Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06/16
Data do Acordão:04/21/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
RESPONSABILIDADE CIVIL.
CONCESSIONÁRIO DE AUTO-ESTRADA
Sumário:Compete à jurisdição administrativa conhecer da acção fundada na responsabilidade civil extracontratual de uma sociedade anónima, concessionária de certa auto-estrada, pelos danos sofridos num acidente que ela teria causado ao violar deveres previstos no contrato de concessão.
Nº Convencional:JSTA00069671
Nº do Documento:SAC2016042106
Data de Entrada:01/19/2016
Recorrente:A... SA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE VIANA DO CASTELO, PONTE DE LIMA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J2 E O TAF DE BRAGA, UNIDADE ORGÂNICA 1
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO
Objecto:DESP TAF BRAGA.
DESP COMARCA VIANA DO CASTELO (PONTE DE LIMA)
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO
Legislação Nacional:CPC ART109 ART110 ART64.
DEC 19243 ART85.
LOSJ ART38.
ETAF04 ART5 ART4 N1 I.
L 67/2007 ART1 N5.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC049/14 DE 2015/03/12.; AC TCF PROC05/15 DE 2015/05/07.; AC TCF PROC010/15 DE 2015/05/07.; AC TCF PROC011/15 DE 2015/05/07.; AC TCF PROC030/15 DE 2015/10/15.; AC TCF PROC021/15 DE 2015/07/09.
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 6/16

Acordam no Tribunal dos Conflitos:
A…………, SA, interpôs na comarca de Viana do Castelo (Ponte de Lima) uma acção de regresso onde pediu que se condenasse a B…………, SA, enquanto concessionária da A3, a pagar-lhe 1.207,81 euros e respectivos juros, vencidos e vincendos. Esse capital corresponde ao «quantum» que a autora satisfez pelos danos, cobertos por um contrato de seguro, causados num veículo devido ao seu embate numa raposa que – por a ré não ter alegadamente observado as regras de vigilância e de segurança impostas no contrato de concessão – invadira a faixa de rodagem daquela auto-estrada.

O tribunal judicial julgou-se incompetente «ratione materiae» para conhecer do pleito, por considerar que tal competência cabia à jurisdição administrativa. E, remetido o processo ao TAF de Braga, este recusou também a sua competência material, que atribuiu à jurisdição comum.
Ambas as decisões transitaram, daí emergindo o presente conflito – cuja resolução foi suscitada «ex officio».

O Ex.º Magistrado do MºPº neste Tribunal dos Conflitos emitiu douto parecer em que preconiza a atribuição da competência à jurisdição administrativa.

Cumpre decidir.
A circunstância da comarca de Viana do Castelo (Ponte de Lima) e do TAF de Braga, por decisões transitadas, terem declinado a competência própria e mutuamente se atribuírem a competência «ratione materiae» para conhecer da acção dos autos evidencia a presença de um conflito negativo de jurisdição (art. 109º, n.º 1, do CPC) – solucionável por este Tribunal dos Conflitos (arts. 110º, n.º 1, do CPC e 85º e ss. do Regulamento aprovado pelo Dec. n.º 19.243, de 16/1/1931).
Nos termos do art. 64º do CPC, a competência dos tribunais judiciais é residual; pelo que a jurisdição comum só não será competente para conhecer da acção ora «sub specie» se a apreciação da causa estiver deferida, «ex vi legis», aos tribunais da jurisdição administrativa. E, como a acção foi proposta em 2014, será à luz do actual ETAF, na redacção então vigente – já que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe (arts. 38º, n.º 1, da LOSJ e 5º do ETAF) – que o presente conflito se solucionará.
A competência «ratione materiae» para conhecer de uma qualquer causa determina-se pelo pedido que nela se formule, esclarecido ou iluminado pela respectiva «causa petendi». Ora, e «in casu», o pedido consiste na condenação da ré, concessionária de uma auto-estrada, a pagar à autora, em via de regresso, a importância que ela prestou a um seu segurado a título de reparação dos prejuízos que ele sofrera num acidente de viação alegadamente imputável à ré – que teria incumprido deveres de conduta impostos no contrato de concessão.
Portanto, a lide aqui em causa consiste numa acção sub-rogatória do segurador, a qual ultimamente se explica pela responsabilidade extracontratual do terceiro lesante.
E, sendo a ré uma pessoa colectiva de direito privado, só será de atribuir a competência em razão da matéria à jurisdição administrativa se o pleito se enquadrar na hipótese do art. 4º, n.º 1, al. i), do ETAF – tratar-se de responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Ora, o art. 1º do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31/12, estabelece no seu n.º 5 que esse regime das pessoas colectivas de direito público seja aplicável às pessoas colectivas de direito privado quando as acções ou omissões lesivas ocorram no exercício de prerrogativas de poder público ou «sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».
«In casu», a autora alegou que a omissão lesiva da ré ofendeu disposições do contrato de concessão. E a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos vem assinalando há algum tempo, e aliás com constância, que a ofensa, pelos concessionários de auto-estradas, de regras insertas na respectiva «lex contractus» – cuja natureza administrativa é indiscutível – traduz a ofensa de disposições de direito administrativo, tal e qual se prevê e dispõe no art. 1º, n.º 5, do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 («vide», a propósito, os arestos deste tribunal proferidos nos Conflitos ns.º 49/14, 5/15, 10/15, 11/15, 21/15 e 30/15 e datados de 12/3/2015, 7/5/2015, 7/5/2015, 22/4/2015, 9/7/2015 e 15/10/2015, respectivamente).
E não vemos razões para alterar essa jurisprudência. Assim, e baseando-se ultimamente a acção destes autos numa responsabilidade civil fundada na ofensa de disposições de direito administrativo, forçoso é concluir que – por conjugação dos arts. 4º, n.º 1, al. i), do ETAF e 1º, n.º 5, do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 – o dissídio «sub specie» deverá discutir-se e julgar-se nos tribunais administrativos.

Nestes termos, acordam em anular a referida decisão do TAF de Braga e em resolver o presente conflito por forma a atribuir a competência material para o conhecimento da acção dos autos à jurisdição administrativa.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Abril de 2016. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – João Carlos Pires Trindade – António Bento São Pedro – João Moreira Camilo – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Raul Eduardo do Vale Raposo Borges.