Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:061/19
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28006
Nº do Documento:SAC20210708061
Data de Entrada:12/09/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO - JUÍZO DO COMÉRCIO DE VILA NOVA DE GAIA - JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO
EMBARGANTE: A……., SGPS, SA
EMBARGADO: AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
EXECUTADA: B………, LDA.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 61/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório
A…………., SGPS, S.A., com os sinais dos autos, deduziu embargos de terceiro contra a penhora de imóveis efectuada no processo de execução fiscal em que é executada B…………, Lda.
Alegou, em síntese, que através da publicação de anúncios tomou conhecimento que iam ser colocados à venda os prédios rústicos, que identificou, penhorados no âmbito daquele processo de execução fiscal e que tais prédios são sua propriedade por virtude de contrato de dação em cumprimento celebrado entre a embargante e a executada. Requereu a procedência dos embargos e em consequência o levantamento da penhora sobre os identificados prédios e a anulação da venda designada.
Na pendência do processo embargos de terceiro foi junta aos autos certidão da sentença proferida em 07.04.2017 no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia em foi declarada a insolvência da executada B…………., Lda.
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a remessa dos autos para serem apensados aos que correm termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, nada disseram. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto remeteu os autos de embargos ao Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia que, em 27.06.2019, proferiu decisão do seguinte teor:
“Este Tribunal é materialmente incompetente para julgar os embargos de terceiro remetidos pelo TAF do Porto, sendo que a aí Embargante, caso queira reclamar a restituição de qualquer bem que se encontre apreendido para a massa insolvente nos presentes autos, terá de o fazer pelo meio processual adequado (cf. artigo 141.º, nº1, als. a) e c), 144.º e 146.º, nºs 1 a 3 do CIRE).

Assim e tendo em consideração o preceituado nos artigos 85.º, nº1, e 88.º, nº1, do CIRE, não há utilidade na apensação dos mencionados embargos de terceiro a este processo de insolvência.
Pelo exposto, e com certidão do presente despacho, determina-se a imediata devolução do Processo nº2315/11.3BEPRT ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – Unidade Orgânica 5, do qual proveio.
Dê conhecimento do presente despacho ao Sr. Administrador da Insolvência”.
Recebidos os autos no TAF do Porto, foi aí proferida em 29.10.2019 a seguinte decisão:
Em 14.05.2019, proferi despacho a determinar a notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a remessa dos presentes autos aos que correm termos no Juízo de Comércio do Tribunal de Vila Nova de Gaia sob o n.º 685/13.8TYVNG, a fim de serem aos mesmos apensados, nos termos e para os efeitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 180.º do CPPT e n.ºs 1 e 2 do artigo 85.º do CIRE, considerando que:
a) Nos termos da certidão junta aos autos a fls. 268 do SITAF, resulta que a B…………., Lda, executada no processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, foi declarada insolvente por sentença proferida no processo que corre termos no Juízo de Comércio do Tribunal de Vila Nova de Gaia sob o n.º 685/13.8TYVNG, transitada em julgado em 02.05.2017;
b) Nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do CPPT, a declaração de insolvência do executado origina a sustação dos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes;
c) Nos termos do artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente;
d) Os presentes autos de embargos de terceiro constituem um incidente do processo de execução fiscal – cfr. artigo 166.º, n.º 1, alínea a), do CPPT -, como tal dependente da instância executiva.
Acontece que, para além de as partes terem sido notificadas e nada terem dito, por lapso, conforme consta da cota que antecede, foram os presentes autos remetidos àquele Tribunal, tendo sido pelo mesmo proferido despacho a determinar a devolução dos presentes autos a este Tribunal em virtude de aquele se ter declarado materialmente incompetente.
Neste contexto, a remessa dos presentes autos àquele outro Tribunal nos termos do despacho anteriormente por mim proferido consubstanciaria um acto inútil e, como tal, ilícito, nos termos do princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do CPC.
Assim, apesar de não determinar a remessa pela razão que antecede, considerando o teor do meu despacho de 14.05.2019 e atenta a devolução dos autos por aquele outro Tribunal se declarar materialmente incompetente, declino o poder para prosseguir com a tramitação dos presentes autos de embargos pelas razões que enunciei naquele despacho e constato a existência de conflito negativo de jurisdição, pelo que suscito oficiosamente a resolução do mesmo junto da Senhora Presidente do Supremo Tribunal Administrativo – cfr. n.º 1 do artigo 109.º e n.º 1 do artigo 110.º, ambos do CPC, e n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 91/2019, de 04 de Setembro”.
Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para julgar os embargos de terceiro deverá ser atribuída ao TAF do Porto.

Apreciação da questão
Como vimos, a embargante deduziu embargos de terceiro para fazer valer o seu alegado direito de propriedade relativamente aos bens penhorados no âmbito da execução fiscal em que era executada B………….., Lda que, face ao disposto no artigo 49.º do ETAF, competiria ao Tribunal Tributário decidir. Mas, perante a declaração de insolvência, o TAF do Porto entendeu que seria competente o Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia para julgar os referidos embargos por, nos termos do n.º 1 do artigo 180.º do CPPT e do artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência originar a sustação dos processos de execução fiscal pendentes e determinar a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente.
Dispõe o artigo 180.º do CPPT:

1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada a insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que​ de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avoca os processos de execução fiscal pendentes, os quais são apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
(…)
4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.
(…)
Verifica-se que na sentença proferida pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia foi decidida a avocação de “todos os processos de execução fiscal pendentes contra a requerente a fim de serem apensados ao presente processo – artº 180.º, nºs 2 e 4 do CPT”. Ora, o processo de embargos de terceiro é um incidente tramitado por apenso à execução fiscal.
A propósito da norma do artigo 180.º do CPPT refere JORGE LOPES DE SOUSA: “a remessa dos processos de execução fiscal ao tribunal de insolvência implica a remessa de todos os processos que dele são incidentes, mesmo que neles tenha havido reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, incluindo os tramitados por apenso, como os de oposição à execução fiscal, deduzida pelo executado originário ou por revertidos, e de embargos de terceiro”. Esta remessa ao processo de insolvência explica-se por “terem de ser centralizadas no respectivo juiz todas as decisões relativas às dívidas e créditos a ele atinentes e aos bens que se integram na massa insolvente” (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, anotação 10 ao artigo 180.º).
Neste domínio, o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que os processos que correm por apenso à execução fiscal devem ser remetidos à insolvência mas que “tal não pode significar a intenção de atribuição genérica ao tribunal do processo de insolvência de competência para decidir todas as questões que são objecto daqueles processos, pelo que nos casos em que a apreciação destas nada tenha a ver com os créditos do insolvente não se justifica a referida apensação” e que a remessa “justificar-se-á nos casos em que a decisão a proferir possa contender com a execução universal do património do insolvente e para a qual o tribunal da insolvência tenha competência” (cfr. acórdãos de 10.02.2010, Proc. 01257/09, de 04.11.2015, Proc. 0834/14 e de 21.06.2017, Proc. 0604/16, disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso dos autos não há dúvida que a eventual procedência dos embargos de terceiro terá influência no valor dos bens do executado e, portanto, na massa insolvente. Por essa razão, os autos de embargo de terceiro, incidente da execução fiscal, deverão ser remetidos para apensação ao processo de insolvência e serem apreciados pelo Juiz da insolvência.
Pelo exposto, acordam em julgar competente em razão da matéria a jurisdição comum, concretamente o Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia.
Sem custas.

Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 8 de Julho de 2021

Isabel Cristina Mota Marques da Silva(relatora)

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