Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:015/18
Data do Acordão:09/27/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ANA PAULA PORTELA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23664
Nº do Documento:SAC20180927015
Data de Entrada:03/02/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SETÚBAL, INSTÂNCIA CENTRAL SECÇÃO CÍVEL E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA - UNIDADE ORGÂNICA 1
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
A……………… moveu ação declarativa de condenação em processo ordinário contra a 2ª CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE SETÚBAL, IGAPHE-INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO, então INH-INSTITUTO NACIONAL DE HABITAÇÃO, ESTADO PORTUGUÊS, B……….., C……….. e D……….., requerendo a seguinte condenação dos RR:

"a) Seja a presente ação julgada procedente por provada e, em consequência,

b) ser reconhecida à A. o direito de propriedade sobre o imóvel correspondente ao …. do nº …. do prédio urbano sito na Rua ………….., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o nº 16881, a fls. 71 v do livro B-58, da freguesia de ……….., e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1235º;

c) declarar nulo o registo predial correspondente à inscrição nº 74174, a fls. 104, do livro G-132, a favor do UGAPHE, atual lNH;

d) ser ordenado o cancelamento do registo predial junto da 1ª R., nomeadamente na inscrição sob o nº 74174, fls. 104 do Livro G-132, a favor do IGAPHE;

e) ser ordenado o registo da totalidade do imóvel em apreço a favor da A., em virtude de aquisição por usucapião; e, em consequência das condenações supra:

f) ser declarado nulo o processo expropriativo, por violação dos artigos 13º, nº1, 15º, nº2 e 3, 20º, 27º, 28º, 39º, nº2, 42º, nº1, aI. c), 2ª parte, do D.L. nº 845/1976, de 11.12;

g) ser ordenada a reconstituição natural da situação que existia, antes do ato expropriativo, ou, subsidiariamente a este pedido g)

h) serem os 1º, 2º e 3º RR. condenados a indemnizar a A. de todos os danos patrimoniais sofridos, em virtude de a A., desde 1990, não ter podido arrendar o imóvel expropriado, à razão de € 250,00, por mês, por cada loja, o que perfaz a quantia de € 8.000,00, que a A. deixou de poder beneficiar;

i) serem os 1º, 2º e 3º RR. condenados a indemnizar a A. pelos danos patrimoniais sofridos pela perda do imóvel, o qual tem o valor de € 165.320,00;

j) serem os 1º, 2º e 3º RR. condenados a indemnizar a A. por todos os danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 5.000,00;

k) sejam os RR. condenados nas custas e procuradoria condigna;

l) se digne ordenar a citação dos RR., para querendo contestarem, seguindo-se os demais termos até final."

Fundamentou tais pedidos, invocando que é dona e legítima proprietária do imóvel supra identificado, o qual foi adquirido por sucessão por óbito de seu pai, tendo, a partir dessa data, agido à vista de todos, como sua total dona e possuidora desse imóvel, usando, arrendando, pagando as respetivas contribuições autárquicas, etc.

E que, não obstante, o mesmo foi inscrito (na sua totalidade) na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº 16881, a fls. 71, do livro B-58 e na matriz predial urbana sob o artigo nº 1235 e sob o artigo 8890 da referida freguesia a favor do Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), por expropriação.

Conclui que existiu erro no registo predial, o que acarreta a nulidade do registo predial e do "auto de expropriação amigável" que foi levado a cabo com o seu total desconhecimento ou assentimento pois nunca foi notificada de qualquer procedimento expropriativo, nem teve conhecimento de qualquer expropriação.

E que, sobre a totalidade do mesmo prédio se encontra construída atualmente uma auto-estrada, tendo a sua construção e expropriação decorrido quando a A. se encontrava na África do Sul, tendo-se deparado com esta situação quando chegou.

Conclui que deve ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre o imóvel, a nulidade do registo predial e seu cancelamento, a inscrição e seu favor assim como a declaração de nulidade do processo expropriativo por violação dos artigos 13º, nº1, 15º, nº2 e 3, 20º, 27º, 28º, 39º, nº2, 42º, nº1 al. c), 2ª parte, do DL. 845/1976, DE 11/12, uma vez que o auto de expropriação amigável não identifica todos os interessados e o acordo de expropriação foi realizado sem a sua intervenção, a proprietária.

E que deve ser a reconstituída a situação que existia ou subsidiariamente que sejam ressarcidos os danos que sofreu.

2. A ação foi contestada, tendo, nomeadamente o Estado Português arguido a exceção de incompetência do tribunal, em razão da matéria, por a competência ser dos tribunais administrativos, uma vez que o litígio tem por base relações jurídicas entre o expropriado e o órgão da Administração Pública (IGAPHE), com a natureza de declaração de utilidade pública, que se desenvolve no âmbito do direito administrativo.

3. A A., uma vez notificada, apresentou resposta, pugnando pelo indeferimento da excepção de incompetência em razão da matéria, porquanto o pedido principal é a declaração do direito de propriedade da A., com vista ao ressarcimento dos danos materiais e morais.

4. O Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por decisão de 28.9.2015 conclui que o pedido de reconhecimento da propriedade da A. surge como instrumental em relação aos restantes pedidos (erro de identificação da parcela, ausência de ato expropriativo quanto à parte do prédio em causa) julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria e declarou competentes para conhecer da ação os Tribunais Administrativos e Fiscais, absolvendo os RR da instância.

5. Requerida a remessa dos autos ao TAF de Almada veio este Tribunal decidir pela competência dos tribunais comuns suscitando oficiosamente a resolução do conflito junto do Tribunal de Conflitos.


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Sem vistos, mas com distribuição prévia do projeto de acórdão, cumpre decidir

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FACTUALlDADE A CONSIDERAR

A factualidade relevante para a resolução do conflito aqui em causa é a que resulta dos autos e supra referida em sede de relatório.


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O DIREITO

Estamos, no caso sub judice, perante um conflito de jurisdição negativo já que dois tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer a mesma questão, decisões que já não são suscetíveis de recurso (cfr. nºs 1 e 3 do art.º 109º do CPC).

O Tribunal de Conflitos tem competência para dirimir os conflitos de jurisdição em que intervenham tribunais judiciais se, no outro polo, estiverem tribunais administrativos e fiscais.

Centremo-nos, então, na questão de saber qual a jurisdição competente para conhecer da matéria trazida a este Tribunal.

Nos termos do artigo 211.º, n.º 1, da CRP os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.

No mesmo sentido o artigo 64.º do Novo Código de Processo Civil dispõe que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

Dispõe o art. 1º do ETAF na redação anterior à dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de Outubro que "1- Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

2 - Nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.

Veio, assim, reafirmar-se a cláusula geral estabelecida no artigo 212º n.º 3 da Constituição, que define a competência material dos Tribunais Administrativos, como dizendo respeito aos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas.

A delimitação do poder jurisdicional atribuído aos tribunais administrativos faz-se, pois, segundo um critério material, ligado à natureza da questão a dirimir, tal como resulta deste preceito, nos termos do qual "compete aos tribunais administrativos...o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios das relações jurídicas administrativas."

Constitui jurisprudência pacífica que: "a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados" (vide Ac. do STJ, de 14.05.2009).

É, pois, a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que teremos de encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o conhecimento da presente ação.

E, nos termos do art. 4º do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2003 de 19 de Fevereiro, e aqui aplicável, veio o legislador indicar exemplificativamente os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, assim como aqueles que dela se encontram excluídos.


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A autora começa por alegar que é dona e legítima proprietária de um prédio que identifica (composto por 2 lojas, direita e esquerda) o qual lhe adveio por aquisição por sucessão por óbito de seu pai e por usucapião.

E que, não obstante, o prédio ser sua propriedade, foi objeto de uma expropriação, construção de uma auto-estrada, encontrando-se atualmente inscrito na totalidade a favor do IGAPHE.

O que significa que existem erros e vícios do registo assim como nulidades da expropriação.

Conclui pedindo que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre o imóvel, a declaração de nulidade do registo predial correspondente à inscrição da fração a favor do UGAPHE, atual INH, inerente cancelamento da inscrição e registo total a seu favor, com declaração de nulidade de todo o processo expropriativo.

Por fim, e subsidiariamente pede que os 1º, 2º e 3º RR. sejam condenados a indemniza-la de todos os danos patrimoniais sofridos, em virtude de, desde 1990, não ter podido arrendar o imóvel expropriado, à razão de € 250,00, por mês, por cada loja, o que perfaz a quantia de € 8.000,00, que deixou de poder beneficiar, pelos danos patrimoniais sofridos pela perda do imóvel, o qual tem o valor de € 165.320,00, assim como pelos danos não patrimoniais sofridos, no montante de € 5.000,00.

O pedido principal aqui deduzido é, pois, o do reconhecimento da autora do direito ao seu imóvel, sendo por isso, declarada a nulidade do registo e cancelamento da respetiva inscrição a favor do IGAPHE, atual lNH, e ordenado o registo da totalidade do imóvel a seu favor, por aquisição por usucapião.

Como pedido acessório e apenas face à procedência do referido pedido principal, invoca a nulidade do processo expropriativo, a reconstituição natural da situação que existia e subsidiariamente atribuição de uma indemnização face aos prejuízos que lhe advieram que identifica.

Na realidade o ato de posse de terceiro sobre o seu prédio é a construção da auto-estrada e inerente processo expropriativo.

E, a indemnização requerida não é uma indemnização relativa ao processo expropriativo mas antes uma indemnização decorrente de atos de violação do seu direito de propriedade e impeditivos do seu gozo do prédio.

Pelo que, quer a nulidade do processo expropriativo quer o pedido de indemnização são meros pedidos acessórios face ao pedido principal que é o pedido de reivindicação da propriedade por aquisição sucessória e ainda por usucapião.

Na verdade alega a autora que foi acordado entre o seu pai e os anteriores proprietários a aquisição do prédio mediante uma quantia que aquele pagou apesar de a venda nunca ter sido formalizada.

E que, o seu pai, e ela própria após a morte deste, sempre possuíram, ocuparam e agiram como donos e legítimos proprietários e possuidores da totalidade do prédio, com conhecimento de todos e sem qualquer oposição, durante mais de vinte anos.

E que, sobre o referido prédio foi construída uma auto-estrada e correu um processo expropriativo, que desconhecia por completo por se encontrar na África do Sul.

Assim, compete-lhe alegar e provar que é proprietária, o que constitui o facto jurídico de que emerge a causa de pedir da ação de reivindicação, o que ela fez.

E, compete-lhe também alegar, como o fez ao referir que tinha sido construída uma auto-estrada após processo expropriativo, que a coisa se encontra em poder do réu ou réus.

Para a procedência da ação a autora terá assim que comprovar, por um lado, um requisito subjetivo, que consiste em ser a proprietária da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objetivo, consistente na identidade entre a coisa reivindicada e a ilegitimamente possuída pelo réu, cujo ónus da prova incumbe aos autores/reivindicantes, por serem factos constitutivos do seu direito (art. 342.º, n.º1, do CC).

Após a prova da propriedade do imóvel e de que este se encontra detido por terceiro, terão o réu ou réus que alegarem e provarem - por via de exceção -, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito e integradores de qualquer relação obrigacional ou real que o obstaculizem - cf. art. 342º, nº 2 do CC.

Resulta igualmente daquela petição que a autora fundamentou de direito os pedidos formulados ao abrigo do disposto no artigo 1311º do Código Civil.

E quando está em causa uma ação de reivindicação tem este Tribunal de Conflitos entendido unanimemente que são competentes os tribunais comuns.

A este propósito extrai-se do acórdão 01/17 de 24-05-2017 deste Tribunal de Conflitos que:

"1 - Este Tribunal dos Conflitos tem sido inúmeras vezes chamado a resolver conflitos análogos àquele que se verifica no presente processo, podendo considerar-se que existe já jurisprudência estabilizada sobre as questões suscitadas.

Referiu-se, com efeito, no acórdão proferido no Conflito n.º 013/13, datado de 19-06-2014 (Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.), o seguinte:

«O presente conflito é análogo aos que foram resolvidos por este Tribunal em 09.6.2010, no processo nº 12/10, em 26.9.2013, no processo n.º 32/13, e em 18.12.2013, no processo n.º 18/13.

Também aí estavam em causa ações de reivindicação de propriedade, em moldes idênticos aos que se colocam nos presentes autos.

Concorda-se com a solução a que se chegou nesses processos. Por isso, por facilidade, remete-se para a fundamentação neles apresentada, destacando-se o seguinte trecho do acórdão datado de 18 de dezembro 2013:

«Salvo o devido respeito pela opinião em contrário, não se nos oferecem dúvidas que o desenho da causa de pedir e dos pedidos apresentados pelos autores quadram, perfeitamente, no âmbito da ação reivindicação, contemplada no art. 1311.º do Código Civil (CC).

Na verdade, os autores cingem-se a pedir que sejam declarados como donos e legítimos proprietários do imóvel identificado supra e, em consequência, a condenação do réu a restituir a parcela de terreno e o imóvel (o edifício onde funcionou a Escola...) em causa, devoluto de pessoas e bens, em bom estado de conservação e em perfeitas condições, bem como as chaves do edifício em que está implantado no referido terreno. Ou seja, a questão a dirimir traduz-se em mera reivindicação de propriedade privada, não obstante uma das partes ter feição pública - o Município de Oeiras – […].

Com efeito, a ação de reivindicação, prevista no art. 1311.º do CC, é uma típica manifestação do direito de sequela, visando afirmar o direito de propriedade e pôr fim à situação ou atos que o violem, tendo como primeiro objetivo a declaração de existência do direito e, como escopo ulterior, a sua realização, nela concorrendo dois pedidos: o de reconhecimento do direito e o de restituição da coisa, objeto desse direito. (Salientam Antunes Varela e Pires de Lima: "A ação de reivindicação prevista neste artigo [art. 1311.º] é uma ação petitória que tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela" - cf. Código Civil Anotado, 2.ª edição, 1987, Volume III, pág. 112.)

Compete aos autores, nesta ação, provar que são proprietários, constituindo o facto jurídico de que emerge a propriedade a causa de pedir da ação de reivindicação, tendo eles de alegar, como o fizeram, que a coisa se encontra em poder do réu. Destarte, para a procedência da ação tornar-se-á necessária a comprovação, por um lado, de um requisito subjetivo, que consiste em serem os autores os proprietários da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objetivo, consistente na identidade entre a coisa reivindicada e a (ilegitimamente) possuída pelo réu, cujo ónus da prova incumbe aos autores/reivindicantes, por serem factos constitutivos do seu direito - art. 342º, n.º 1, do CC. Comprovada a propriedade do imóvel e que este se encontra detido por terceiro, a sua entrega ao reivindicante só pode ser contrariada com base em situação jurídica (obrigacional ou real) que legitime a recusa de restituição - cf. 1311.º, n. º 2, do CC -, i.e., mediante a alegação e prova, pelo demandado - por via de exceção -, de factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito e integradores de qualquer relação obrigacional ou real que o obstaculizem – cf. art. 342.º, n.º 2 do CC.»( ... )

E no acórdão proferido no processo nº 12/10 já se havia julgado, em termos igualmente transponíveis para o presente caso:

«Com efeito, as ações de reivindicação são reais, o que imediatamente as distingue das ações de responsabilidade civil, que têm natureza obrigacional. A devolução da coisa, pedida pelo «dominus» que a reivindica, não constitui uma qualquer indemnização «in natura», mas a lógica consequência da sequela, que é um atributo característico dos direitos reais. E nem sequer é exata outra tese do acórdão - a de que a «reivindicatio» visa ‘a reposição no estado anterior ao ato ofensivo do direito' de propriedade; pois a reivindicação tem por fim típico a devolução da coisa no seu estado atual, pedido a que poderá acrescer um outro, que será de ressarcimento, se esse estado for pior do que era antes por responsabilidade do detentor.

É desnecessário aduzir mais argumentos, ante a evidência de que a ação dos autos, enquanto ação de reivindicação, é alheia a uma qualquer responsabilidade extracontratual do réu. Donde se segue que a premissa menor do silogismo judiciário enunciado no acórdão 'sub censura' é falsa, inquinando a respetiva conclusão.

Ora, não há no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de ações de reivindicação ('vide', a propósito, o seu art. 4º). Solução que bem se compreende, pois o que nelas essencialmente se discute é a questão, puramente de direito privado, de saber se o direito real invocado pelo 'dominus' existe e é oponível ao réu, por forma a tirar a detenção da coisa; e só acidentalmente se colocará um problema ligado ao direito público - se o detentor se socorrer de regras desta ordem para titular e legitimar a sua detenção.

Consequentemente, e de concluir que a competência «ratione materiee» para conhecer da presente ação de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns».

Conclui assim, no quadro jurisprudencial exposto, totalmente aplicável ao caso dos autos, que incumbe aos tribunais judiciais o conhecimento da ação.»

Esta jurisprudência deste Tribunal tem sido mantida, conforme se alcança entre outros do acórdão proferido no conflito n.º 052/14, de 26 de janeiro de 2017, de que foi extraído o seguinte sumário:

«I. As ações de reivindicação são ações reais, que não se confundem com as ações obrigacionais em que se exerça a responsabilidade civil extracontratual.

II. Assim, a «reivindicativo» não cabe na previsão do art. 4.º, n.º 1, aI g), do ETAF.

III. E, porque também não cabem em qualquer outra das previsões do mesmo artigo, as ações de reivindicação devem ser conhecidas pelos tribunais comuns, cuja competência é residual [cfr. art.66.º do anterior CPC e atual art. 64.º do CPC/2013, art. 18.º da LOTJ e atual art. 40.º, n.º 1, da LOSJ."

Não havendo no ETAF uma norma que atribua competência à jurisdição administrativa para o conhecimento de ações de reivindicação a competência para conhecer da presente ação de condenação cabe, a título residual, aos tribunais comuns.

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste Tribunal de Conflito em julgar competente para o conhecimento da ação a que se reportam estes autos os tribunais comuns.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Setembro de 2018. - Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Ana Paula Lopes Martins Boularot - José Francisco Fonseca da Paz - António Joaquim Piçarra - Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Leones Dantas.