Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:040/19
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:PRÉ-CONFLITO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
JURISDIÇÃO COMUM
Sumário:I – Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição, o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os réus, sendo imputados aos primeiros a violação de deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, e em que o banco de transição é demandado, por ser de lhe imputar a qualidade de sucessor do banco intervencionado, e o Fundo de Resolução apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
II – Porém, incumbe à jurisdição administrativa o conhecimento do mesmo pedido formulado contra o Banco de Portugal e a CMVM por alegado incumprimento de deveres de supervisão e vigilância.
Nº Convencional:JSTA000P25707
Nº do Documento:SAC20200305040
Data de Entrada:07/26/2019
Recorrente:A......, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA – JUIZ 4 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 40/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos

A………, já identificado nos autos, intentou do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juiz, acção comum, contra o Banco B……., S.A [B…….], C………. [] Banco de Portugal [BdP], Comissão de Mercado de Valores Mobiliários [CMVM], Fundo de Resolução [FdR] e D………., pedindo a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €111.836,86, acrescida de juros de mora, com fundamento em responsabilidade civil dos Réus “enquanto intermediários financeiros por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, ou com fundamento na nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância da norma legal”.
A causa de pedir é complexa, respeitando no que se refere C……. e à funcionária do primeiro, a condutas relativas a «contratos de depósito bancário» e de «intermediação financeira» que, situam o pedido no âmbito da responsabilidade contratual e no domínio das relações jurídicas de direito privado, e, ainda, com condutas alegadamente ilícitas que o teriam induzido a celebrar o segundo tipo de contrato. No que respeita ao FdR, o único fundamento invocado como causa de pedir é o de ser accionista único do C…….. e, segundo alega, responsável máximo pelas relações jurídicas confiscadas e prejuízos daí derivados. Quanto ao BdP e CMVM são apontadas violações de deveres de supervisão.
Em sede de contestação os réus FdR, BdP e CMVM excepcionaram a incompetência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer da presente acção.
Em 24.11.2017, no Juízo Central Cível de Lisboa foi proferida decisão, de fls. 441/444 e segts., que julgou os tribunais judiciais absolutamente incompetentes, em razão da matéria, para a apreciação e julgamento da causa, declarando a competência, para tanto, dos tribunais administrativos, absolvendo todos RR. da instância – quanto aos Réus BdP, CMVM e FdR, nos termos do disposto no art. 4º, nº 1, al. f) do ETAF; e, quanto aos restantes, por força do disposto no art. 4, nº 2 do mesmo ETAF, visto o Autor ter peticionado a condenação solidária de todos eles.
Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu acórdão, em 19.02.2019, julgando improcedente a apelação e confirmando a sentença recorrida (cfr. fls. 700/708).
Na sequência desta decisão o autor veio interpor recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 794 a 811).
O STJ decidiu a remessa dos autos a este Tribunal dos Conflitos, nos termos do disposto no nº 2 do art. 101º do CPC.
Recebidos os autos neste Tribunal dos Conflitos, o EMMP emitiu parecer a fls. 1128 a 1132, no sentido de ser de conceder parcial provimento ao recurso interposto, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que confirmou a absolvição da instância dos réus B…….., C………, D…….. e FdR, declarando-se ser a jurisdição comum a competente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos contra eles formulados. Devendo, por outro lado, ser mantida a decisão recorrida na parte em que sufragou a absolvição da instância do BdP e da CMVM, declarando ser a jurisdição administrativa a competente, em razão da matéria, para conhecer dos pedidos contra eles formulados.

Cumpre decidir.
A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se apenas a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos que em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito n° 39/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 31/18 e 46/18 e de 19.06.2019, Conflito nº 05/19]. que assumimos como nosso:
Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remeteremos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção, e das respectivas causas de pedir resulta que o autor acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª e 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido, contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R, C…….., porque o autor, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª Ré [B……., SA].
Quanto aos demais réus, BdP, CMVM, e FdR, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do artigo 1º da Lei Orgânica do primeiro [Lei nº5/98, de 31.01], do artigo 1º dos Estatutos da segunda [DL nº 5/2015, de 08.01] e, quanto ao último, do artigo 153º-B do RGICSF [DL nº 298/92, de 31.12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26.03].
Ora, relativamente às entidades públicas BdP e CMVM, dada a configuração da acção feita pelo autor, suscita-se, claramente, a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público que, radicando os danos que, alegadamente, o mesmo sofreu, e que fundam os direitos que pretende exercer - consistentes no ressarcimento de tais danos – em actos cometidos no exercício de funções públicas ou na prossecução de um interesse público, uma vez que, sem a invocação de qualquer relação contratual com eles estabelecida se fundamentam na falta de cumprimento dos deveres - essencialmente de supervisão - que sobre eles impendiam tendo em conta as funções determinadas pela lei.
Especificamente quanto ao FdR, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do C……. - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo BdP, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento [dependente] da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adoptada [ver artigo 153º-C do citado RGICSF], ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do BdP concernentes à medida de resolução tomada em relação ao B…….. no exercício de funções pública e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no tocante a este réu, considerando o estritamento alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do C…….. - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal de 22.03.2018 (conflito 56/17), 22.03.2018 (conflito 50/17), 07.06.2018 (conflito 61/17) e 08.11.2018 (conflito 20/18), acessíveis na base de dados da dgsi.pt], deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o autor formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do artigo 4º do ETAF, para deverem ser demandados porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR [particulares], designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos [Aroso de Almeida (em “Manual de Processo Administrativo” Almedina, 3ª edição, páginas 253-254) refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de acções de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objecto do litígio].
Como uniformemente foi ponderado nos arestos precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513º do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos – para os poder demonstrar - “de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária” (citado acórdão de 22.03.2018 (conflito 56/17)].»
Resulta do que vem de se expor, que, no presente conflito, apenas deverá ser mantido em parte o decidido pelas instâncias da jurisdição comum, mormente, pelo acórdão da Relação de Lisboa, já que, sendo embora da competência material da jurisdição administrativa o conhecimento da acção relativamente aos réus BdP e CMVM, por estar em causa questão emergente de relação jurídica administrativa, não o é o que diz respeito aos demais réus - B……., C………, FdR e D…….. -, por estar em causa relação jurídica de direito privado.
Pelo exposto, acordam em revogar parcialmente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e, consequentemente, em atribuir a competência material à jurisdição comum para conhecer do objecto da acção dos réus B……., C…….., FdR e D………, mantendo-se o decidido no restante.

Sem custas.

Lisboa, 5 de Março de 2020. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Graça Maria Lima de Figueiredo Amaral – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Maria de Fátima Morais Gomes – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Júlio Manuel Vieira Gomes.