Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:026/21
Data do Acordão:01/19/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por depositante em banco intervencionado, contra, nomeadamente, aquele banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos estes réus, sendo imputados aos primeiros a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou à mediação de títulos mobiliários, sendo o Fundo de Resolução demandado apenas na qualidade de titular do capital do banco de transição.
Nº Convencional:JSTA000P28828
Nº do Documento:SAC20220119026
Data de Entrada:09/17/2021
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA – JUIZ 6 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍCULO DE LISBOA – JUÍZO COMUM – 4ª UNIDADE ORGÂNICA
AUTORA: A………… E OUTROS
RÉU: B………… SA E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 26/21

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1.Relatório
A…………, C………… e D…………, identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), acção administrativa contra o Banco E…………, SA, o B…………, SA, e o Fundo de Resolução pedindo a condenação solidária dos Réus numa indemnização de €974.100,94, acrescida de juros contratuais bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, e a pagarem a cada um dos AA. a quantia de € 20.000,00, título de danos não patrimoniais.
Em acção anteriormente intentada contra os mesmos RR., o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 6 [Proc. n.º 18334/16.0T8LSB], por decisão de 15.01.2018, julgou-se incompetente em razão da matéria, por considerar que “atendendo à forma como os autores configuraram a presente acção, formulando um pedido de condenação solidária de todos os réus” e por “a qualidade em que o Fundo de Resolução interveio na criação do B………… afere-se com base nas relações jurídico-administrativas existentes entre ele e aquele banco de transição (…) para as quais apenas os tribunais administrativos detêm competência” (…) “por via do preceituado no nº 2 do art. 4º do ETAF, a componente jurídico-publica propaga-se à totalidade do respectivo objecto, afastando a competência dos tribunais comuns e atribuindo-a aos tribunais da jurisdição administrativa” [cfr. doc. A, junto com a p.i.].
Em seguida, os AA. propuseram a presente acção junto do TAC de Lisboa que, por decisão de 27.04.2021 e com apoio na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos julgou que “os tribunais administrativos são incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção”.
Suscitado oficiosamente a resolução do conflito no TAC de Lisboa, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.
Ainda no TAC de Lisboa e em resposta a notificação do despacho em que era suscitada a resolução do conflito, o B………… pronunciou-se pela competência dos Tribunais Administrativos.

Neste Tribunal dos Conflitos as partes, notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do art. 11º da Lei n.º 91/2019, nada disseram.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer do pedido deduzido pelos AA contra todos os RR. deverá ser atribuída aos tribunais judiciais.

2. Os Factos
Os factos provados com interesse para a decisão do presente conflito de jurisdição são os constantes do Relatório.

3. O Direito


A questão que cumpre apreciar e decidir é apenas a de definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção
caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito n° 39/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 31/18 e 46/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito n.º 60/19 e de 08.07.2021, Conflito n.º 57/19 e de 25.06.2020, Conflito n.º 59/19]. Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remeteremos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (B………… SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (E…… SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
(…)
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «B…………» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao E........ no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do B………… - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em "Manual de Processo Administrativo", Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais judiciais – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 6 - para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o E…………, SA, e o B…………, SA e o Fundo de Resolução.
Sem custas.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2022. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.