Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:035/14
Data do Acordão:12/09/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:SALRETA PEREIRA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO.
COMPETÊNCIA.
ACTO DE GESTÃO PÚBLICA.
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
Sumário:I - A atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (administração intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulado por normas de direito administrativo.
II - Pedindo-se a condenação dos RR em indemnização por danos causados na sua casa de habitação com a utilização de explosivos na construção de um troço de auto-estrada e detendo a Ré EP-Estradas de Portugal, SA prerrogativas concedidas ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita à responsabilidade civil extra-contratual, no domínio dos actos de gestão pública, é de concluir que a apreciação da eventual responsabilidade extra-contratual dessa mesma Ré cabe à jurisdição administrativa.
III - Não constitui impedimento à atribuição de competência aos tribunais administrativos o facto de terem sido demandados uma concessionária e um particular (nº 7 do art.º 10º do CPTA).(*)
Nº Convencional:JSTA00069018
Nº do Documento:SAC20141209035
Data de Entrada:07/03/2014
Recorrente:A……… E B……… NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA E O TRIBUNAL JUDICIAL DE CELORICO DE BASTO.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO TJ CELORICO DE BASTO - TAF BRAGA
Decisão:DECL COMPETENTE TAF BRAGA
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:CONST97 ART211 N1 ART213.
LOFTJ ART26 N1.
ETAF02 ART1 N1 ART4 N1 N2 N3.
CPTA02 ART10 N7.
CPC13 ART66.
L 107-D/03 DE 2003/12/31.
DL 374/07 DE 2007/11/07 ART4 N1 ART10.
DL 588/99 DE 1999/12/17.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos


A …………e mulher, B………….., intentaram contra EP - Estradas de Portugal, SA, Aenor - Auto-Estradas do Norte, SA e C……….., SA acção declarativa com processo comum no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, em que pedem a condenação dos RR a indemnizá-los dos danos causados na sua casa de habitação com a utilização de explosivos na construção do troço da auto-estrada entre Fafe e Cabeceiras de Basto, no valor de € 10.000,00.
O Tribunal Judicial de Celorico de Basto declarou-se incompetente em razão da matéria, atribuindo a respectiva jurisdição aos Tribunais Administrativos. Esta decisão transitou em julgado em 17.02.2007.
Posteriormente, os AA intentaram contra os mesmos RR acção administrativa comum, com processo sumário, no TAF de Braga, que igualmente se julgou incompetente em razão da matéria, atribuindo tal competência aos Tribunais Comuns, absolvendo os RR da instância.
Esta decisão transitou em julgado em 05.04.2013.
Os autos foram remetidos a este Tribunal para resolução do conflito negativo.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser atribuída a jurisdição aos tribunais administrativos.
De interesse para a decisão há os factos alegadas pelos AA na sua petição, de que se destacam:
1º. Os AA são proprietários do prédio urbano, situado no lugar de…….., freguesia de ……., ………, inscrito na matriz respectiva sob o artº. 7º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Celorico de Basto sob o nº…...
2º. Quando a ré C………….., SA procedia a obras de construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto, sob a autoridade e fiscalização dos 1º e 2º RR.
3º. Usando por diversas vezes do rebentamento de explosivos.
4º.Tais obras e rebentamentos provocaram, directa e necessariamente, fendas e fissuras no identificado dos AA.
5º. Estando estimado em, pelo menos, € 10.000,00 o custo da sua reparação.
6º. Pelo pagamento da indemnização são solidariamente todos os RR.
7º. A ré EP - Estradas de Portugal, SA por ser o responsável pela concepção e construção da aludida auto-estrada, que integra a rede viária nacional (artº. 4º nº 2 al. a) do DL nº 239/2004, de 21.12, e artº. 2º, nº 2 al. a) dos seus Estatutos, aprovados por esse diploma).
8. A ré Aenor - Auto-Estradas do Norte, SA por lhe ter sido concedida pela EP a concepção, o projecto e a construção da mesma auto-estrada e seus sublanços.
9º. A 3ª ré C………….., SA por ter sido quem directamente executou as obras do sublanço em causa e que procedeu aos rebentamentos de explosivos.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A competência em razão da matéria afere-se, em princípio, pelos termos em que o autor propõe a resolução do litígio, natureza dos sujeitos processuais, causa de pedir e pedido.
De acordo com os artºs. 211º nº 1 da CRP, 26º nº 1 da Lei 52/2008, de 28.08 (LOFTJ) e 66º do CPC são da competência dos Tribunais Judiciais todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Aos Tribunais Administrativos cabe, segundo o artº. 213º nº 3 da CRP, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por fim dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
O ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), aprovado pela Lei 13/2002, de 19.02, na redacção dada pela Lei nº 107-D/2003, de 31.12, definindo genericamente a competência dos tribunais administrativos, acolhe e reproduz, no seu artº. 1 nº 1 a norma da nossa Lei Fundamental.
Após, o seu artº. 4º nº 1 elenca, a título exemplificativo, vários tipos de litígios cujo objecto os insere na esfera de competência da justiça administrativa, do mesmo passo que nos nºs. 2 e 3 exclui outros.
O ETAF consagra um critério de definição de competência que deixou de assentar nos actos de gestão pública ou de gestão privada, entroncando, agora, em conceitos como a relação jurídica administrativa e a função administrativa.
A atribuição de competência à jurisdição administrativa depende da existência de uma relação jurídica em que um dos sujeitos, pelo menos, seja ente público (administração intervindo com poderes de autoridade, com vista à realização do interesse público), regulada por normas de direito administrativo.
O artº. 4º nº 1 al. i) do ETAF dispõe que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
No caso em análise trata-se da responsabilidade civil extracontratual da EP, Estradas de Portugal, SA pelos danos causados na construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto.
Esta ré é uma sociedade anónima de capitais públicos.
Foi transformada em sociedade anónima de capitais públicos pelo DL 374/2007, de 07 de Novembro, após a ocorrência do facto danoso, já que a data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Celorico de Basto é de 17.12.2007.
Antes designava-se EP - Estradas de Portugal, EPE e era uma empresa do sector empresarial do Estado.
A EP tem como objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos da concessão que com ela é celebrada pelo Estado (artº 4 nº 1 do DL 374/2007).
A EP rege-se pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, consagrado no DL nº 588/99, de 17.12.
Para o desenvolvimento da sua actividade a EP detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita (artº. 10º nº 2 do DL 374/2007):
a) A processos de expropriação;
b) Ao embargo administrativo e demolição de construções efectuadas em zonas non aedificandi e zonas de protecção estabelecidas por lei;
c) À execução coerciva das demais decisões de autoridade;
g) À regulamentação e fiscalização dos serviços prestados no âmbito da sua actividade e à aplicação das correspondentes sanções, nos termos da lei;
h) À responsabilidade civil extracontratual, no domínio dos actos de gestão pública.
Assim, de acordo com o preceituado pelo artº. 10º nº 2 al. h) do DL 374/2007, a ré EP detém as prerrogativas conferidas ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita à responsabilidade civil extracontratual, no domínio dos actos de gestão pública.
É inegável que a construção do sublanço da auto-estrada Fafe-Basto constitui um acto de gestão pública da ré EP.
Forçoso se torna concluir que a apreciação da eventual responsabilidade extracontratual da ré EP cabe à jurisdição administrativa.
Não constitui impedimento à atribuição da competência aos tribunais administrativos o facto de terem sido demandados uma concessionária e um particular, como resulta do nº 7 do artº. 10º do CPTA.
Nos termos expostos, decide-se o presente conflito atribuindo aos tribunais administrativos a competência em razão da matéria para julgar a presente acção.

Sem custas.

Lisboa, 09 de Dezembro de 2014. - José Amílcar Salreta Pereira (relator) - João Moreira Camilo - Vítor Manuel Gonçalves Gomes - José Francisco Fonseca da Paz - Fernanda Isabel de Sousa Pereira - Maria Fernanda dos Santos Maçãs.