Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:039/18
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL
CMVM
BANCO DE PORTUGAL
Sumário:Para conhecer dos pedidos de indemnização fundados em responsabilidade civil extracontratual deduzidos contra a CMVM, e o Banco de Portugal são competentes os tribunais administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P24587
Nº do Documento:SAC20190523039
Data de Entrada:09/19/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA, JUIZ 14 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
RECORRENTE: A.........
RECORRIDO: BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito 39/18
Acordam no Tribunal de Conflitos

1. Relatório

1.1. Por decisão sumária do relator foi julgado procedente o recurso para este Tribunal de Conflitos de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou a jurisdição administrativa competente para o julgamento da acção intentada por A……, relativamente aos pedidos formulados contra a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução, declarado, em consequência, que a competência cabia aos Tribunais Judiciais.

1.2. A COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS reclamou para a conferência, alegando no essencial que, nesta acção, são demandadas entidades públicas, tendo como causa de pedir a sua responsabilização extracontratual, por danos resultantes do exercício das suas funções.

1.3. A decisão reclamada invocou a jurisprudência do Tribunal de Conflitos, até então publicada, no sentido da competência em acções similares, emergentes da criação do Novo Banco SA e das relações entre o Banco Espírito Santo SA e seus clientes, caber aos tribunais administrativos.

1.4. Nesta reclamação a CMVM invoca a mais recente jurisprudência deste Tribunal de Conflitos que se desvia da anterior, pelo que se impõe reapreciar a questão.

1.5. Sem vistos, mas com prévia entrega do projecto de acórdão foi o processo submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento da reclamação.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto (pretensões do autor dirigidas contra o Fundo de Resolução, a CMVM e o Banco de Portugal e ocorrências processuais relevantes):

a) O autor, A……….. intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra (1) BANCO ESPÍRITO SANTO S.A.; (2) BANCO DE PORTUGAL; (3) NOVO BANCO S.A.; (4) FUNDO DE RESOLUÇÃO; (5) CMVM – COMISSÃO DE MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS; (6) B………..

b) No final da petição inicial formulou o seguinte pedido (transcrição):

“(…)

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá deverá a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada que ficou:

a) a responsabilidade civil dos RR, enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no art. 304º-A do CVM, devendo em consequência os RR serem solidariamente condenados a pagar ao autor a quantia de € 302.726,78, acrescida de: (i) € 48.763,26 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita das quantias monetárias do A.; (ii) juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;

Caso assim se não entenda:

b) a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no art. 321º do CVM, devendo em consequência serem os RR solidariamente condenados solidariamente a restituir ao A. A quantia de € 302.726,78,acrescida de (i) € 48.763,26 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR das quantias monetárias do A.; (ii) juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória.

Mais se requer, que sejam ainda os RR condenados a ressarcir solidariamente ao Ã. Os danos não patrimoniais que lhe forma causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.

(…)”

c) O autor imputou ao 1º e 6º réus o uso do seu dinheiro à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco;

d) Invocou ainda – art. 114º da petição inicial –o incumprimento dos deveres de supervisão do 2º e 5º réus, de onde “deverá resultar a sua corresponsabilidade naquela obrigação de devolução dos montantes, recorrendo, crê-se aos montantes sob tutela do 4ª réu.

e) Foi proferida sentença que julgou procedente a exceção da incompetência material do Juízo Central Cível de Lisboa e em consequência absolveu todos os réus da instância.

f) Foi interposto recurso da referida sentença e o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Fevereiro de 2018, manteve a sentença recorrida, isto é, manteve a decisão que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao réu BES SA e a incompetência da jurisdição comum quanto aos demais réus.

g) Do acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por decisão da Ex.ma Conselheira Relatora, determinou a remessa a este Tribunal de Conflitos.

h) Por decisão do relator foi atribuída competência aos tribunais judiciais.

i) Da decisão referida na alínea anterior foi deduzida a presente reclamação para a conferência.

2.2. Matéria de direito

A questão central em apreço não é nova.

Este Tribunal de Conflitos apreciou recentemente, em dois acórdãos, uma situação similar à presente – acórdãos de 14 de Fevereiro de 2019, proferido no conflito 31/18 e no conflito 46/18. Em ambos os acórdãos este Tribunal de Conflitos decidiu atribuir a competência, em razão da matéria, para conhecer o objecto da acção aos tribunais judiciais, quanto ao Banco Espirito Santo SA, B………., Novo Banco SA e Fundo de Resolução, e aos tribunais administrativos, quanto ao Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

A fundamentação dos acórdãos citados foi a seguinte:

“(…)

Considerando o pedido do A, em si mesmo, e os respectivos fundamentos, a sua pretensão em obter a condenação de todos os RR a pagar-lhe, solidariamente, uma indemnização estrutura-se, por um lado, quanto às 1ª e 2ª RR, na obrigação decorrente da violação de deveres contratuais e da prática de factos tidos por ilícitos, enquanto em relação à 3ª R (Novo Banco SA), apenas na alegada transferência para a mesma da responsabilidade (originária) da BES SA e, por sua vez, o fundamento da responsabilidade do Fundo de Resolução (4° R) pela satisfação de tal obrigação repousaria, simplesmente, no facto de, por força da supra aludida medida de resolução adoptada pelo Banco de Portugal, ser ele o único detentor do capital do Novo Banco.

Por outro lado, o alargamento dessa suposta responsabilidade solidária ao Banco de Portugal e à CMVM (5° e 6ª RR) já se estribaria, muito diferentemente, no incumprimento dos deveres de supervisão bancária, na prestação de informações erróneas ao mercado e nos actos cometidos no contexto da resolução do BES, nomeadamente, nas deliberações adoptadas, logo em 3-08-2014 (medida de resolução) e subsequentemente.

Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (Novo Banco SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (BES SA).

Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).

Ora, relativamente às entidades públicas BdP e CMVM, dada a configuração da acção feita pelo A, suscita-se, claramente, a responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público, radicando os danos que, alegadamente, o mesmo sofreu e que fundam os direitos que pretende exercer - consistentes no ressarcimento de tais danos - em actos cometidos no exercício de funções públicas ou na prossecução de um interesse público, uma vez que, sem a invocação de qualquer relação contratual com eles estabelecida, se fundamentam na falta de cumprimento dos deveres - essencialmente de supervisão - que sobre eles impendiam, tendo em conta as funções determinadas pela lei.

Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «Novo Banco» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao BES no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.

Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do Novo Banco - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.

É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).

Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].

Em suma, no caso concreto, apenas em parte concordamos com o ajuizado pela Relação de Lisboa, pois a configuração da acção feita pelo A mostra que, enquanto relativamente aos 1ª a 4° RR a questão em que se funda a obrigação de indemnizar solicitada é, essencialmente e apenas, de direito privado, já quanto aos 5° e 6ª RR está em apreço uma questão emergente de uma relação jurídica administrativa, regulada por normas de direito administrativo, atributivas de prerrogativas de autoridade.

(…)” – Acórdão proferido no Conflito 46/18.

Concordamos com o entendimento exposto, proferido em acção onde eram questionadas questões idênticas às deste processo. Daí que, tendo em conta o entendimento referido, o acórdão do Tribunal da Relação deve ser parcialmente revogado, mantendo-se a decisão relativa à incompetência material ali declarada apenas para os pedidos formulados contra o Banco de Portugal e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e revogando-se quando aos demais pedidos.

3. Decisão

Face ao exposto julgamos procedente a reclamação do despacho do relator e, consequentemente:

a) Revogamos tal decisão;

b) Decidimos atribuir a competência, em razão da matéria, para conhecer do objecto desta acção aos tribunais judiciais, quanto a Banco Espírito Santo SA, B………., Novo Banco SA e Fundo de Resolução;

c) Decidimos atribuir a competência aos tribunais administrativos, quanto ao Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

Sem custas.

Lisboa, 23 de Maio de 2019. – António Bento São Pedro (relator) - Carlos Manuel Rodrigues Almeida – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Maria da Conceição Simão Gomes – Jorge Artur Madeira dos Santos – António José dos Santos Oliveira Abreu.