos à aplicação em papel comercial da G……», devendo os juros remuneratórios referidos em ii) e iii) serem capitalizados; e iv) 25.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa legal desde a sentença até efetivo e integral pagamento. 2. Responsabiliza os RR. por esse «pagamento», em suma, com base em: i) quanto ao «B…..», nomeadamente, em alegada violação dos «deveres de informação, lealdade e probidade» por parte dos funcionários do «B……», e de D…….., por ser Presidente da Comissão Executiva do «B…..» e Vice-presidente do Conselho de Administração e líder máximo do «…….»; ii) quanto ao «C…..», com o facto de haver sucedido nos negócios do «B…..»; iii) quanto ao R. «FdR», por ser o acionista único do «C…..», e, alegadamente, responsável máximo pelo pagamento das quantias reclamadas; iv) quanto aos RR. «BdP» e «CMVM», por, em essência, lhe serem acometidas «violações de deveres de supervisão comportamental e prudencial»; v) quanto ao R. «E…..», por ter adquirido o «…..» [sociedade que se apresentou como entidade líder e agente pagador do papel comercial emitido pela H……. e pela G…..]; e vi) quanto à R. «F……», por força da sua conduta culposa no exercício da sua atividade de auditoria [cfr. fls. 04 e segs. dos presentes autos]. 3. O TJ supra identificado em sede de despacho saneador proferiu decisão, datada de 12.01.2017, na qual julgou procedente a exceção dilatória da sua incompetência material para conhecer da ação por entender que a mesma cabia aos tribunais da jurisdição administrativa, absolvendo da instância todos os RR. [cfr. fls. 2150 e segs. dos presentes autos]. 4. A A. inconformada com aquela decisão interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães [TRG], no qual, por acórdão daquele Tribunal de 29.06.2018, foi mantida aquela decisão apenas quanto aos RR. «BdP», «CMVM» e «FdR» e revogado quanto aos demais RR. [cfr. fls. 2216 e segs. dos presentes autos]. 5. De novo inconformada a A. interpôs, daquele acórdão e no segmento em que no mesmo havia decaído, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça [STJ] [cfr. fls. 2378 e segs. dos presentes autos], recurso esse que veio a ser convolado em recurso para o Tribunal de Conflitos por despacho do Relator naquele Supremo [cfr. fls. 2638 e segs. dos presentes autos]. 6. Por decisão do Relator neste Tribunal de Conflitos de 29.04.2019, sem qualquer impugnação, foi homologada a desistência do pedido apresentada pela A. quanto ao pedido indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais [cfr. fls. 3083 dos presentes autos]. 7. Por decisão do Relator neste Tribunal de Conflitos de 19.07.2019, igualmente sem qualquer impugnação, foi declarado o «Fundo Recuperação de Créditos - INQ - PAPEL COMERCIAL G….. E H…..» [«H….»] habilitado a intervir na posição que a A. detinha nos presentes autos [cfr. fls. 126 e segs. dos autos de habilitação apensos sob o n.º 14-A/2018]. 8. Despoletado o conflito de jurisdição importa, com prévio envio do projeto aos Juízes Conselheiros nele intervenientes e dispensados os vistos legais, apreciar do mesmo, sendo que o Ministério Público [MP] deu o seu parecer no sentido deste conflito ser resolvido mediante a confirmação do acórdão do TRG [cfr. fls. 2697 e segs.]. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DO CONFLITO 9. Mostra-se colocada a este Tribunal de Conflitos, em termos de pré-conflito, a definição da jurisdição competente em razão da matéria para a apreciação do litígio vertido na ação sub specie apenas no segmento relativo à demanda dos RR. «BdP», «FdR» e «CMVM», ou seja, se a mesma caberá aos tribunais judiciais ou aos tribunais da jurisdição administrativa. 10. Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei nº 62/2013, de 26.08 - Lei da Organização do Sistema Judiciário («LOSJ») - e 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais («ETAF»)], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.
DECISÃO Nestes termos e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa acordam em julgar o recurso parcialmente procedente: A) Revogando-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância o «Fundo de Resolução», declarando-se competente a jurisdição comum para conhecer dos pedidos contra este R. deduzidos e devendo o processo prosseguir para esse efeito; B) Mantendo a decisão do acórdão recorrido na parte em que absolveu da instância os RR. «Banco de Portugal» e «Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários»; c) Declarando ser competente a jurisdição administrativa e fiscal para conhecer apenas dos pedidos deduzidos contra os RR. «Banco de Portugal» e «Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários». Sem custas [cfr. art. 96.º do Decreto n.º 19243, de 16.01.1931]. D.N.. Lisboa, 23 de Janeiro de 2020. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Manuel Tomé Soares Gomes – José Augusto Araújo Veloso – António Manuel Clemente Lima – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Manuel Bernardo Domingos. |