Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016/07
Data do Acordão:01/17/2008
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANTÓNIO BERNARDINO
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE TRABALHO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:É competente em razão da matéria o tribunal tributário, e não o tribunal do trabalho, para conhecer do pedido de condenação dos réus a reconstituir retroactivamente o contexto contributivo do autor junto da previdência social, inscrevendo-o e fazendo a entrega das contribuições sociais na instituição respectiva.
Nº Convencional:JSTA00064823
Nº do Documento:SAC20080117016
Data de Entrada:06/26/2007
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DO TRABALHO DE BRAGA E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO.
Objecto:AC RP.
Decisão:NEGADO PROVIMENTO.
DECL COMPETENTE TRIBUNAL TRIBUTÁRIO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - RECONHECIMENTO DIRINT LEGIT.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:CPC96 ART66 ART67 ART107 N2 ART115 N1.
CONST97 ART211 N1 ART212 N3.
LOFTJ99 ART18 N1 ART85.
ETAF02 ART1 N1 ART4 N1 A N3 D ART49 N1 A C.
L 28/84 DE 1984/08/14 ART24.
L 17/2000 DE 2000/08/08 ART60 ART62.
L 32/2002 DE 2002/12/20 ART45 ART47 N1.
L 4/2007 DE 2007/01/16 ART56 N1 ART59 N1.
Jurisprudência Nacional:AC CONFLITOS PROC2/04 DE 2004/10/27.; AC CONFLITOS PROC3/06 DE 2006/10/04.
Referência a Doutrina:ILÍDIO DAS NEVES DIREITO DA SEGURANÇA SOCIAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NUMA ANÁLISE PROSPECTIVA 1996 PAG366.
LEITE FERREIRA CÓDIGO DO PROCESSO DO TRABALHO ANOTADO 4ED PAG80 PAG81.
Aditamento:
Texto Integral: A… propôs, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra B… e mulher C…, acção com processo comum, pedindo que seja declarada a nulidade do seu despedimento e a condenação dos réus à reconstituição retroactiva do contexto contributivo dela, autora, junto da previdência social e a pagar-lhe a quantia global de € 5.254,88, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, alega ter sido admitida ao serviço dos réus em 1 de Novembro de 1997, como empregada de serviço doméstico, mediante a remuneração mensal de € 322,66 e que exerceu funções para os mesmos até 10 de Janeiro de 2005, data em que foi despedida sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar.
Alega, ainda, que os réus não lhe pagaram qualquer compensação, nem as quantias respeitantes a férias e subsídios de férias e de Natal vencidos em 1 de Janeiro de 2005 e proporcionais referentes ao trabalho prestado durante o ano de 2005, bem como não fizeram qualquer pagamento à Segurança Social relativo a todo o período em que vigorou o contrato de trabalho.
Não tendo sido alcançado acordo na audiência de partes, o processo seguiu seus termos, tendo os réus apresentado contestação, na qual, em síntese, impugnaram a factualidade alegada pela autora e alegaram que esta apenas prestou serviços domésticos sem a existência de qualquer vínculo de natureza laboral, sendo certo que tal contrato de prestação de serviços cessou por acordo entre as partes, pelo que nada é devido à demandante.
Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual se concluiu pela incompetência do tribunal do trabalho para conhecer do pedido referente à falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, “apesar de a relação contributiva depender da relação laboral”, e se condenaram os réus a pagar à autora a quantia de € 671,84 a título de remunerações correspondentes a direito a férias não gozadas e subsídios de férias e de Natal, acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento. Quanto ao mais peticionado, foram os réus absolvidos.
Da sentença interpôs a autora o pertinente recurso de apelação, que restringiu à parte em que, naquela, se julgou o tribunal do trabalho incompetente para conhecer da matéria respeitante à falta de pagamento das contribuições devidas à Segurança Social.
Não logrou, porém, qualquer êxito, pois a Relação do Porto julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
Inconformada, a autora interpôs recurso de revista, que foi admitido pela relatora na Relação.
Remetido o processo ao STJ, onde foi objecto de distribuição, proferiu o relator douta decisão, em que considerou não ser admissível o recurso de revista, não podendo o Supremo dele conhecer, já que este Alto Tribunal não tem jurisdição sobre os tribunais do contencioso administrativo e fiscal, “competindo ao Tribunal dos Conflitos fixar definitivamente se a causa pertence ao tribunal do trabalho ou aos tribunais administrativos e fiscais”.
Entendeu, porém, em nome do princípio geral de aproveitamento do processado (art. 105°/2 do CPC) e do princípio da cooperação (art. 266°/1 do mesmo Código), remeter o processo para o Tribunal dos Conflitos.
Aqui, o Ex.mo magistrado do M°P° emitiu douto parecer no qual conclui que
- os Tribunais do Trabalho não têm competência directa para a imposição aos réus do cumprimento das suas obrigações para com a Segurança Social;
- pelos fundamentos em que assentou o acórdão recorrido, não se verifica a conexão objectiva, adveniente da interligação dos vários pedidos, susceptível de justificar a competência por conexão, do Tribunal do Trabalho de Braga, para aquele pedido formulado pela autora; e que
- a competência para a questão em causa está cometida aos Tribunais Administrativos e Fiscais, de acordo com os arts. 212°/3 da CRP e 4°/1.a) do ETAF.
As partes foram notificadas do dito parecer, e, de seguida, o relator proferiu despacho em que considerou nada obstar ao conhecimento do mérito do recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2.
Objecto do recurso é apenas a questão apreciada na Relação: a de fixar qual o tribunal competente, em razão da matéria, para o pedido, formulado pela autora no Tribunal do Trabalho de Braga - cumulativamente com o pedido de declaração de nulidade do seu despedimento e de pagamento de férias e subsídios de férias e de Natal - de condenação da entidade patronal a inscrevê-la na Segurança Social e a efectuar as correspondentes contribuições sociais.
Para a decisão ter-se-á em conta o seguinte quadro factual, que vem assente das instâncias:
1) A autora laborou na residência habitacional dos réus, sob direcção e fiscalização destes, ininterruptamente e sem qualquer hiato temporal, desde 1 de Novembro de 1997 até 10 de Janeiro de 2005, ao abrigo de um contrato de trabalho verbal sem estipulação de prazo de vigência;
2) Integrando a categoria profissional de empregada de serviço doméstico, realizando - durante três dias por semana, da parte da tarde - tarefas conexas com a satisfação das necessidades próprias e específicas do agregado familiar dos réus, mormente confecção de refeições, lavagem e tratamento de vestuário, limpeza e arrumo da casa, vigilância e assistência dos descendentes dos réus, conforme orientações e instruções recebidas daqueles, mediante a remuneração de € 24,82 por dia;
3) O referido contrato cessou no dia 10 de Janeiro de 2005, tendo os réus pago à autora, na altura, a quantia de € 500,00, como forma de a compensarem pelo seu bom desempenho durante o período de tempo em que se ocupou da casa de habitação e dos filhos dos réus;
4) Os réus não efectuaram a inscrição da autora na Segurança Social, nem entregaram as respectivas contribuições.
3.
Vejamos, pois, a questão.
Assinale-se, antes de mais, que não é de um “puro” conflito de jurisdição, tal como o conforma o n.° 1 do art. 115º CPC, que aqui se cura. Não estamos perante situação em que dois (ou mais) tribunais, pertencentes a ordens jurisdicionais diferentes, reivindicam ou enjeitam o poder de conhecer da mesma questão. A competência do Tribunal dos Conflitos radica, no caso em apreço, na norma do n.° 2 do art. 107° do mesmo diploma, que consagra um recurso que funciona, não como um meio de solução de conflito existente, mas antes como meio de prevenção de conflito futuro, através da prolação de uma decisão que define, com força de caso julgado material, fora desta acção, a competência ou do foro civil (laboral) ou do foro administrativo, relativamente à concreta questão aqui em apreço.
Dito isto, avancemos.
No plano interno, o poder jurisdicional é, antes de mais, dividido por diferentes categorias de tribunais, dispostos “horizontalmente”, de acordo com a natureza da matéria das causas.
A Constituição estabelece logo, no seu art. 211º/1 o princípio da plenitude da jurisdição comum, estatuindo que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurisdicionais.
Aos tribunais administrativos e fiscais atribui a Lei Fundamental a competência para o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (art. 212°/3).
Em consonância com o texto constitucional, o art. 18°/1 da LOFTJ consagra a competência dos tribunais judiciais - entre os quais se contam os tribunais do trabalho, como tribunais de competência especializada - para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. Em termos idênticos dispõe o CPC, no seu art. 66°, logo acrescentando, no art. 67°, que “(as) leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada”.
E, efectivamente, a competência dos tribunais do trabalho em matéria cível vem, tal como prevê este art. 67°, enunciada no art. 85° daquela aludida lei de organização judiciária - a LOFTJ.
No que concerne à competência dos tribunais administrativos e fiscais importa ter em atenção os preceitos aplicáveis do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro (com as alterações das Leis 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e pela Lei 107-D/2003, de 31 de Dezembro), que, na actuação e implementação do preceito constitucional ultimamente citado, dispõe, logo no seu art. 1º/1, que “(os) tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Também o art. 4º, dispondo sobre o âmbito da jurisdição, estatui que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto, inter alia, a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal [nº1, al. a)], do mesmo passo que exclui do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, entre outras matérias, a “apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, que não conferem a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público” [n.° 3, al. d)].
Mais especificamente, em relação à competência dos tribunais tributários, o art. 49° do ETAF insere, no vasto elenco das matérias abrangidas, o conhecimento “(d)as acções destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal” [n.° 1, al. a)], sendo certo que norma de idêntico conteúdo já constava do anterior ETAF, aprovado pelo Dec-Lei 128/84, de 27 de Abril.
3.1. O que, em princípio, releva para a apreciação da competência em razão da matéria são os termos em que a acção é proposta, o modo como o autor estrutura o pedido e os respectivos fundamentos; ela afere-se, pois, pelo quid disputatum ou quid decidendum.
Com a acção intentada no Tribunal do Trabalho de Braga, a autora, invocando uma relação contratual de serviço doméstico com os réus, que perdurou entre 01.11.1997 e 10.01.2005 e a que estes puseram termo através de despedimento sem justa causa, pediu a declaração de nulidade do seu despedimento e a condenação dos demandados a pagar-lhe a quantia global de € 5.254,88, acrescida dos respectivos juros moratórios, por créditos emergentes dessa relação laboral, respeitantes a férias, subsídios de férias e de Natal; e, porque estes não fizeram a sua inscrição na Segurança Social, nem, consequentemente, efectuaram o pagamento da correspondente e devida contribuição no período em que vigorou o contrato de trabalho, pediu ainda que eles fossem condenados a regularizar a respectiva situação contributiva, e a efectuar, perante a instituição de segurança social, os descontos em falta.
Como vimos, a primeira pretensão, escudada na relação laboral, foi apreciada e decidida pelo Tribunal do Trabalho de Braga, em termos definitivos. Já a segunda, para a qual o Tribunal se reputou incompetente em razão da matéria, com o aplauso da Relação, permanece inapreciada no seu mérito, dependente que está da determinação do tribunal materialmente competente para dela conhecer.
Este segundo pedido da autora insere-se, sem margem para dúvidas, no âmbito da relação jurídica contributiva, e visa assegurar o cumprimento, pela entidade empregadora, da respectiva obrigação contributiva, que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a estabelecer. Com efeito, quer a Lei 28/84, de 14 de Agosto (art. 24°), quer a Lei 17/2000, de 8 de Agosto (arts. 60° e 62°), quer a Lei 32/2002, de 20 de Dezembro (arts. 45° e 47°/1), quer finalmente a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro (arts. 56°/1 e 59°/1) impõem a obrigação de contribuição para os regimes de Segurança Social aos beneficiários e, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, às respectivas entidades empregadoras, estabelecendo mesmo a responsabilidade destas pelo pagamento das quotizações dos trabalhadores ao seu serviço, pelo que devem, para o efeito, proceder, no momento do pagamento das remunerações, à retenção na fonte dos valores correspondentes, e fazer o respectivo pagamento juntamente com a contribuição própria.
A obrigação contributiva da entidade empregadora constitui-se - como também decorre dos diplomas citados - com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço.
Está, assim, delineada, nestes diplomas, uma relação jurídica bilateral, de natureza contributiva, que impõe à entidade empregadora a obrigação de efectuar uma prestação pecuniária (a contribuição), correspondendo a tal obrigação o direito da Segurança Social a essa prestação. Embora fundada na relação laboral, esta relação jurídica contributiva não se confunde com ela, e apenas incide sobre um dos sujeitos da relação laboral, a entidade empregadora, pois que, como vimos, é esta a responsável pelo pagamento, mesmo na parte respeitante ao trabalhador.
Como se refere nos acórdãos deste Tribunal dos Conflitos n.° 02/04, de 27.10.2004, e n.° 03/06, de 04.10.2006 Podem ser consultados em www.dgsi.pt. no âmbito desta relação jurídica contributiva a entidade empregadora não está constituída perante o trabalhador em qualquer dever jurídico; é perante as instituições de Segurança Social, que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente tendo poderes para intervenções coactivas, que as entidades empregadoras têm de cumprir a sua obrigação contributiva.
Os aludidos acórdãos são igualmente conformes no entendimento - que aqui também se acolhe e que, aliás, se abona em recente jurisprudência do STA Acs. de 05.06.2002 e de 11.02.2004, disponíveis na base de dados do ITIJ. e nalguma doutrina ILÍDIO DAS NEVES, Direito da Segurança Social - Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, 1996, pág. 366 e ss. que citam - de que as contribuições para a Segurança Social, enquanto verdadeiras quotizações sociais, não são impostos ou taxas, mas imposições parafiscais: embora apresentem grandes semelhanças com os impostos, partilhando das características destes (patrimonialidade, obrigatoriedade, afectação a entidades públicas), contêm, em vários domínios do seu regime jurídico, algumas especificidades que deles as distinguem - designadamente quanto às finalidades, forma de criação e modificação, e natureza dos organismos em favor dos quais são atribuídos - e que melhor se acomodam à tese da parafiscalidade.
3.2. Esta natureza “parafiscal” da obrigação contributiva abre caminho à decisão da questão aqui em apreço.
É certo que a questão (mais vasta) da competência jurisdicional para a apreciação da matéria do direito da Segurança Social, não tem tido, por parte do legislador, um tratamento uniforme ao longo do tempo.
Não interessando, aqui e agora, uma exposição retrospectiva da legislação que se foi sucedendo a regular a matéria De resto, bem explicitada no acórdão 02/04 deste Tribunal, já citado., deverá, no entanto, salientar-se - em completa sintonia com o que vem expresso nos dois já aludidos arestos deste Tribunal - que, após uma primeira fase em que os Tribunais do Trabalho abarcavam todas as competências jurisdicionais nessa matéria Era assim no domínio da Lei 2115, de 18.06.1962, que continha a disciplina que imediatamente antecedeu a da
Lei 28/84 (cfr. Dec. 45.266, de 23.09.1963 e CPTT, aprovado pelo Dec-Lei 45.497, de 30.12.1963)., foi-se assistindo, depois, a um crescente recurso, pelo legislador, à jurisdição fiscal, no âmbito da obrigação contributiva, e à jurisdição administrativa no âmbito da obrigação prestacional São disso exemplo os Dec-Lei 511/76, de 3 de Julho, e 348/80, de 3 de Setembro, a Lei 28/84, já citada, e o Cód. Proc. Tributário, aprovado pelo Dec-Lei 154/91, de 23 de Abril e o Dec-Lei 42/2001, de 9 de Fevereiro.
“Verificou-se, assim, uma intervenção crescente da jurisdição tributária em conflitos emergentes da relação jurídica contributiva (que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, se efectiva como relação jurídica bilateral, entre a entidade empregadora e a instituição da Segurança Social)”; e “verificou-se também uma intervenção crescente da jurisdição administrativa nos conflitos emergentes da relação jurídica prestacional (que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, se estabelece entre o beneficiário e a instituição da Segurança Social)” - o que se explica, quanto a esta (relação jurídica prestacional), com o facto de a actividade da instituição da Segurança Social se inserir na actividade administrativa indirecta do Estado, e quanto à primeira (relação jurídica contributiva), com a já assinalada natureza parafiscal da obrigação contributiva.
Assim, e revertendo ao caso em apreço, parece inquestionável que a acção, na parte em que versa sobre a relação jurídica contributiva, e sobre eventual obrigação dos réus, enquanto sujeitos passivos dessa obrigação, perante a Segurança Social, tem por objecto matéria que é da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. os acima citados arts. 4º e 49°/l .c) do ETAF), já que tal obrigação tem, como vimos, natureza parafiscal.
3.3. Esta conclusão - alcançada a partir de uma operação positiva de subsunção da matéria em causa às regras definidoras da competência material dos tribunais administrativos e fiscais - é, por si, decisiva para a solução da questão que vimos analisando.
Na verdade, encontrada norma legal atributiva da competência a um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, fica logo afastada a competência dos tribunais do trabalho, face às regras dos arts. 66° do CPC e 18°/l da LOFTJ, que, à partida, limitam a competência dos tribunais judiciais às causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Todavia, face ao discurso da recorrente, e ao modo como esta perspectiva a questão em apreço, avançaremos um pouco mais, analisando a sua argumentação.
A obrigação contributiva da entidade empregadora tem como pressuposto, no caso em apreço, a existência de um contrato de trabalho.
E, no entendimento da recorrente, tal obrigação é indissociável da relação laboral que tem como matriz, o que determina a competência, não directa, mas por conexão - de harmonia com o estatuído na alínea o) do art. 85° da LOFTJ - dos tribunais do trabalho.
Será assim?
No alargado rol das competências, em matéria cível, dos tribunais do trabalho, elencado no art. 85° da LOFTJ, contém-se, na citada alínea o), a de conhecer “(d)as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.
A propósito deste normativo, LEITE FERREIRA, depois de acentuar que apenas releva, para efeitos de competência, a conexão objectiva em sentido restrito, ou seja, a que emana da interligação dos diversos pedidos, precisa o seguinte:
“Em qualquer dos seus aspectos, a conexão objectiva pressupõe uma causa dependente de outra. Mas, na acessoriedade, a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal ainda que tenha por finalidade garantir as obrigações derivadas da relação fundamental. Na complementaridade, ambas as relações são autónomas pelo seu objectivo, mas uma delas é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra. Em consequência disso, a competência do órgão jurisdicional projecta-se sobre a questão complementar na medida em que esta sofre a influência daquela. Na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma como na complementaridade. Simplesmente, o nexo entre ambas é de tal ordem que a relação dependente não pode viver desligada da relação principal Cod. de Proc. do Trabalho anotado 4ª ed., pág.80/81..
Face a este entendimento, afigura-se-nos certo que não se verifica, in casu, a conexão a que se reporta o preceito legal acima transcrito.
Na verdade, se é certo, como acima ficou afirmado, que a relação jurídica contributiva se estabelece tendo como pressuposto a existência de um contrato de trabalho, verdade é também que ela não emerge de relação conexa com a relação de trabalho. Ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado. No âmbito desta relação jurídica - já o dissemos, mas vale a pena repeti-lo - a entidade empregadora não se acha constituída em qualquer dever jurídico perante o trabalhador: a sua obrigação contributiva existe face à Segurança Social e é perante esta que tal obrigação deve ser cumprida.
Não existe, pois, qualquer conexão entre a relação jurídica contributiva e o contrato de trabalho. Como concluiu o acórdão recorrido, o pedido formulado pela autora em segundo lugar não está numa situação de acessoriedade, nem tão pouco de complementaridade ou dependência, relativamente ao formulado em primeiro lugar.
Logo, claudica a construção tendente a eleger o normativo em análise - a al. o) do art. 85° da LOFTJ - como decisivo para a afirmação do tribunal do trabalho como competente para conhecer da pretensão em causa.
E, indo mesmo mais longe na análise do apontado art. 85°, como também se fez nos dois acórdãos deste Tribunal dos Conflitos já tantas vezes referenciados, dever-se-á concluir que a nenhuma das alíneas deste preceito poderá reconduzir-se a matéria da questão em aberto, pelas razões que nos ditos acórdãos foram explanadas e que aqui se acolhem, sem necessidade de as voltar a reproduzir.
O que tudo permite afirmar que, também pela via negativa - é dizer, pela constatação do não preenchimento de nenhuma das situações em que a lei atribui competência em razão da matéria à jurisdição laboral, enquanto jurisdição especializada - se arreda a competência do tribunal do trabalho para conhecer da matéria da questão que, em segunda linha, a autora suscitou na acção intentada no juízo laboral bracarense.
Face a tudo quanto se deixou exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal dos Conflitos em julgar o Tribunal do Trabalho de Braga incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de condenação dos réus a reconstituírem retroactivamente o contexto contributivo da autora junto da previdência social, inscrevendo-a e fazendo a entrega das contribuições sociais na instituição respectiva, e em considerar competentes, para conhecerem dessa matéria, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal - no caso, os tribunais tributários.
Sem custas.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2008. – António Cardoso dos Santos Bernardino (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Artur José Alves da Mota Miranda – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Ferreira de Sousa – Adérito da Conceição Salvador dos Santos.