Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:028/15
Data do Acordão:02/18/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SOUTO MOURA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
CONTRATO ADMINISTRATIVO.
PROCEDIMENTO PRÉ - CONTRATUAL.
CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS.
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO.
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00069577
Nº do Documento:SAC20160218028
Data de Entrada:06/15/2015
Recorrente:MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE COMARCA DE LISBOA — INSTÂNCIA CENTRAL — 1 SECÇÃO TRABALHO — J8 E O TAF DE SINTRA — UNIDADE ORGÂNICA 3.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ LISBOA INSTÂNCIA CENTRAL - TAF SINTRA
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO COMUM.
Área Temática 1:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB
Legislação Nacional:DL 133/2013 ART2 ART7 ART13
CPC13 ART64 ART109 ART581 ART628.
LOFTJ ART18.
LOSJ ART40 - L 62/2013 - ART126.
CONST76 ART211 ART212.
ETAF02 ART1 ART4.
DL 74/2013 ART1.
L 35/2014 ART2.
DL 18/2008 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC TCF DE 2011/03/03.; AC TCF DE 2015/06/25.; AC TCF DE 2015/07/09.
Referência a Doutrina:MANUEL ANDRADE - NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL 1963 PÁG89.
ALBERTO DOS REIS - COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL VOLII PÁG375.
VIEIRA DE ANDRADE - JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 2000 PÁG79.
GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PÁG815.
MÁRIO ESTEVES OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA - CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VOLI PÁG48 E SEGS PÁG68 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: O Mº Pº junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra veio requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição entre este Tribunal e a 1ª Secção de Trabalho — J8, da Comarca de Lisboa, Instância Central, ao abrigo dos arts. 109º, 110º e 111º, nº 2 e 3 do CPC.

A – O PEDIDO

São os seguintes os fundamentos do pedido (transcrição):

“1- A douta sentença proferida nos autos em 25.03.2015, já transitada em julgado, considerou serem os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para decretar a presente providência cautelar, e que tal competência cabe aos Tribunais de Comarca, Instância Cível, Secção de Trabalho, nos termos do disposto no artigo 126°, n.º 1, alínea b) da Lei nº 62/2103, de 26 de Agosto - Lei de Organização do Sistema Judiciário.

2- Por sua vez, o despacho de indeferimento liminar proferido em 10.12.2014, no Procedimento Cautelar Comum intentado pela requerente, com o n.º 12513/14.2T8LSB, da 1ª Secção de Trabalho - J8, da Comarca de Lisboa, Instância Central, transitado em julgado em 05.01.2015, conforme certidão que ora se junta (e que não constava dos autos), considerou ser a Secção de Trabalho incompetente em razão da matéria e competente a jurisdição administrativa para conhecer do presente pedido cautelar.

3- Verifica-se, pois, existir conflito negativo de jurisdição, uma vez que dois tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer da mesma questão -cfr. artº 109°, n.º 1 e 3, do CPC.

4- O Ministério Público tem legitimidade para suscitar a resolução do presente conflito, nos termos do disposto no art.º 111º, n.º 2, do CPC.

5- O presente processo tem caráter urgente e corre nos próprios autos - art.º 111º, nº 3 CPC.

Nestes termos, requer-se a V. Exa., que, após a subida dos autos, seja proferida decisão de resolução do presente conflito”.

B – CONFIGURAÇÃO DO CONFLITO

A………………, portuguesa, solteira, nascida em 15-10-1992, titular do CC com o nº ………. e com o NIF …………., residente na Rua …………., n.º ……, 2740-……, …………. — Oeiras, requereu junto da 1ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa, procedimento cautelar comum (providência cautelar não especificada), como preliminar de ação declarativa comum, de condenação, a intentar posteriormente contra a requerida, “NAV PORTUGAL, E.P.E.”, entidade pública empresarial, com o número único de matrícula e de identificação fiscal 504.448.064 e sede em Lisboa, na Rua D — Edifício 121 - do Aeroporto Internacional de Lisboa, 1700-008 LISBOA, (doravante NAV). Os fundamentos foram os seguintes:

“I – O ESTATUTO DA NAV

1.º A NAV tem a natureza de entidade pública empresarial (E.P.E), o que significa que, à face da lei vigente (Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro), pertence à chamada administração pública indirecta e é considerada uma empresa pública, integrando o sector público empresarial — cfr. artigos 2º, 7º, e 13º do Decreto-Lei n.º 133/2013.

2.º Porque assim, a NAV está obrigada a cumprir o disposto no artigo 47º do citado Decreto-Lei n.º 133/2013, relativo a “Padrões de ética e conduta”, cabendo-lhe, nomeadamente (n.º 1 do preceito), a adopção de “um código de ética que contemple exigentes comportamentos éticos e deontológicos”.

3.º Segundo estabelece o n.º 2 desse artigo 47º, deve tratar “com equidade todos os seus clientes e fornecedores e demais titulares de interesses legítimos” e, designadamente e “de um modo geral, qualquer entidade que estabeleça alguma relação jurídica com a empresa”.

4.º Por outro lado, também se aplicam à NAV os 10 Princípios da Administração constantes da CARTA ÉTICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, entre os quais é pertinente enfatizar aqui:

O Princípio da Justiça e da Imparcialidade, que impõe o tratamento de todos os cidadãos “de forma justa e imparcial” e “segundo rigorosos princípios de neutralidade” e

O Princípio da Colaboração e da Boa Fé, que impõe a colaboração com os cidadãos, “segundo o princípio da boa fé, tendo em vista a realização do interesse da comunidade e fomentar a sua participação na realização da actividade administrativa”, tratamento segundo o mesmo princípio de todos os cidadãos “de forma justa e imparcial” e “segundo rigorosos princípios de neutralidade”.

II – O PROCEDIMENTO CONCURSAL ORA EM CAUSA

(CONCURSO PARA CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO)

5.º A NAV decidiu abrir, abriu e anunciou um Concurso Para Controlador de Tráfego Aéreo (CTA) a que atribuiu a referência — 01/FORMA/2014 CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO (m/f).

6.º Nesse contexto, inseriu no sítio da Empresa na Internet o Anúncio cuja cópia se junta (DOC. 1), o qual teve também divulgação, via Internet, no sítio Pista 73, conforme cópia que igualmente se anexa (DOC. 2).

7.º No aludido sítio da NAV foi publicada, na secção BOAS NOTÍCIAS, uma notícia (contendo calendário de candidaturas e de entrega de documentação pelos candidatos, calendário esse que veio a ser diferente no plano dos factos) cuja cópia outrossim se anexa (DOC. 3).

8.º Nela se dava conta ao público em geral de que a NAV queria recrutar 18 controladores de tráfego aéreo, explicando-se que:

Os candidatos seriam alvo de uma pré-selecção antes de integrarem o curso de formação que dá acesso à licença;

Uma licenciatura, idade máxima de 25 anos, domínio das línguas inglesas e uma prova de acuidade visual eram as condições mínimas para concorrer às aludidas 18 vagas de controlador aéreo.

9.º A citada notícia finalizava dizendo que “ainda que os requisitos de candidatura não sejam muito exigentes, B…………, responsável de recrutamento da NAV, explicou nas Boas Notícias que o mais difícil para os candidatos será superar as provas que se seguem”.

10.º De todo o modo, e pela sua hipotética conexão (na realidade inexistente como adiante se dirá) com o caso em apreço neste requerimento, transcrevem-se seguidamente as duas únicas Notas incluídas no Anúncio mencionado no artigo 6.º deste requerimento inicial:

“Nota 1: Candidatos de concursos anteriores só serão admitidos caso tenham sido considerados “aptos” na prova de FEAST WEB E FEAST DART.

Nota 2: Não são admitidos candidatos de anterior concurso considerados “não aptos” na prova de Avaliação Comportamental”, desde que a mesma tenha sido realizada há menos de 12 meses.”

11.º A Requerente candidatou-se e foi admitida ao concurso referido nos artigos antecedentes deste articulado.

12.º Tendo sido iniciadas as provas de pré-selecção do concurso em causa, a Requerente apresentou-se no local, dia e hora designados pela NAV para prestar provas, isto no dia 25 de Setembro de 2014.

13.º Antes mesmo do sucedido nesse dia de teste, e no âmbito do concurso externo em apreço, chegaram aos ouvidos da Requerente alguns rumores segundo os quais não poderiam ser aceites a realizar as provas previstas no Concurso os candidatos que já tivessem realizado no Estrangeiro (designadamente na Holanda) o conjunto de testes apelidado de FEAST.

14.º Tendo sido solicitado um parecer a esse respeito à sociedade de advogados do signatário, foi este emitido com data de 16 de Setembro de 2014, dele se juntando agora uma cópia (DOC. 4).

15.º As conclusões desse parecer foram no sentido de que:

seria ilegal a eventual exclusão do concurso da ora Requerente com a invocação, como “fundamento” para essa exclusão, do resultado de teste anterior;

a NAV (e, eventualmente, quem em seu nome adoptasse uma interpretação claramente ilegal e determinante da exclusão da Requerente no nosso concurso em apreço) tornar-se-ia civilmente responsável pelos prejuízos que sofrerá a ora Requerente.

16.º Ainda antes do dia de teste a que já se fez menção (25 de Setembro) os Serviços, designadamente da Área do Recrutamento e sua Direcção, tomaram conhecimento do conteúdo e das conclusões do parecer referido nos dois artigos antecedentes. Contudo,

17.º Aqueles Serviços recusaram receber esse parecer, que para o efeito lhes foi apresentado, e não fizeram caso do que no parecer se continha, tal como não vieram a fazer da correspondência remetida à NAV que adiante é referida.

18.º No dia 25 de Setembro passado, estando a ora Requerente e outros concorrentes em vias de iniciar os testes a realizar nesse dia, e já presentes nas instalações onde decorreriam os testes, a Requerente foi abordada pelo Presidente do Júri do concurso, que indagou se ela autorizava que a NAV PORTUGAL obtivesse os resultados da prova por ela realizada no EUROCONTROL.

19.º Neste contexto, a Requerente interrogou o Presidente do Júri sobre se, caso ela desse essa autorização, lhe seria permitida a permanência no concurso e a realização dos testes.

20.º A resposta que teve foi frontal e firmemente negativa.

21.º Posta perante tal resposta, e como parece inteiramente lógico, a Requerente recusou dar a autorização dela solicitada, o que motivou o lançamento da nota (referindo testemunhas) cuja cópia se junta (DOC. 5).

22.º Nesse dia (25 de Setembro) e ocasião, a Requerente logo solicitou aos responsáveis presentes da NAV que lhe fosse definida por escrito a posição da NAV PORTUGAL e sua fundamentação, sendo que isso lhe foi recusado, nada lhe tendo sido entregue ou enviado, por escrito ou outra via, nesse dia ou posteriormente.

23.º Quer dizer: a NAV entendeu consignar por escrito a menção da recusa de autorização da Requerente, mas fugiu duradouramente a exprimir de modo escrito a posição de exclusão da realização dos testes pela Requerente com base na realização da prova de Maastricht, bem como a fundamentação dessa posição,

24.º Tal como se esquivou o representante da NAV PORTUGAL a reduzir a escrito a comunicação de que, autorizasse ou não a Requerente a obtenção dos resultados da mencionada prova da Holanda, não seria admitida a realizar os referidos testes.

III – O DIREITO APLICÁVEL E VIOLADO PELA NAV

25.º Não pode sustentar-se, ex adverso, que os concorrentes do concurso em apreço, sendo este de recrutamento, não têm ainda uma relação jurídica com a NAV, o que supostamente justificaria a não aplicação do n.º 2, parte final, do citado (no artigo 2.º desta petição) artigo 47º do Decreto-Lei n.º 133/2013.

26.º É que, presentemente, e no nosso País, também os candidatos a emprego em regime de contrato individual de trabalho têm direito a não sofrer qualquer discriminação, seja directa ou indirecta.

27.º E entende-se por discriminação directa a que existe “sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável” - artigo 23.º do Código do Trabalho).

28.º De acordo com o disposto no artigo 24.º nºs 1 e 2, do Código do Trabalho, os candidatos a emprego têm direito a “igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego” e isto no tocante (n.º 2 do preceito, alínea a)), “a critérios de selecção e a condições de contratação e a todos os níveis hierárquicos”.

29.º Acresce que já no Código Civil se estabeleceu há muito (artigo 227º, nº 1) que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

30.º No Anúncio do Concurso Externo para CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO ora em apreço (Ref.ª 01/FORMA/2014) são enunciadas as condições de acesso, sendo que em nenhuma passagem desse texto se faz qualquer referência à condição, supostamente excludente, da reprovação em teste FEAST anterior.

31.º Na verdade, apenas se alude aos requisitos de idade máxima, de habilitações literárias, de domínio do português e do inglês e de acuidade visual.

32.º Apenas marginalmente, na Ficha de Candidatura do Concurso em questão, se encontram incluídas duas Notas, referindo-se somente a Nota 1 à prova de “FEAST WEB E FEAST DART”, nos termos que ficaram já referidos no artigo 10.º deste requerimento.

33.º Da circunstância de ao concurso ora em apreço não se aplicarem as normas de direito público interno nacional, designadamente as do Código dos Contratos Públicos, não decorre, longe disso, que a NAV possa pôr e dispor a seu belo prazer quanto aos termos do concurso. Com efeito.

34.º Como refere o Prof. Menezes Cordeiro (in “Manual de Direito do Trabalho”, Almedina, 1991, pág. 558), No essencial pode considerar-se que ninguém está obrigado a abrir concurso para a celebração dum contrato, salvo quando a lei expressamente o determine; no entanto, se o fizer, fica obrigado a respeitar os seus termos.”

IV – O JUSTO RECEIO DA REQUERENTE E O PERICULUM IN MORA QUE AQUI SE INVOCA

35.º Assim, e pelas razões expostas, a ora Requerente está em vias de ser confrontada com um facto consumado, o da sua definitiva exclusão do concurso que vem sendo referido, em que tem todo o direito de participar.

36.º Tal exclusão, a confirmar-se, do que a Requerente tem disso fundado receio, causará àquela uma lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, atenta até a rara frequência com que têm lugar concursos desta natureza e com estas possibilidades de uma aliciante carreira profissional.

37.º Por outro lado, a acção principal que a Requerente irá propor, tendo em vista a sua (re)inclusão no lote de concorrentes do procedimento concursal em questão, demorará sempre tempo demasiado alargado o que, na falta do recurso à presente providência cautelar, se traduzirá na completa inutilidade da sentença favorável que venha a ser proferida nessa acção.

38.º Estão, pois, reunidos os requisitos exigidos no artigo 112º do C.P.T.A e no artigo 362.º do C.P.C. para o decretamento da providência ora impetrada.

39.º Ao caso, como é manifesto, não é aplicável o procedimento de contencioso pré-contratual regulado nos artigos 100º a 103º do C.P.T.A., dada a restrição prevista no n.º 1 daquele artigo 100º (procedimento pré-contratual de direito público).

V – PROVIDÊNCIAS REQUERIDAS

40.º Face ao que fica alegado, devem ser adoptadas a título provisório (até decisão final na acção principal a ser proposta), as providências cautelares ora requeridas, ou seja, deve ser decretada a proibição de exclusão da Requerente do concurso identificado neste requerimento, a suspensão dessa exclusão e a reintegração ou admissão provisória da Requerente no lote dos concorrentes não excluídos, até decisão final na acção principal a ser proposta, com suspensão também provisória de quaisquer actos de pré-selecção e ou classificação dos concorrentes, bem como do início ou prosseguimento, sem a Requerente, do curso de formação que se seguiria aos testes de pré-selecção.

VI – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DEMANDADO EM RAZÃO DA MATÉRIA

41.º A Lei Geral do Trabalho na Função Pública (LTFP), aprovada pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, estabelece, no seu artigo 12º, que “são da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público” (sublinhado da requerente). Ora,

42.º Se bem que, a ser contratada, a Requerente terá ou teria um tal vínculo (cf. artigo 6º da LTFP), a verdade é que não o detém, pelo que a competência em razão da matéria se define pelo disposto na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 Agosto).)

43.º Assim sendo é aplicável o que se estabelece no artigo 126º, nº 1, al. a, da referida Lei nº 62/2013, que atribui às secções do trabalho competência para conhecer das questões emergentes “de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

VII – COMPETÊNCIA TERRITORIAL

(...)

NESTES TERMOS,

Como noutros melhores de Direito, deve ser designado dia para a audiência final e, ouvida a Requerida, devem então ser decretadas as providências cautelares ora requeridas, com o conteúdo referido no art. 40º deste requerimento inicial.

(...)”

Sobre este requerimento viria a recair o despacho que se segue, datado de 10/12/2014, e transitado em julgado em 5/1/2015, conforme certidão de fls. 126:

“(...) Veio A…………….. intentar a presente providência cautelar não especificada contra NAV Portugal, EPE, alegando, em síntese, que a requerida abriu concurso para o recrutamento de 18 controladores aéreos, que excluiu da admissão ao concurso a ora requerente em virtude da mesma ter já realizado testes FEAST no Eurocontrol sem que houvesse justificado ou fundamentado essa decisão.

Concluiu pedindo que, a presente providência seja deferida e, em consequência, a requerida proibida de excluir a ora requerente, integrando-a no lote de concorrentes não excluídos e com suspensão provisória de quaisquer actos de pré-selecção naquele concurso.

Apreciando:

Na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir a quem o invoca a titularidade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão iminente que a sua tutela não pode aguardar a decisão da acção judicial.

Destina-se à adopção de medidas provisórias que permitam remover ameaças sobre o direito, enquanto a questão não é definitivamente decidida.

Assim, são seus fundamentos a invocação da probabilidade séria da existência de um direito -“fumus bonni juris” -, o fundado receio de que a demora natural na solução do litígio acarrete um prejuízo grave e de difícil reparação - o “periculum in mora”-, tudo isto aferido mediante prova sumária, isto é, não aprofundada mas, em todo o caso, minimamente consistente - “summaria cognitio”.

Feita tal prova, o Tribunal decretará a providência desde que o prejuízo causado ou a causar ao requerido não exceda aquele que o requerente, por sua vez, pretende evitar e sempre dentro de uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, ou seja, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente.

Apreciando o requerimento inicial “sub judice” constata-se que, salvo o devido respeito, este não é o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir do mérito da sua pretensão.

Efetivamente, não resulta dos autos, a existência de qualquer relação jurídico-laboral ou outra semelhante que se enquadre no elenco do art. 126° da LOSJ (Lei n° 62/2013 de 26.08). Nem se alegue, tão pouco, a existência de uma putativa “relação com vista à celebração de contrato de trabalho” ao abrigo do art. 126º, nº 1 al. b), uma vez que, a fase em que o procedimento concursal em causa se encontra não conduz, no imediato, à celebração de uma relação laboral dado que se trata apenas do direito a prestar/participar em provas de selecção num concurso em que participam mais candidatos. Só muito remotamente se vislumbra a eventual possibilidade de celebração futura de um contrato de trabalho com o consequente estabelecimento de uma tal relação.

Em nosso entendimento, o acto de exclusão da candidata/requerente (porque é disto que se trata nesta fase) é um acto puramente administrativo, do qual, caberá recurso para o Presidente do Júri e, após, para o Tribunal administrativo competente. Efetivamente, a competência dos tribunais judiciais é residual relativamente à competência de outras jurisdições, no caso, a jurisdição administrativa (vide, art. 40° da mencionada LOSJ).

DECISÃO:

Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos artigos 234° n.º 4 al. b) e 234° A. nº1 do Cód. Proc. Civil, ex vi artigo 32º nº 1 do Cód. Proc. Trabalho, indefiro liminarmente a presente providência cautelar.”

Na sequência desta decisão, a requerente A………….. fez dar entrada a 12/1/2015, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar equivalente, como preliminar, desta feita, de ação administrativa especial para impugnação de ato equiparado ao ato administrativo, consistente na referida exclusão da interessada do concurso para controlador aéreo.

O texto do articulado desta segunda providência cautelar segue de perto o anterior, embora em certos pontos mais extenso, parecendo-nos que se não justifica transcrevê-lo, salvo no que afirma em matéria de competência material:

“(...) 68.º A ora Requerente já requereu uma providência cautelar com base, natureza, fundamentação e finalidade idênticas às da ora impetrada, tendo endereçado a respectiva petição à Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa.

69.º Fê-lo no entendimento, então por si propugnado, de que seria aplicável o estabelecido no artigo 126.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), que prevê a competência das secções de trabalho para conhecer das questões emergentes “de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

70.º Esse procedimento cautelar veio a ser distribuído à 1.ª Secção do Trabalho da referida Instância Central da Comarca de Lisboa, tendo recebido o número de processo 12513/14.2TBLSB.

71.º Todavia, por douto despacho da Meritíssima Juiz daquela Secção datado de 10-12-2014, cuja cópia se junta (DOC. 18), a providência foi liminarmente indeferida, por ter sido entendido que a exclusão da Requerente é “um acto puramente administrativo”, e “só muito remotamente se vislumbra a eventual possibilidade de celebração futura de um contrato de trabalho”, com o consequente estabelecimento de uma relação laboral.

72.º Concluiu, assim, a douta decisão em apreço pela competência dos tribunais administrativos, e não dos tribunais judiciais.

73.º De notar que, quando foi proferido esse douto despacho a Meritíssima Juiz decisora não conhecia qualquer posição escrita da ora Requerida, ignorando-se nessa altura se era reafirmada de modo expresso e fundamentado, no âmbito da NAV, por esta empresa e pelo Presidente do Júri do Concurso, a posição de exclusão da Requerente assumida no mero domínio dos factos (recusa da presença física da Requerente).

74.º Entrementes, e reapreciada a questão pelos mandatários da ora Requerente na sequência daquele douto despacho de indeferimento, tem de dar-se razão à orientação perfilhada no indeferimento liminar.

75.º Efectivamente, e pelo exposto naquele douto despacho e pelo referido nos artigos 35.º a 40º do presente articulado, impõe-se concluir que é este tribunal administrativo e fiscal o competente para apreciar e decretar a providência ora requerida. (...).”

Conforme se vê de fls. 48, 52 e 56, foi excecionada a incompetência territorial do TAC de Lisboa e a providência transitou para o TAF de Sintra.

Entretanto, a requerida “NAV PORTUGAL, E. P. E.”, deduziu oposição à providência, e como questão prévia considerou a jurisdição administrativa incompetente para conhecer da mesma.

Porque a competência em função da matéria se tem que aferir em função do modo como é apresentada a natureza da relação jurídica controvertida, pelo autor, no requerimento inicial, porque essa competência do foro comum resulta do que dispõem os Estatutos da NAV (maxime o art. 19º, nº 1 do DL 404/98, de 18 de dezembro), ou do regime jurídico do setor público empresarial (sobretudo o art. 17º do DL 133/2013 de 3 de outubro, e já antes o art. 16º do DL 558/99 de 17 de dezembro). Também, como consequência da disciplina aplicável à contratação pública e ao regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, consoante o art. 4º do Código dos Contratos Públicos (DL 18/2008, de 29 de janeiro), que no seu nº 2 exclui expressamente a aplicação do Código dos contratos de trabalho em funções públicas e contratos individuais de trabalho. Tendo em conta ainda o art. 126º, nº 1, al. b), da LOSJ (Lei 62/2013, de 26 de agosto) e o art. 4º nº 1 al. c) do ETAF.

Foi então proferida sentença a 25/3/2015, em que se considerou a jurisdição administrativa incompetente para conhecer da presente providência, com os seguintes fundamentos:

“(...) III - 2 - De Direito

Foi suscitada a excepção de incompetência deste Tribunal em razão da matéria.

A competência dos tribunais administrativos é constitucionalmente delimitada por referência ao julgamento de acções que tenham por objecto os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (art. 212°, n° 3 da CRP), princípio que se encontra reafirmado no art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n° 13/2002, de 19 de Fevereiro, que define os tribunais da jurisdição administrativa como sendo os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.

Por sua vez o art. 4º do mesmo diploma enuncia, a título meramente exemplificativo, no seu n° 1, as matérias que integram a competência dos tribunais, e, nos seus n°s 2 e 3 as questões ou litígios que ficam excluídos do foro administrativo.

Sendo que a competência do tribunal em relação às providências cautelares se afere em função do tribunal para decidir a causa principal, por força do princípio da instrumentalidade e do art. 20º, nº 6 do CPTA.

A providência cautelar (principal) requerida na presente instância cautelar visa a admissão provisória da ora Requerente ao concurso lançado pela Entidade Requerida, para recrutamento de controladores de tráfego aéreo.

No caso que ora nos ocupa e como foi supra enunciado, em síntese, a Autora tece vários considerandos quanto à “ambiência” e de molde a justificar a eventual violação de normas ou princípios de direito administrativo, por parte da Entidade Demandada no concurso identificado em a. do probatório, com enfoque na “decisão” de exclusão da ora Autora do referido concurso.

Apreciando;

A Entidade Requerida é uma entidade pública empresarial, designada por NAV Portugal, EPE (art. 1º do Decreto-Lei n° 74/2003, de 16 de Abril), que se rege, conforme artigo 2º do mesmo diploma legal, pelos seus Estatutos, constantes daquele Decreto-Lei nº 74/2003, Lei n° 35/99, de 26 de Maio, Decreto-Lei n° 33/2010, de 14 de Abril, e Lei n° 29/2010; pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado (actual Decreto-Lei nº 133/2013, de 3 de Outubro) e na sua falta por normas de direito privado, salvo relativamente a actos de autoridade ou cuja natureza implique o recurso a normas de direito público (vide art. 2° do DL 74/2003).

A Requerente candidatou-se ao concurso anunciado pela Entidade Demandada para admissão nos quadros de Controladores de Tráfego Aéreo (al. a. e c. do probatório), mas nem consta do aviso/anúncio, nem a Requerente indica que tal concurso estivesse (ou devesse ter sido) sujeito a regras de direito público, designadamente quanto à sua abertura, publicitação, recrutamento, selecção, etc, nos termos dos artigos 33° e segs. da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicos, aprovada pela Lei n° 35/2004, de 20.06, na redacção dada pela Lei n° 82-B/2014, de 31.12).

Pelo contrário, em conformidade como disposto no art. 19° do Decreto-Lei n° 404/98, “Os trabalhadores da NAV EP, estão sujeitos ao regime de contrato individual de trabalho”, como resulta ainda do art. 17º do Decreto-Lei n° 133/2013, nos termos do qual:

“1- Aos trabalhadores das empresas públicas aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho.

2- A matéria relativa à contratação rege-se pela lei geral”.

Por conseguinte, a decisão de exclusão do procedimento concursal em causa deverá ser apreciada nos termos do Código do Trabalho e não em conformidade com o regime de contratação de trabalhadores para o exercício de funções públicas.

Sendo que o Código dos Contratos Públicos exclui igualmente do seu âmbito de aplicação quer os contratos de trabalho em funções públicas quer os contratos individuais de trabalho (art. 4º, nº 2, al. a) do CCP), como assume a Autora no artigo 30º da p.i..

Que a relação jurídica estabelecida entre a ora Autora (candidata aos quadros da NAV) e a Entidade Demandada (entidade a contratar) se trata de uma relação de direito privado, mais concretamente do regime de contrato individual de trabalho, sai reforçada com a própria alegação da Autora nos artigos 22º, 24º, 25º da p.i, ao indicar os direitos dos candidatos ao lugar em causa. Assim como ao recorrer aos princípios da boa fé pré-contratual (art. 227º do Código Civil).

Convoca a Requerente a Carta Ética da Administração Pública e que a Entidade Demandada está obrigada a respeitar face ao art. 47° do citado DL 133/2013, designadamente os princípios da justiça e da imparcialidade e o princípio da colaboração e da boa-fé. Mas neste caso, existindo regras próprias relativas ao procedimento com vista à celebração do contrato individual de trabalho em que os pressupostos em que se baseiam tais princípios, como seja a igualdade de tratamento e não discriminação e da boa-fé estão patentes no Código do Trabalho (artigos 23° e 24°), dever-se-á recorrer às regras e princípios subjacentes à relação jurídica estabelecida entre as partes.

A Requerente refere ainda que está em causa a obtenção de uma licença comunitária de controlador de tráfego aéreo, o que logo mostra haver no caso, ingerência por via da fonte do direito comunitário, concretamente o Regulamento (CE) nº 805/2011, de 10 de Agosto de 2011, que estabeleceu regras detalhadas para as licenças de controlador aéreo e certos certificados, em conformidade com o Regulamento (CE) n° 216/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, que vigora directamente em Portugal sem dependência de transposição por diploma legislativo nacional, de normas de cariz e natureza manifestamente administrativa.

Mas também aqui não é possível reconhecer essa natureza administrativa de que fala a Requerente. Desde logo, porque não está ainda em causa a emissão da referida licença de controlador de tráfego aéreo, mas sim um concurso para eventual recrutamento. Por outro lado, a entidade competente a nível nacional para a concessão da referida licença é o INAC - Instituto Nacional de Aviação Civil IP, em conformidade com o disposto no art.º 1, da Lei 6/2009, de 29 de Janeiro, que não é parte nos presentes autos.

Por último, como se estabelece no considerando 14 do Regulamento (UE) n° 805/2011, “O presente regulamento não deverá dar origem ao desrespeito das disposições nacionais em vigor que regem os direitos e obrigações aplicáveis às relações de trabalho entre o empregador e os candidatos a controladores de tráfego aéreo”.

Tudo sopesado, a decisão de exclusão da ora Requerente do concurso para Controladores de Tráfego Aéreo não foi proferida ao abrigo de quaisquer normas de direito público, nos termos e para efeitos do artigo 120° do Código de Procedimento Administrativo, no exercício de poderes de autoridade por parte do Presidente do Júri, e do disposto no art.º 51° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Por outro lado, trata-se de uma relação jurídica de direito privado, no âmbito de um candidato à celebração de um contrato individual de trabalho, nos termos dos artigos 19° do Decreto-Lei n°404/98, “Os trabalhadores da NAVEP, estão sujeitos ao regime de contrato individual de trabalho”, e do art. 17° do Decreto-Lei n° 133/2013, o que se insere no âmbito do disposto do art. 4°, n° 3, alínea d) do ETAF, que exclui da jurisdição administrativa a apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público. Ou ainda que assim se não entenda, sempre se excluiria por não estar em causa qualquer relação jurídica administrativa nos termos e para efeitos dos artigos 1º e 4º, n° 1 do mesmo ETAF.

Por conseguinte, não detém este Tribunal competência, em razão da matéria, para avaliar da legalidade da decisão de exclusão da Requerente do concurso indicado em a. do probatório, cabendo antes aos Tribunais de Comarca, Instância Cível, Secção de Trabalho, conforme dispõe o art. 126°, n° 1, alínea b) da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto). E concomitantemente para conhecer do presente processo cautelar dele dependente-.

Logo, carecem os Tribunais Administrativos de competência, em razão da matéria para apreciar do presente pedido cautelar de admissão da Requerente ao concurso para recrutamento por parte da NAV Portugal, EPE de controladores de tráfego aéreo, o que conduz à absolvição da instância, nos termos dos artigos 278°, n° 1, al. a), 576°, n° 2, e 577°, al. a) do CPC ex vi art. 1º do CPTA.

IV – Decisão

Termos em que decide este Tribunal julgar procedente a excepção de incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria para decretar a providência cautelar de admissão da Requerente ao concurso para recrutamento por parte da NAV Portugal, EPE de controladores de tráfego aéreo, absolvendo a entidade requerida, da instância.”

Chamada já a pronunciar-se, no âmbito do conflito de jurisdição cuja resolução foi pedida, a requerida NAV manifestou-se, em consonância com a sua anterior posição, no sentido da atribuição da competência aos tribunais comuns. Mas para além disso, entendeu que não estavam verificados os pressupostos do pedido de resolução do conflito, porque as decisões que, em cada jurisdição tinham declinado competência, foram deixadas transitar em julgado pela requerente mas eram suscetíveis de recurso. Louva-se no art. 109º, nºs 1 e 3 do CPC, para além se estar perante apresentação de dois procedimentos cautelares diferentes, aliás formalmente diferentes.

C – APRECIAÇÃO

1. A questão que se coloca é assim a de saber, em síntese, se são os tribunais do foro administrativo ou os da jurisdição comum os competentes para deferir (ou indeferir) uma providência cautelar, que vise suster a exclusão de um concurso de uma candidata ao mesmo, certo que esse concurso fora aberto para contratação de controladores aéreos pela empresa NAV. Esta é apresentada pela requerente com a natureza de entidade pública empresarial (E.P.E). E ainda, segundo a lei vigente (DL n.º 133/2013, de 3 de Outubro), como pertencente à chamada administração pública indireta. Portanto, na perspetiva da requerente, uma empresa pública, integrando o sector público empresarial (cfr. artigos 2.º, 7.º e 13.º do DL 133/2013 citado).

Importa então circunscrever a competência jurisdicional em razão da matéria dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa, Podem retomar-se aqui as considerações a tal propósito tecidas no acórdão 10/04 deste Tribunal de Conflitos de 18/11/2004:

Aí se referiu que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respetivo pedido e a correspondente causa de pedir.

Que a questão da competência ou da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer de determinado litígio é, naturalmente, independente do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes.

Que a regra da competência dos tribunais da ordem judicial segue o princípio da residualidade, isto é, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional (artigos 66º, hoje 64º, do Código de Processo Civil e 18º, n.° 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), ou art. 40º nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei 62/2013 de 26 de agosto.

Como no caso vertente o confronto é delineado entre a competência dos tribunais da ordem judicial comum e a dos tribunais da ordem administrativa, importa ver qual é o âmbito da competência dos tribunais desta última ordem.

O nº 1 do art.º 211º da Constituição (C.R.P.), aditado na revisão de 1989, estabelece que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. A seu turno, o nº 3 do art.º 212º da mesma C.R.P. (versão introduzida em 1989), ao falar da jurisdição administrativa delimita-a pelo objetivo de “dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

O critério de afetação de causas aos tribunais da ordem administrativa pela Constituição, ou seja, as ações e os recursos que tenham por objeto litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, é de natureza material.

Face à referida definição de âmbito material, pela Constituição, as relações jurídicas administrativas a que alude não podem deixar de ser as que se geram, modificam ou extinguem ao abrigo do direito administrativo substantivo.

Densificando o mencionado dispositivo constitucional, no quadro da administração da justiça, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, diz-nos no art.º 1º e seu nº 1, que “Os tribunais da ordem administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”

O art.º 4º do mesmo ETAF enuncia, no seu nº 1, os litígios que, nomeadamente, são da competência da jurisdição administrativa e fiscal, e, convém adiantar já que no nº 3 al. d), desse artigo se diz, expressamente, que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;”

2. Isto dito, importa começar por fazer a abordagem das duas questões levantadas pela recorrida NAV, reportadas aos pressupostos da existência de um conflito de jurisdição.

2.1. O art. 109.º do CPC define as situações em que se verifica a existência desse tipo de conflito, estabelecendo os pressupostos de ordem processual para que se possa falar da existência do mesmo. Assim, nos termos dos nºs 1 e 3 do citado preceito legal, verifica-se um conflito de jurisdição quando tribunais, integrados em diferentes ordens jurisdicionais, se declaram competentes (conflito positivo) ou incompetentes (conflito negativo) para conhecer da mesma questão, através de decisões contrárias e definitivas, ou seja, insuscetíveis de recurso.

São, assim requisitos para a existência de um conflito de jurisdições: (a) a existência de duas decisões judiciais sobre a mesma questão e (b) que as duas decisões em causa sejam definitivas, ou seja, que tenham transitado em julgado.

No quadro dos pressupostos exigidos pelo art. 109.º do CPC, invoca a Requerida NAV dois argumentos que, em seu entender, conduzem a que não estejamos perante um conflito negativo de jurisdições:

(a) O de que “as causas julgadas pelas duas jurisdições são formalmente diferentes, porquanto a Requerida apresentou duas diferentes petições que geraram dois diferentes processos cautelares” e

(b) O de que é “situação jus-processual diferente ter uma decisão transitada em julgado e ter uma decisão não suscetível de recurso transitada em julgado”.

Ora, quanto à 1.ª questão suscitada, o que a Requerida NAV refere, é ser um dos pressupostos para a existência de conflito de jurisdições que se esteja perante a mesma “causa (formal e substancial) nas duas jurisdições”, sendo que, no caso, tal não se verifica, uma vez que a Requerida apresentou duas diferentes petições que geraram dois diferentes processos cautelares, pelo que “as causas julgadas pelas duas jurisdições são formalmente diferentes”.

Acontece é que o art. 109.º, n.º 1, do CPC, exige apenas que esteja em apreço a mesma questão, melhor dizendo, que tribunais integrados em diferentes ordens jurisdicionais se tenham declaram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão, e não da mesma causa. Ou seja, e por outras palavras, o que o preceito em causa exige é exista identidade na questão substantiva subjacente a ambas as causas.

Com efeito, “formalmente” as causas são diferentes, já que foram apresentadas em jurisdições distintas, tendo cada procedimento cautelar tido início com petições iniciais “formalmente” diversas.

Porém, o que importa é que substancialmente esteja em causa a mesma questão, isto é, a mesma relação ou situação jurídica substancial. E, para sabermos se estamos perante a mesma relação ou situação jurídica substancial, há que verificar se existe identidade em três aspetos: sujeitos, pedido e causa de pedir. Nos termos do disposto no art. 581.º do CPC há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Assim:

(a) As partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial;

(b) Por sua vez, haverá identidade de pedidos se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter;

(c) Por fim, a identidade da causa de pedir pressupõe que o ato ou o facto jurídico de onde o autor pretende ter derivado o direito seja idêntico.

No caso em apreço, ambas as jurisdições se declararam incompetentes para decidir a mesma questão, é dizer, situação jurídica substancial. Com efeito, analisadas as petições iniciais apresentadas, verifica-se que a petição inicial apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é, no que interessa, uma reprodução ipsis verbis da petição inicial apresentada na 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa. As partes são as mesmas e existe identidade de pedidos (o que se pretende é sempre impugnar a decisão da Requerida NAV que excluiu a requerente da admissão ao concurso para recrutamento de controladores aéreos, requerendo como medida cautelar a suspensão de tal decisão e a sua reintegração no lote de concorrentes não excluídos). Por último existe, ainda, identidade da causa de pedir (a factualidade que sustenta os pedidos realizados, em ambas as petições iniciais, é a mesma).

Em suma, improcede o alegado pela Requerida NAV já que o art. 109.º n.º 1, do CPC não exige que “as causas sejam formalmente idênticas”, mas sim que a questão/situação jurídica substancial seja a mesma, o que se verifica in casu.

2.2. Quanto à 2.ª questão suscitada, considera a requerida NAV que é “situação jus-processual diferente ter uma decisão transitada em julgado e ter uma decisão não suscetível de recurso transitada em julgado”. Ou seja, em seu entendimento, não tendo a Requerente recorrido de nenhuma das decisões de incompetência em razão da matéria, proferidas pelo Tribunal de Trabalho e pelo Tribunal Administrativo e Fiscal, não se verifica a existência de um conflito negativo de jurisdição, porquanto não existe uma “decisão não susceptível de recurso transitada em julgado”.

Ora, a categoria de “decisão não susceptível de recurso transitada em julgado” referida pela requerida não é exigida, nem tão pouco mencionada, no art. 109.º do CPC. Com efeito, o que o tal preceito legal exige é apenas a existência de duas decisões não suscetíveis de recurso, sendo que, nos termos do art. 628.º do CPC, quando uma decisão não é suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, tal decisão considera-se transitada em julgado.

Portanto, e em síntese, o que o art. 109.º n.º 3, do CPC exige como pressuposto do conflito é a existência de duas decisões de facto transitadas em julgado, sendo indiferente a forma como se alcançou tal trânsito em julgado (se pelo esgotamento prévio de todas as formas de recurso, se pela inércia em utilizar as formas de recurso), bastando apenas e tão-só que inexista a possibilidade de recorrer.

Não assiste, pois, também, razão à Requerida, neste ponto.

3. Recorde-se que a questão que importa decidir prende-se com a questão de saber que tribunal será competente para conhecer da ação introduzida em juízo pela Requerente A…………….: se os tribunais administrativos, como pretende esta e resulta do despacho proferido pela 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa; se os tribunais comuns, como resulta da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e pretende a Requerida NAV, Portugal, E.P.E..

Constitui jurisprudência pacífica, o entendimento de que, os termos da ação, tal como ocorre como qualquer pressuposto processual, se aferem em face do pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio, tal como configurada pelo autor (cf., entre outros, o Ac. do Tribunal de Conflitos de 03-03-2011, o Ac. do Tribunal de Conflitos de 25-06-2015 e o Ac. do Tribunal de Conflitos de 09-07-2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt) É o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor, ou seja, a decisão de qual é o tribunal (jurisdição) competente há de ser feita de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respetivos fundamentos, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, 1963, pág. 89.).

Assim, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se ao pedido formulado pelo Autor e à causa de pedir que invoca, tendo-se em conta que a causa de pedir é o facto jurídico concreto de que emerge o direito que o autor se propõe fazer declarar (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2°, pág. 375).

Na situação sub judice, a Requerente A……………. solicitou “a proibição de exclusão da Requerente do concurso identificado nesta petição, a suspensão dessa exclusão e a reintegração ou admissão provisória da Requerente no lote dos concorrentes não excluídos, até decisão final na ação principal a ser proposta, com suspensão também provisória de quaisquer atos de pré-seleção e ou classificação dos concorrentes, bem como do início ou prosseguimento, sem a Requerente, do curso de formação que se seguiria aos testes de pré-seleção”.

Serve de fundamento a tais pretensões a circunstância de a Requerente se ter candidatado e ter sido admitida a um concurso externo para controlador de tráfego aéreo, aberto pela Requerida NAV Portugal, E.P.E., sendo que, posteriormente, e no âmbito de tal concurso, a mesma não foi admitida a realizar as provas de pré-seleção, tendo tal decisão, como fundamento, a condição excludente da reprovação anterior no teste apelidado FEAST, a Requerente ter já realizado tais provas e não ter dado a sua autorização para obtenção dos resultados das mesmas.

No plano interno o poder jurisdicional divide-se por diversas categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas.

Na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram. Trata-se, pois, de uma competência ratione materiae: a instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respetiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes.

Conforme resulta dos arts. 211.º n.º 1, da CRP e 64.º do CPC, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo exceção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente atribuídas.

Especificamente no que toca à competência dos tribunais administrativos estabelece o art. 212°, n.° 3, da CRP, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. No mesmo sentido, estabelece o art. 1°, n.° 1, do ETAF que “os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.

Retomando o critério material de distinção do conceito de relação jurídica administrativa, (conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público) (Cf. por exemplo Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, pág. 79, que define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.

Na opinião dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa — Anotada”, 3ª ed, pág. 815, “estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico administrativas (ou fiscais) (nº 3 in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal.”.), importa agora ver a esta luz as várias alíneas do art. 4º do ETAF, começando pela al. e), do n.º 1, única suscetível de estar em causa nos presentes autos, já que da mera leitura das restantes resulta serem as mesmas manifestamente inaplicáveis aos autos.

A opção tomada nesta alínea e), traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente da qualidade das partes nele intervenientes (de intervir aí uma ou duas pessoas coletivas de direito público ou apenas particulares), e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria relação contratual), eles serem contratos administrativos ou contratos de direito privado (civil, comercial, etc.) (Cf. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, Almedina, 2004, págs. 48 e ss..)

Assim, nos termos da citada alínea, compete à jurisdição administrativa o conhecimento dos litígios relativos:

i) À validade de atos pré-contratuais (que portanto antecedem atos de celebração de contratos), a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por nomas de direito público;

ii) Ainda, à interpretação, validade e execução dos contratos referidos na al. i).

Porém, e como se viu, nos termos do art. 4.º n.º 3, al. d), do ETAF, ficam excluídos da jurisdição administrativa os litígios contratuais entre a Administração e aqueles que a servem ao abrigo de um contrato individual de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público.

Assim, não obstante muitos dos contratos individuais de trabalho da Administração Pública serem (ou poderem ser) precedidos de procedimentos de direito público, a regra de jurisdição administrativa da al. e), do n.º 1, deste art.º 4 não se aplica a tais contratos, prevenindo assim, nas palavras de Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (In “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, Almedina, 2004, págs. 68 e seg.), “que os tribunais administrativos ficassem entupidos pelo elevado número desses processos.”.

Importa então ver se existe uma lei específica que submeta os atos pré-contratuais em questão a normas de direito público.

No caso em apreço, estão em causa atos pré-contratuais tendentes à celebração de um contrato de trabalho entre uma particular (a Requerente A…………….) e uma entidade pública empresarial, assumindo a Requerida NAV Portugal, E.P.E. tal natureza, atento o disposto no art. 1.º dos seus Estatutos, aprovados pelo DL 74/2003, de 16 de abril:

“A Empresa Pública Navegação Aérea de Portugal. NAV, E.P., criada pelo Decreto-Lei n.º 404/98, de 18 de Dezembro, passa a denominar-se Navegação Aérea de Portugal -NAV Portugal. E.P.E., abreviadamente designada por NAV Portugal, E.P.E.”

Ora tal contrato de trabalho, eventualmente a celebrar, assumirá natureza privada. Atento o disposto no art. 2.º dos Estatutos da NAV que prevê a legislação subsidiária aplicável, e o que resulta do art. 17.º do DL 133/2013, de 3 de outubro (que aprovou o regime jurídico do sector público empresarial), segundo o qual, “1 – Aos trabalhadores das empresas públicas aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho. 2 – A matéria relativa à contratação coletiva rege-se pela lei geral.”

Tal solução (da natureza privada do contrato de trabalho a celebrar) decorre, também, do disposto no art. 2.º da Lei 35/2014, de 20-06, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que exclui do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresariais.

Uma vez que o que está em causa é a apreciação da legalidade da decisão tomada pela Requerida NAV Portugal, EPE, em fase pré-contratual, a saber, no âmbito do concurso externo para controlador de tráfego aéreo, importa como já se disse, verificar se existe alguma lei específica que submeta tal fase a normas de direito público.

A resposta é negativa.

Com efeito, o DL 18/2008, de 29-01, que aprovou o Código dos Contratos Públicos, único diploma legislativo que hipoteticamente poderia ser aplicável ao caso em apreço, não o é, atento o disposto no seu art. 4.º, n.º 2, al. a), que exclui do seu âmbito de aplicação os contratos de trabalho em funções públicas e os contratos individuais de trabalho, inexistindo qualquer outra lei específica que submeta tal fase a normas de direito público.

Aliás, tal decorre quer do anúncio do concurso em causa nos autos (cf. fls. 15), não constando do mesmo a referência a qualquer norma de direito público aplicável, quer da petição(ões) inicial(is) apresentada(s), onde não existe nenhuma lei específica que submeta o concurso em causa nos autos a normas de direito público é invocada.

Mais, o despacho proferido pela 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa (cf. fls. 156 e ss.) limita-se a afirmar a natureza administrativa do ato de exclusão da requerente do concurso em causa, sem que, contudo, justifique tal afirmação, sendo que a inexistência no momento presente de qualquer relação jurídico-laboral, não afasta a competência dos tribunais do trabalho, pois que, nos termos do art. 126.º, n. 1º, al. b), da LOSJ, a mesma abrange as “relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”.

Consequentemente, consideramos que serão os tribunais comuns os competentes para conhecer do pleito (art. 126.º, n.º 1, al. b), da LOSJ).

D – DECISÃO

Com os fundamentos expostos se acorda em resolver o presente conflito de jurisdição, atribuindo a competência para o conhecimento da questão à 1.ª Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Lisboa.

Lisboa, 18 de fevereiro 2016. – José Adriano Machado Souto de Moura (relator) – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – João Moreira Camilo – António Bento São Pedro – António dos Santos Abrantes Geraldes – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.