Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:03962/22.3T8VCT.G1.S1
Data do Acordão:11/22/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Sumário:I - Compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais a apreciação dos pedidos de condenação da Caixa Geral de Aposentações no reconhecimento de uma situação de união de facto e da consequente atribuição da pensão de sobrevivência.
II - Cabe aos Tribunais Judiciais e, dentro destes, aos Tribunais Cíveis, a competência para julgar o pedido dirigido contra um particular para que seja condenado a reconhecer uma situação de união de facto, como pressuposto da atribuição de pensão de sobrevivência.
Nº Convencional:JSTA000P31612
Nº do Documento:SAC2023112203962
Recorrente:AA
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1. Em 27 de Novembro de 2022, AA instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo uma acção declarativa com processo comum contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e BB, formulando os seguintes pedidos:


a) Condenar-se a primeira Ré a reconhecer que a Autora vivia em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020, na morada de Rua ..., cidade de ...;


b) Condenar-se ainda a mesma Ré a reconhecer à Autora o direito à pensão de sobrevivência por óbito de CC, bem assim como ao respetivo pagamento, a partir de Dezembro de 2020;


c) Condenar-se a primeira Ré ao pagamento de juros de mora, à taxa legal anual, pelos valores das pensões de sobrevivência vencidas, desde o mês seguinte ao decesso de CC até à data da entrada da presente ação, bem como pelas que se vencerem mensalmente, enquanto não regularmente pagas, até efetivo pagamento;


d) Condenar-se a segunda Ré a reconhecer que a Autora viveu em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020;


e) Serem as Rés condenadas nas custas e demais encargos com o processo.”.


Para o efeito, e em síntese, alegou ter vivido em comunhão de cama, mesa e habitação, com CC, entre 8 de Junho de 2018 e a data do falecimento deste, ocorrido em ... de ... de 2020. Pretendendo o reconhecimento de que vivia em união de facto com CC, à data do falecimento deste e há mais de dois anos, reclamou o direito à pensão de sobrevivência.


Por despacho de 19 de Dezembro de 2022, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 2, atribuindo a competência à jurisdição administrativa, julgou-se absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer da acção e absolveu as rés da instância.


Inconformada, a autora apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, em 18 de Janeiro de 2023.


Por despacho de 23 de Janeiro de 2023, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo – Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo – Juiz 2 admitiu o recurso e determinou a citação das rés, tanto para os termos do recurso como para os da causa, nos termos do n.º 7 do artigo 641.º do Código de Processo Civil.


Em 15 de Fevereiro de 2023, a ré Caixa Geral de Aposentações contestou. Por entre o mais, sustentou que cabia ao Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo a competência para o conhecimento da causa.


O Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo respondeu ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência. Sustentou, em síntese, que, atenta a natureza pública da entidade processadora da pensão de sobrevivência, a competência pertencia à jurisdição administrativa.


Também contestou a ré BB, excepcionando a litispendência e impugnando os factos; e deduziu pedido reconvencional, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações, I.P., na qualidade de reconvinda no pedido reconvencional.


Por acórdão de 20 de Abril de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida e reafirmando “a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo para conhecer e decidir do peticionado pela autora no âmbito da presente ação, por estarmos efetivamente perante uma ação que visa o reconhecimento do direito da autora a prestação social consagrada na referida Lei n.º 7/2001, de 11-05 para a qual são materialmente competentes os Tribunais Administrativos, à luz da als. a), e c) do n.º 1 do artigo 4° do ETAF.”.


2. A autora recorreu para o Tribunal dos Conflitos, nos termos do n.º 2 do artigo 101.º do Código de Processo Civil, para efeitos de determinação do Tribunal competente em razão da matéria.


Nas alegações que apresentou, formulou as conclusões seguintes:

«Ia - São os Tribunais Comuns, e não os Tribunais Administrativos, os competentes para efeito de intentar a ação para reconhecimento do direito a prestações sociais por morte do beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, com vista a que se se apurem factos reveladores de uma situação de união de facto que perdure há mais de dois anos à data do óbito do beneficiário;

2.ª - Como decorre de jurisprudência recente do STJ - Ac. de 12/01/2022, m CJ, STJ, Ano XXX, tomo I/2022, pg. 289, em que foi Relator o Sr. Juiz Conselheiro, Abrantes Geraldes,


3a - No caso, é competente o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo de Família e Menores;

4a - E o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sempre violou, assim, o artigo l22°, n° 1, al. g), da LOSJ.

Termos em que, dirimindo o conflito da competência do tribunal em razão da matéria, determinando que, no caso que nos ocupa, são competentes os Tribunais de Família e Menores, in casu, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo -Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo, será feita JUSTIÇA!»

Não houve contra-alegações.


Por despacho de 7 de Julho de 2023, foi admitido o recurso e determinada a subida dos autos ao Tribunal dos Conflitos.


Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que fossem autuados como recurso.


Os factos relevantes para a respectiva apreciação constam do relatório.


3. Está pois em causa, apenas, determinar quais são os tribunais competentes para apreciar os pedidos da autora, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição, n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 64.º do Código de Processo Civil) – , se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.


Os tribunais administrativos «são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº508/94, de 14.07.94, in Processo nº777/92; e AC TC nº347/97, de 29.04.97, in Processo nº139/95]” – acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 020/18.


Esta forma de delimitação recíproca obriga a começar por verificar se a presente acção tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (n.º 2 do artigo 212º da Constituição, n.º 1 do artigo 1.º e artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).


Como escreve Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18.ª ed., Coimbra, 2020, pág. 52-53, o legislador deveria esclarecer o que se entende como “relação jurídica administrativa”, nomeadamente para ser possível saber, com segurança, como delimitar o âmbito da jurisdição administrativa: “De facto, face à complexidade actual das relações entre o direito público e o direito privado no âmbito da actividade administrativa, a questão (…) transformou-se numa decisão, numa opção política entre soluções igualmente defensáveis” (nota 68).


«Mas, na falta de uma clarificação legislativa, parece-nos que será porventura mais prudente partir-se do entendimento do conceito constitucional de “relação jurídica administrativa” no sentido estrito tradicional de “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração. (…)


A determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado, uma das questões cruciais que se põem à ciência jurídica.


Não sendo este o lugar indicado para desenvolver o tema, lembraremos apenas que se têm de considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido».


4. Como uniformemente se tem observado, nomeadamente no Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção; ou, ainda, no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, processo n.º 020/18, “como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…). A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].”.


5. Em síntese, a autora indicou o seguinte como fundamento dos pedidos formulados:


– A autora viveu em união de facto com CC, entre 8 de Junho de 2018 e a data do falecimento de CC – ... de ... de 2020;


– CC era subscritor da Caixa Geral de Aposentações;


– A autora requereu tempestivamente à primeira ré a pensão de sobrevivência por óbito de CC;


– Porém, em 14 de Janeiro de 2021 deu entrada na Caixa Geral de Aposentações um requerimento de pedido de pensão de sobrevivência por parte da 2.ª ré – BB –, na qualidade de unida de facto com CC;


– Em resposta ao requerimento da autora, a CGA informou-a de que, “não obstante V. Exa ter remetido a esta Caixa os documentos previstos no n.º 2 do artigo 2.º A da Lei 7/2001 de 11/05 na redação dada pela Lei 23/2010 de 30/08, face ao regime jurídico aplicável, a qualidade de pensionista só lhe poderá ser reconhecida se se comprovar que BB não viveu em união de facto com CC”.


– Com vista a ultrapassar a coexistência de pretensões incompatíveis, a ora autora e a 2.ª ré foram denunciadas e constituídas arguidas no processo de inquérito n.º 1846/21.1..., da ... Secção do DIAP, de Viana do Castelo;


– Para além daquela denúncia, a 1.ª ré intentou contra a 2.ª ré a ação de processo comum sob o n.º 828/22.0..., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível, Juiz ...;


– Por despacho transitado em julgado, a 2.ª ré (BB) foi absolvida da instância, por verificação da incompetência absoluta do Tribunal para aqueles autos (n.º 828/22.0...);


Para comprovar a invocada união de facto, a autora alegou, ainda, diversos factos relativos à vida em comum com o referido CC, no período compreendido entre 8 de Junho de 2018 e a sua morte.


Acrescentou que quando CC veio viver consigo, contou-lhe que anteriormente havia tido um relacionamento com BB, entre 2015 e 2018. Porém, tal relacionamento cessou antes de 8 de Junho de 2018, pelo que a 2.ª ré nunca viveu com CC nos dois últimos anos da vida deste.


6. Em situação próxima à que agora se coloca, o Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 25 de Janeiro de 2017, www.dgsi.pt, processo n.º 028/16, pronunciou-se no sentido de a competência caber à jurisdição administrativa e fiscal, de acordo com o disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos seguintes termos:


“2 - No cerne do litígio está o artigo 6.° da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que na versão inicial era do seguinte teor:


«Artigo 6.° Regime de acesso às prestações por morte


1 - Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.°, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020.° do Código Civil, decorrendo a ação perante os tribunais cíveis.


2 - Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efetiva-se mediante ação proposta contra a instituição competente para a respetiva atribuição.»


Na versão emergente da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, esse artigo ficou com a seguinte redação.


«Artigo 6.° Regime de acesso às prestações por morte


1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.


2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação.


3 - Excetuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º


A Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, (…), implicou uma mudança de paradigma relativamente ao reconhecimento dos direitos a prestações sociais consagrados na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.


Na verdade, enquanto na versão inicial daquela lei o direito a essas prestações, nos termos do artigo 6.°, era efetivado através de ação a instaurar nos tribunais judiciais contra a entidade responsável da Segurança Social, com a alteração daquele dispositivo decorrente da Lei n.º 23/2010, o direito às prestações efetiva-se através da intervenção dos serviços da segurança social, ou seja, por via administrativa.


Incumbe deste modo àqueles serviços averiguar dos pressupostos do direito a essas prestações, nomeadamente, da situação de união de facto e o reconhecimento do direito às mesmas.


É neste sentido que se insere o artigo 2.°-A, introduzido na Lei n.º 7/2001, pela Lei n.º 23/2010, de 30 de maio, e que é do seguinte teor:


«Artigo 2°-A Prova da união de facto


1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.


2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.


3-(...).


4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.


5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.»


Trata-se de um dispositivo que visa a prova da união de facto em sede de procedimento administrativo.


(…), a Lei n.º 23/2010 transferiu deste modo para a Segurança Social a responsabilidade pela averiguação da união de facto enquanto pressuposto das prestações sociais consagradas naquela Lei.


As diligências que visam a demonstração dos pressupostos das prestações em causa correm no âmbito de um procedimento administrativo e que culminam com um ato administrativo, atribuindo ou recusando as prestações peticionadas.


É verdade que, nos termos do n.º 2 do artigo 6.° na nova redação, «a entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.°, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação».


(…)


Consagra-se [nesta norma] apenas uma exigência de transparência e de rigor na atuação da Administração na demonstração dos pressupostos do direito às prestações, impondo-lhe que, em caso de dúvidas fundadas, só decida da atribuição ou recusa das prestações depois da demonstração em ação judicial da existência ou inexistência da união de facto sobre a qual essas dúvidas se suscitem.


Deste modo, quando os elementos recolhidos não sejam concludentes no sentido do reconhecimento da união de facto e justifiquem «fundadas dúvidas», a entidade competente dissipa as dúvidas através da instauração de uma ação com vista à demonstração da existência dessa união de facto.


As fundadas dúvidas pressupõem a existência de elementos probatórios não concludentes sobre a existência da união de facto como pressuposto das prestações em causa.


Na ausência dessas fundadas dúvidas, com base nos meios de provas recolhidos no processo, a entidade competente decide, atribuindo as prestações ou recusando-as, no caso de ter elementos que demonstrem a inexistência da situação de união de facto em causa.


A discordância dos interessados no procedimento administrativo instaurado com o que seja decidido pelos serviços da segurança social, num sentido ou noutro, recai claramente no âmbito da jurisdição administrativa, carecendo de sentido que os tribunais que integram aquela jurisdição não possam conhecer de todos os pressupostos das prestações sociais, nomeadamente, da união de facto.


(…) 2 - Conforme se alcança da petição inicial, a Autora, não se conformando com a decisão do Réu que indeferiu a sua pretensão no sentido de lhe serem reconhecidos os direitos de natureza social derivados da situação de união de facto que invoca, demandou o Réu para que este fosse condenado a reconhecer que «a) (…) à data do falecimento de B…………….. existia uma relação de união de facto entre o “de cujus” e a Autora»; a reconhecer «b) (...) o direito à Autora às prestações por morte de B…………….. »; a «c) (...) a reconhecer a união de facto entre a autora e B…………….. »; a «e) (...) a reconhecer que a Autora tem direito a ser titular das prestações por morte do “de cujus”» e «f) (...) ao pagamento das prestações por morte referente ao “de cujus”, desde a data do óbito, acrescidas dos respetivos juros à taxa legal».


No fundo, a Autora pretende a alteração da situação jurídica emergente do ato administrativo que recusou as prestações sociais peticionadas através da condenação do Réu a reconhecer a existência da situação de união de facto e a reconhecer o direito àquelas prestações.


Nos pressupostos desse direito encontra-se a situação de união de facto que a Autora entende que teria de ser declarada judicialmente nos tribunais judiciais e escaparia à competência dos tribunais administrativos.


Tal como se mostra configurado, o litígio entre a Autora e o Réu emerge de uma relação jurídica de natureza administrativa que decorre da responsabilidade da segurança social pelo sistema de prestações sociais consagrado na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, na versão resultante da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto.


A Autora e o Réu divergem relativamente à demonstração da existência da situação de união de facto como pressuposto do direito às prestações que a Autora reclama e cujo reconhecimento se insere nas atribuições da segurança social.


A relação jurídica em causa é disciplinada pelo direito público e é nos quadros deste ramo do Direito que o litígio terá de ser resolvido.”


No caso presente, a autora não viu ser deferida pela Caixa Geral de Aposentações a requerida pretensão de lhe serem reconhecidos os direitos de natureza social decorrentes da situação de união de facto que invoca.


Todavia, conforme se refere na decisão de 19 de Dezembro de 2022, “No fundo a Autora pretende a alteração da situação jurídica emergente do ato administrativo que recusou/suspendeu o pedido às prestações sociais peticionadas através da condenação da 1.ª Ré a reconhecer a existência da situação de união de facto e a reconhecer o direito àquelas prestações.”.


Tal como na situação sobre a qual recaiu o acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 25 de Janeiro de 2017, também aqui o litígio entre a autora e a ré Caixa Geral de Aposentações emerge de uma relação jurídica de natureza administrativa, que decorre da responsabilidade do sistema de segurança social pelo sistema de prestações sociais consagrado na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na versão resultante da Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto.


Assim, seguindo a jurisprudência constante daquele Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 25 de Janeiro de 2017, que se reitera, conclui-se que a apreciação dos pedidos deduzidos contra a Caixa Geral de Aposentações compete aos Tribunais Administrativo e Fiscais, uma vez que, no âmbito de uma relação administrativa, a autora pretende a tutela de um direito fundamental (al. a) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e, por isso mesmo, a “Fiscalização da legalidade de atos administrativos praticados” pela Caixa Geral de Aposentações, I.P. (al.c) do mesmo n.º 1).


É certo que, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 18596PRT.P1.P1.S1, no qual a recorrente baseia as alegações de recurso, o Supremo Tribunal de Justiça julgou um recurso proferido numa acção proposta, como ali se escreve, pelo “Instituto da Segurança Social, IP (…) contra AA e BB., pedindo que fosse julgada não reconhecida a vivência em união de facto de CC com qualquer das RR. à data da morte deste.”


Todavia, pelas razões já apontadas, este Tribunal dos Conflitos pronuncia-se no sentido de os pedidos nesta acção deduzidos contra a Caixa Geral de Aposentações serem da competência da jurisdição administrativa e fiscal; concretamente (n.º 5 do artigo 14.º e artigo 18.º da lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro), do Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (al. a) do Decreto-Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, do mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro e n.º 1 do artigo 16.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


7. Mas a autora demanda também BB, pedindo a sua condenação “a reconhecer que a Autora viveu em união de facto com o falecido CC, desde junho de 2018, até à data do seu óbito, ocorrido em ... de ... de 2020”.


Quanto a este pedido, não cabe efectivamente na jurisdição administrativa e fiscal, desde logo por se desenrolar entre particulares.


É certo que a autora alegou que a Caixa Geral de Aposentações instaurou contra BB, no Juízo Local Cível de Viana do Castelo a acção n.º 828/22.0..., pretendendo, como se pode ler no despacho saneador ali proferido e junto a estes autos, “a comprovação da inexistência de uma união de facto entre a Ré e o falecido CC. A Autora tem sérias dúvidas relativamente à verificação da situação de união de facto invocada (entre a Ré e o falecido CC) e que conduziu ao deferimento do pedido de uma pensão de sobrevivência por parte da Ré”, e que o tribunal absolveu a ré da instância por entender que a acção era da competência do Juízo de Família e Menores, nos termos do disposto na al. g) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, por entender estar em causa uma relação de família.


Esta decisão, mesmo que transitada, não produz efeitos fora da acção na qual foi proferida (artigo 100.º do Código de Processo Civil).


Ora, no caso presente, o reconhecimento da união de facto “funciona apenas como a averiguação judicial de um pressuposto (…) a verificar para o reconhecimento de um direito de natureza extrafamiliar”, não estando em causa “a resolução de qualquer litígio familiar”, tal como sucedia no acórdão de que se retiraram estes trechos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 3193/22.2T8VFX.L1.S1, proferido a propósito da justificação (ali, da manutenção) da atribuição aos tribunais cíveis da competência para apreciar a existência de união de facto, enquanto pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa. Com efeito, e como ali também se escreveu, “Existe, aliás, um largo número de ações em que a existência de um casamento ou de uma união de facto é apenas um pressuposto a verificar para o reconhecimento de um direito extrafamiliar (v.g. um direito de crédito de terceiro), competindo o seu julgamento aos tribunais cíveis.”


Cabe, portanto, aos Tribunais Judiciais a competência para julgar o pedido dirigido contra BB e, dentro destes, aos Tribunais Cíveis – tendo em conta os critérios do valor e do território, ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo (artigos 40.º, n.º 1, 117.º, n.º 1, a) e 140.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, 80.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e mapa III anexo ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março).


Nestes termos, decide-se:

a. Negar provimento ao recurso, relativamente aos pedidos dirigidos contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P.;

b. Determinar que cabe os Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal, concretamente ao Juízo Administrativo Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a competência para apreciar os pedidos dirigidos contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P.;

c. Conceder provimento parcial ao recurso, no que respeita ao pedido dirigido contra BB;

d. Determinar que cabe aos Tribunais Judiciais, concretamente, ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo, a competência para apreciar o pedido dirigido contra BB.


Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).


Lisboa, 22 de Novembro de 2023. - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza (relatora) - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.