Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:09/16
Data do Acordão:07/07/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:CONLITO DE JURISDIÇÃO
CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:I - Existe conflito negativo de jurisdição quando dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer a mesma questão, através de decisões transitadas (art. 109 2 e 3 do CPC).
II - Não existe um verdadeiro conflito de jurisdição, não obstante estarmos perante duas decisões transitadas em julgado declinando a competência proferidas por tribunais de ordens jurisdicionais diversas, se essas decisões forem proferidas em ações distintas (onde os sujeitos e a causa de pedir eram parcialmente diversos) e onde questões relevantes para a atribuição da competência não foram apreciadas em ambos os processos.
Nº Convencional:JSTA000P20779
Nº do Documento:SAC2016070709
Data de Entrada:02/12/2016
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O 3º JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA.
AUTOR: MASSA INSOLVENTE DA A……………., LDA.
RÉU: ESTADO PORTUGUÊS E OUTROS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
1.Relatório

1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO veio requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição, porquanto na acção administrativa comum – forma ordinária n.º 833/11.2BELRA instaurada no TAF de Leiria o referido Tribunal julgou incompetente a jurisdição administrativa, por decisão já transitada em julgado, sendo que por sentença igualmente transitada em julgado o 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Leiria, no processo n.º 2307/09.2TBLRA declarou incompetentes os Tribunais Judiciais.

1.1. Na base do conflito está um pedido de condenação do réu Estado Português, entre outros demandados, em sede de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sendo a causa de pedir uma actuação concertada dos réus particulares e a solicitadora de execução.

1.2. Entendeu o TAF de Leiria, em síntese que o agente de execução não exerce nem participa da função jurisdicional, não integra o tribunal, pelo que os pedidos de indemnização estão subtraídos à jurisdição administrativa;

1.3. Entendeu o Tribunal Judicial de Leiria que o agente de execução é um auxiliar da justiça, actuando no exercício de actividades de gestão pública e portanto a responsabilidade do Estado e do agente de execução deve ser julgada nos Tribunais Administrativos. A responsabilidade dos demais réus (particulares) não é cindível, por entendeu estarmos perante litisconsórcio necessário e, portanto, também a mesma deve ser apreciada nos Tribunais Administrativos.

1.4. Foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal de Conflitos.

1.5. Neste Tribunal de Conflitos, foram ouvidas as partes, que nada disseram.

1.6. O MP emitiu parecer no sentido do presente conflito ser resolvido atribuindo a competência aos Tribunais Judiciais.

1.7. Colhidos os vistos foi o processo submetido ao Tribunal de Conflitos para julgamento

2. Fundamentação

2.1 Matéria de facto

Os factos e ocorrências processuais relevantes para julgamento do conflito são os seguintes:

a) A Massa Insolvente da sociedade A…………LDA instaurou, no TAF de Leiria, contra 16 réus, onde se incluía o ESTADO PORTUGUÊS uma acção administrativa comum – forma ordinária, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 350.000,00 euros e juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

b) O referido montante corresponde ao prejuízo alegadamente sofrido em virtude de arresto dos bens da autora, traduzindo a diferença entre o valor dos bens quando arrestados (500.000,00 euros) e o valor a venda no processo de insolvência (€ 100.000,00 euros).

c) Aos 13º primeiros réus (que se arrogavam de credores da autora) e à agente de execução imputa várias deficiências na remoção dos bens, designadamente a de que na data em que foram removidos os bens já havia um pedido de insolvência da autora;

d) Ao 14º réu imputa os factos conexionados com o armazenamento dos bens num seu armazém, que passou a usá-los como se fossem seus, em acção concertada com os outros 13 réus;

e) Ao 15º réu por, poucos dias depois do arresto, ter levantado alguns bens do estabelecimento da autora que – se não fora o arresto – não teria conseguido, agindo desse modo concertadamente com os demais;

f) O 16º réu – o ESTADO PORTUGUÊS – é demandado por lhe ser imputada a responsabilidade pelos actos praticados pela solicitadora de execução, relativamente ao arresto dos bens.

g) O mesmo autor intentou no Tribunal de Leiria uma acção com base nos mesmos factos e com idêntico pedido, na qual figuravam como réus os 15 réus acima referidos e como 16º réu a agente de execução.

2.2. Matéria de Direito

2.2.1. Origem do conflito

O presente conflito surge da diversa qualificação jurídica da actuação do agente de execução, num arresto aos bens da ora autora, decretado pelo tribunal. A autora pede a condenação de vários réus (quem pediu o arresto, quem armazenou os bens, quem levantou alguns dos bens e o Estado pela actuação do agente de execução) pelos danos emergentes da diferença de valor entre os bens no momento do arresto e no momento da venda em processo de insolvência. Com efeito ambos os Tribunais recusaram competência para julgar a acção que neles foi interposta, por qualificarem diversamente a actuação do agente de execução. Ambas as decisões transitaram em julgado.

2.2.2. Posição do Tribunal Judicial

O Tribunal Judicial de Leiria começou por referir que “para além da Senhora Solicitadora de Execução, são demandados mais 15 pessoas (singulares e colectiva) que não assumem o estatuto de auxiliar da justiça”. Todavia, continua a mesma decisão, “… não é possível cindir a presente demanda em duas acções distintas (uma a correr por este Tribunal e outra a correr pelos tribunais administrativos), porquanto está em causa, de acordo com a causa de pedir, uma situação de litisconsórcio necessário passivo (artigo 28º,n.ºs 1 e 2 e 29º do CPC). Na verdade, a natureza da actuação (concertada) imputada aos réus exige a sua intervenção conjunta na acção, de modo a que a decisão a proferir produza todo o seu efeito útil e não seja contraditada por outra de conteúdo diverso, proferida por outra jurisdição. Assim sendo, e no caso em apreço, tratando-se de ter de efectivar a responsabilidade aquiliana do Estado Português, tal como ressalta da matéria articulada na petição, são competentes os tribunais administrativos.” Note-se, que nesta acção a autora não tinha indicado o Estado como réu. No elenco dos réus figurava a agente de execução – B………….. - como 14ª ré, mas não o Estado Português.

2.2.3. Posição do TAF

Na acção instaurada no TAF de Leiria a autora não indicou a agente de execução como réu, tendo todavia indicado com essa qualidade e em 16º lugar, o Estado Português. Nesta acção o TAF de Leiria no despacho saneador julgou o tribunal materialmente incompetente: “(…) Tudo visto e sopesado, julgamos que i) o agente de execução não exerce nem participa na função jurisdicional, (ii) não integra o tribunal enquanto órgão de soberania, pelo que (iii) os pedidos de indemnização devidos por alegados atos ilícitos praticados por agente de execução são alheios ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e, como tal (iv) subtraídos à jurisdição administrativa. E, porque assim, é este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer a pretensão formulada nos presentes autos.”.

2.2.4. Posição do MP

A Ex.ma Procuradora Geral - Adjunta, neste Tribunal de Conflitos, emitiu parecer no sentido da competência ser atribuída aos tribunais judiciais, por entender – em síntese - que a actividade do agente de execução deverá submeter-se ao regime de responsabilidade geral, por não ser um funcionário do Estado, não receber ordens ou instruções do Estado, nem ser remunerado pelo Estado e o Estado não ser responsável por culpa in elegendo, pois nem sequer é responsável pela sua nomeação, sendo antes escolhido pelo exequente. Invoca ainda a jurisprudência do STJ no sentido da actividade do Agente de Execução estar excluída da responsabilidade extracontratual do Estado, por não se encontrar abrangida no âmbito do art. 5º, n.º 1, da Lei 67/07, de 31/12 – acórdãos do STJ de 11/4/13, rec. 5548/09 e de 6/7/011, rec. 85/08.

2.2.5. Existência de conflito

A primeira questão que se coloca é a de saber se estamos perante um conflito, uma vez que foram intentados dois processos separadamente, com a particularidade de as partes em cada um deles não serem exactamente as mesmas: na acção intentada no Tribunal Judicial é ré a agente de execução, que não figura na acção intentada no Tribunal Administrativo; e na acção intentada neste Tribunal é réu o Estado Português, que não figura com essa qualidade na outra acção.

Há conflito negativo de jurisdição quando dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer da mesma questão, através de decisões transitadas em julgado - art. 109º, 2 e 3 do CPC.

No presente caso, não existem decisões declinando a competência sobre todas as questões de cada um dos processos, uma vez que embora tenham origem na mesma realidade factual, os réus não são os mesmos em ambos os processos. Basta pensar que, relativamente à incompetência para conhecer a acção contra o Estado Português só existe uma decisão: a do tribunal Administrativo. Ou seja, existem aspectos da questão da competência relativamente aos quais não há ainda pronúncia declinando a competência dos tribunais de ambas as jurisdições.

É certo que o art. 114º do CPC manda aplicar as regras sobre a resolução de conflitos de competência e de jurisdição, “a quaisquer outros conflitos” e também a casos em que a mesma acção esteja pendente em tribunais diferentes, quando seja criado um impasse processual com a pronúncia de decisões contraditórias sobre a competência.

Todavia, no presente caso, não estamos perante situações previstas no aludido preceito legal. Não estamos perante um conflito típico em que relativamente a todas as questões de cada um dos processos tenha havido pronúncia sobre a competência, como acima referimos.

Também não estamos perante a mesma acção – intentada em tribunais diferentes - uma vez que, neste caso, foram intentadas duas acções contra réus em parte idênticos, mas em parte diferentes. A mesma acção, a que se referem o art. 114º, a, b) e c) do CPC é aquela em que os sujeitos, o pedido e a causa de pedir sejam idênticos – cfr. art. 581º, 2, do CPC. Só podemos considerar acções idênticas quando o sejam na totalidade, como parece óbvio; se houver diferenças, não há identidade.

Deste modo, não estando perante um conflito negativo de jurisdição deve indeferir-se o pedido da sua resolução.

3. Decisão

Face ao exposto os juízes do Tribunal de Conflito por entenderem que não há conflito indeferem o pedido da sua resolução (art.º. 113º, 1 do CPC).

Sem custas.

Lisboa, 7 de Julho de 2016. – António Bento São Pedro(relator) – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Ernesto António Garcia Calejo – Jorge Artur Madeira dos Santos – Fernanda Isabel de Sousa Pereira.