Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:035/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ARMINDO MONTEIRO
Descritores:PRE-CONFLITO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS COMUNS
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA000P16627
Nº do Documento:SAC20131127035
Data de Entrada:05/06/2013
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 1 JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASCAIS E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 35/13-70.

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos:


A…………………, intentou acção em forma ordinária no Tribunal de Família e Menores de Cascais sob o n.º ………….3TBCSC, do 1.º Juízo Cível, contra B……………………., Limitada, entretanto declarada insolvente, e a Fazenda Nacional – Direcção Geral de Contribuições e Impostos, em que pede que as RR sejam condenadas a reconhecer que é comproprietária da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao 2.º piso do rés-do-chão direito e um estacionamento designado pelo n.º 4, no primeiro piso (cave e terraço) do prédio urbano sito à Rua …………….., …….. e …….-……., da Urbanização da ……………….., descrito sob o n.º 3158, da freguesia de ……………., inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o n.º 3885, fracção que, por escritura pública de 5.4.2006, adquiriu à primeira daquelas RR.

Mais alegou que a Fazenda Nacional através do Serviço de Finanças de Cascais, nos processos de execução fiscal n.ºs 3433200301 051105 e 343332000301051105, procedeu a duas penhoras da descrita fracção, compropriedade da A, a que correspondem as inscrições F2 e F3, registadas a 13.12.2006 e 22.5.2007 e as Ap.43, de 13.12.2006 e 101, de 22.5.2007.

A aquisição da fracção a favor da A. mostra-se registada, na CRP, posteriormente àquelas penhoras, através da inscrição subsequente G3, correspondente à Ap. 21/12092008, de 12.9.2008, registo que pode opor à segunda, sendo-lhe permitido reivindicar de terceiro a coisa comum sem que lhe possa ser lícito opor que lhe não pertence por inteiro.

Por isso pede que a R. Fazenda Nacional seja condenada a restituir-lhe o imóvel e ordenar-se o cancelamento das inscrições F2 e F3 3, registadas a 13.12.2006 e 22.5.2007 e as Ap.43, de 13.12.2006 e 101, de 22.5.2007.

As RR. contestaram por excepção e por impugnação.

A Ré, agora Massa Insolvente de B……………….., impugna a propriedade do meio processual usado, mostrando-se desajustada a acção de reivindicação para que faltam factos constitutivos do seu direito, atinentes à aquisição originária, não bastando os inerentes a uma aquisição derivada, não se arrogando ela de posse sobre o imóvel, invoca a ilegitimidade da A. desacompanhada de herdeiros dela e falecido marido, ineptidão da petição inicial por deficiência de causa de pedir, não se conseguindo depreender o pedido.

Em caso algum da escritura pública se depreende se o pagamento foi efectuado, o que a leva a impugnar a venda declarada

A A. não tem direito de propriedade porque um terceiro, a Fazenda Nacional, detém o registo a seu favor constituído antes do da A.

A Fazenda Nacional invocou, além do mais, a incompetência do tribunal comum, em razão da matéria, por as execução fiscais tendo-se iniciado nos Serviços Locais da Administração Tributária, nem por isso deixam de ser actos jurisdicionalizados, por isso, visto o que se preceitua nos art.ºs 276.º e 278.º, do CPPT, 921.º, do CPC e no que respeita aos embargos de terceiro, a execução fiscal só pode ser anulada por iniciativa do executado em reclamação a levar a cabo no processo de execução fiscal.

Nestes termos se mostra incompetente em razão da matéria o Tribunal comum, o que pede se declare.

Após a dedução de réplica, tréplica e a anulação da citação, depois processada no M.º P.º, que contestou, repetidos que foram os anteriores articulados, réplica da massa insolvente e tréplica foi proferido despacho saneador.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de incompetência absoluta, em razão da matéria invocada, por o cancelamento das penhoras registadas caber à jurisdição tributária, nos termos dos art.ºs 151 e 276.º, do CPPT, 166.º e 167 e, quanto aos embargos de terceiro, no 49º, do ETAF.

Foram, assim, os RR absolvidos da instância, com os fundamentos seguintes:

Os factos sujeitos a registo, como é o caso de imóvel, só produzem efeito em relação a terceiros se registados;

Na data em que a Fazenda Nacional registou as suas penhoras desconhecia se a A. era dona do imóvel por via de aquisição por escritura pública, porque o registo em seu favor se não tinha verificado

O registo predial em favor da A. é posterior, pelo que tais penhoras anteriores não podiam ofender o direito de propriedade da A., porque estava inscrito em nome de quem lhe vendeu o imóvel, desconhecendo ser a A. a adquirente.

O pedido de cancelamento de tais dois ónus inclui-se na esfera de jurisdição administrativa e fiscal, donde a consequência derivada dos art.ºs 94.º, da LOFTJ, 66.º, 101.º, 105.º, 103.º, 288.º n.º 1 a), 494.º n.º 1 a) e 510.º n.º 1 a), do CPC 151.º e 276.º, do CPTA e 49.º, do ETAF, é ser a competência dos TAF e a procedência da excepção de incompetência absoluta e a supramencionada consequência da absolvição instância.

Em apelação da A., por acórdão de 15.11.12, da Relação, foi confirmada a decisão recorrida por razões coincidentes com as invocadas pela Fazenda Nacional, bem como, e sempre, pelo M.º P.º, concluindo-se que tendo a penhora sido decretada em processo de execução fiscal é dentro da esfera de competência dos tribunais fiscais que a acção deve ser apreciada, claro sendo que o tribunal comum é incompetente para conhecer do pedido de condenação de restituição do imóvel e cancelamento das inscrições das penhoras F2 e F3, de 13.12.2006 e 22.5.2007.

Interpôs, de seguida, recurso para o Tribunal da Relação a A., concluindo que:

Nas acções de reivindicação, como a presente, sendo o pedido principal o de reconhecimento do direito de compropriedade e a restituição à sua posse, o tribunal devia ter atendido ao pedido e causa de pedir, para aferir da competência, sem considerar outras questões.

A circunstância de a causa de pedir aludir a duas penhoras promovidas pelo fisco não assume relevância para subtrair a questão ao tribunal comum

A causa de pedir não é a penhora e a legalidade respectiva, é a propriedade do imóvel e são os efeitos do registo predial

A acção de reivindicação não pode ser considerada como um incidente de um processo de execução fiscal e nem se enquadra nos casos previstos no n.º 1, do art.º 151, do CPPT e nem da al. d) do art.º 49.º, do ETAF.

Irrelevam os art.ºs 151.º, 276º, 166º e 167º, do CPPT,

Nada resulta dos autos que a A. pretenda discutir a ilegalidade da penhora, por infracção de regras de direito fiscal.

Conclui pela incompetência do Tribunal Tributário e pela violação dos art.°s 212.º n.º 1 e 214.º n.º 3, da CRP, 66.º do CPC e 1 a 4, do ETAF, revogando-se a decisão recorrida.

A Relação, implicitamente, reconheceu a competência do tribunal comum para apreciar o pedido de declaração de compropriedade da A., mas julgou-o materialmente incompetente quanto à restituição do bem e cancelamento do registo das penhoras e confirmou a decisão de 1ª instância.

O argumento de que o pedido de cancelamento depende dos demais dois pedidos, não devendo ser o principal, não tem assento na Lei n.º 13/2002, de 19/2, não é suficiente para estender ao tribunal comum a competência para conhecer um outro pertencente a uma jurisdição não comum.

No recurso para o TC, interposto pela A. esta conclui que:

Para aferir da competência do tribunal devia ter a Relação considerado os pedidos e a factualidade alegada pela A., não executada nos processos de execução fiscal. Nem o bem em questão garante obrigação da 1.ª Ré.

E os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição do bem, por ofensa com os registos das penhoras, caracterizam acção de reivindicação.

E o ETAF e o CPPT não contêm elementos atributivos da competência para a acção de reivindicação, questão de direito privado – art.ºs 172.º e 138.º, do CPPT, na qual se discute se o direito real invocado é oponível ao réu, por forma retirar-lhe a posse.

Na acção não se discute a penhora e respectiva legalidade, mas a propriedade do imóvel e a ofensa que a esse bem é feita por força das regras do registo predial quanto às penhoras.

O ETAF, nos art.ºs 4, 49.º e 151.º, não contém disposição legal estabelecendo a competência dos TAF para que se conheçam de acções de reivindicação

A competência para delas se conhecer é, por via residual, a jurisdição comum.

Isto porque se não discute a penhora e respectiva legalidade, do ponto de vista fiscal, mas a propriedade do imóvel e ofensa sobre a propriedade do bem por força das regras de registo predial.

O que a A. sustenta é que o imóvel lhe pertence em compropriedade derivada do registo predial e não de qualquer norma ou princípio de direito tributário, não atingido como executada a A., que não é executada e em que o imóvel não responde por dívida da executada.

Deve decidir-se no sentido da prossecução do processo na jurisdição comum para apreciar e decidir todos os pedidos.

Pedindo a A. a apreciação da propriedade, questão de direito privado, e restituição do bem, o pedido de cancelamento dos registos, por dependência funcional do reconhecimento e do dever de restituição, no limite sempre se enquadra na expressão “incidentes”, do n.º 1, do art.º 96.º, do CPC, entendido em sentido amplo, englobando os pedidos acessórios ou dependentes formulados em acumulação real na extensão de competência ou competência conexa.

Fez menção de sublinhar que num caso em que se discutia reivindicação e penhora em execução fiscal, mas porque o pedido e a causa de pedir evidenciavam que a propriedade não era controvertida, mas existia uma questão de legalidade de penhora fiscal, a competência deveria ser deferida à jurisdição administrativa, como o foi, mas a similitude com o presente caso é só aparente.

Deve revogar-se a decisão recorrida por aplicação dos art.ºs 212.º n.º 1 e 214.º n.º 3, da CRP, 66.º, do CPC, 1º, 4.º e 49.º, do ETAF, 151.º, do CPPT e 1311.º, do CC..

Em contra-alegação a Exm.º Magistrada do M.º P.º na Relação por aplicação do art.º 49.º d), do ETAF, defendeu a competência dos tribunais administrativos e fiscais para a apreciação da causa.

A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta no TC apôs o seu visto.

Colhidos os legais vistos, cumpre decidir:

Existe em Portugal uma ordem jurisdicional administrativa e fiscal verdadeiramente consolidada que a Constituição faz assentar num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, mas “sem erigir esse critério num dogma, uma vez que a Constituição, como o Tribunal Constitucional tem entendido não estabelecer-se uma reserva material absoluta, impeditiva aos tribunais comuns de competência em matéria administrativa ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa de competência em matérias de direito comum”, escrevem João Caupers e João Raposo, in A Nova Justiça Administrativa, pág. 11.

E a CRP no seu art.º 212.º, n.º 3, atribui aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, enquanto órgãos de soberania, cabe a administração da justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais – art.º 1.º, do ETAF.

O âmbito do domínio da justiça administrativa e da distinção entre direito privado e público passa, pois, pela definição do que devam ser relações públicas, que, para Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, Lições, Almedina, pág. 56, são aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, actua na veste de autoridade pública, munido de um poder de “imperium” com vista à realização de um interesse público legal.

E assim a jurisprudência o tem entendido, de que são exemplos os ACS. deste Tribunal de 5.6.2008, P.º 21/06, de 4/11/2008, P.º 21/07, de 4.11.09 , P.º 6/09, de 28/10 e de 12.1.12; P.º 0/11

São relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais as que se estabelecem entre a Administração e os particulares, em que ocorre uma prevalência do interesse público sobre o particular traduzido na atribuição de poderes de autoridade à Administração, segundo Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, I; 57.

Fernandes Cadilha sustenta que, por relação administrativa, se deve entender a estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração Pública), regulada por normas de direito administrativo e das quais resultam posições subjectivas.

Esse âmbito, como o tem perfilhado o Tribunal Constitucional “... não estabelece uma reserva material absoluta, impeditiva da atribuição aos tribunais comuns de competências em matérias administrativas ou fiscal ou da atribuição à jurisdição administrativa de matérias de direito comum, o que não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução entre direito público e privado.”, escreve Sérvulo Correia, in Direito do Contencioso Administrativo, pág. 714.

A inserção do art.º 212.º n.º 3, na CRP, criando um modelo de jurisdição administrativa tendo como núcleo central a relação administrativa teve por escopo, segundo Jorge Miranda, in “Parâmetros Constitucionais da Reforma Administrativa, CJA, n.º 24, pág. 3 e segs, a “abolição do carácter facultativo da jurisdição administrativa e não a consagração de uma reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos” o que desde que se respeite o modelo típico, permite sem ofensa à lei constitucional “alargar o perímetro da jurisdição dos tribunais administrativos a algumas relações não administrativas, seguindo-se, de perto, o Ac. deste TC, de 16.2.2012, Pº n.º 18/11, onde se dá conta ser esse o entendimento dominante no STA, impresso nos seus Acs., do Pleno, de 18.2.98, Rec.º n.º 40247, da Secção de 14.6.2000, Rec.º n.º 45633, de 31.10.2002, Rec.º n.º 1329/02 e do Tribunal Constitucional n.ºs 372/94, DR II Série, n.º 204 e 347/97, DR II Série, n.º 170, de 25/7, de 1997

Relações jurídicas administrativas são aquelas que conferem poderes de autoridade ou impõem deveres públicos aos particulares perante a administração, escreve o Prof. Freitas do Amaral, in Direito administrativo III, págs.439 e 440. e é para dirimir os conflitos de interesses surgidos no âmbito destas relações e com vista à garantia do interesse público que se atribui competência específica aos tribunais administrativas – cfr. Acs. da Relação Guimarães, de 18.1.2006, CJ, Ano 2006, T I, pág. 276 e da Rel. Coimbra de 27.4.2004, in www.dgsi.pt.

A relação jurídico-administrativa tributária surge “em correspondência com direitos potestativos, escreve o Prof. Vieira de Andrade, op.cit., pág. 63, com estádios de sujeição, ao abrigo do “jus imperii”, da administração pública, como instrumento de realização de interesses públicos, em vista de cobranças de impostos e não só.

Por isso a linha de demarcação da competência entre tribunais administrativos e fiscais funda-se numa relação da vida social disciplinada pelo direito administrativo e dirigida à satisfação do interesse público ou das necessidades colectivas – cfr. Prof. Manuel de Andrade, Teoria Geral, I, 2.

A A. declarou ter procedido à R., B…………………. Ld.ª, hoje Massa Insolvente, a compra de uma fracção autónoma, designada pela letra “B”, por escritura pública de 5.4.2006, correspondente ao r/c direito, sito no 2.º piso, que faz parte do imóvel sito no prédio, em propriedade horizontal, inscrição F!, da Rua ……………….. sob o n.º 155, da Urbanização ………………, freguesia de ………………, Cascais, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob a ficha n.º 3158/141299, pelo preço de 164.000€.

Sobre a dita fracção a Fazenda Nacional, pelo Serviço de Finanças de Cascais, procedeu a duas penhoras com registo a 13/12/2006 e 22.5.2007, estando a fracção, ainda inscrita em nome da vendedora, executada, só sendo inscrita no registo em favor da A., adquirente, a dita fracção mas depois daquelas duas penhoras, ou seja em 12.8.2008

A A. intenta pedido de restituição, sob o arquétipo de acção de reivindicação, modelada de forma clara no art.º 1311.º, do CC, que pressupõe que o imóvel está em posse alheia, peticionando o proprietário o reconhecimento do direito de propriedade ou compropriedade e a consequente restituição do que lhe pertence ao mesmo tempo, cumulando aquela o pedido o cancelamento das duas penhoras, que, a Fazenda Nacional, em execução fiscal movida à vendedora, fez registar antes de a A. registar o direito de propriedade em seu favor após a alegada aquisição.

E a questão que se coloca é pois a de saber qual a jurisdição competente para reconhecimento do direito de compropriedade e a subsequente restituição da fracção a favor da A. e decidir da validade e eficácia dessas penhoras fiscais, incidentes sobre o imóvel de que se diz dona a A., limitando-lhe o âmbito daquele direito, como ónus reais que são e que tornam ineficazes em relação exequente os actos de disposição ou oneração de bens – art.º 819.º, do CC.

A questão da competência afere-se, como é jurisprudência sem qualquer divergência, pelo pedido do autor e seus fundamentos, ou seja a causa de pedir, factualizada, segundo a teoria da substanciação, que rejeita afirmações vagas, não concretizadas, ou seja pelo que é “disputatum” em antítese com o que mais tarde será decidido, segundo Redenti, Processo Civil, I; 265, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 86., Miguel Teixeira de Sousa, in Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, pág. 36 e Acs. do STJ, de 3.2.87 e de 20.5.98, BMJ 364, pág. 591 e BMJ 477, pág. 389, entre muitos.

A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, enquanto medida da sua jurisdição, é definida no art.º 4.º do ETAF O seu n.º 1 segue a técnica do enunciado genérico dos actos sobre que incide a sua competência; os seus n.ºs 2 e 3 materializam-se algumas excepções àquela competência.

Os tribunais administrativos e fiscais apresentam-se hoje como uma área própria, uma reserva de jurisdição que espelha o seu núcleo essencial, ainda que algumas matérias possam ser pontualmente atribuídas a outra jurisdição – Ac. do STA, de 3.10.96, Rec.º 41403, 26.2.97, Rec.º n.º 41487 e do TC, P.º n.º 372/94, DR 25.07.97.

Hoje os tribunais em matéria administrativa e fiscal apresentam-se como autênticos tribunais, o que implica disporem dos meios processuais adequados para darem satisfação às pretensões formuladas pelos administrados nos processos da sua competência.

Estamos perante uma acção, que é apelidada pela A. como de reinvindicação, acção real, alicerçada em aquisição originária ou em facto presuntivo do direito de propriedade, fornecido pelo registo predial, não cabendo a este TC nem a análise da suficiência na alegação dos seus pressupostos nem o mérito da causa neles apoiado, pese embora nos subsequentes articulados a A. se tenha sucessivamente empenhado por preencher lacunas de alegação.

O art.º 151.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no seu n.º 1, estabelece que compete ao tribunal de 1ª instância da área onde corre a execução (...) decidir os incidentes, os embargos a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária, a graduação e verificação de créditos e as reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal.

O disposto no n.º 1 não se aplica quando a execução fiscal deve correr nos tribunais comuns – n.º 2.

Do mesmo modo que do 49.º d), do CPPT, compete aos tribunais tributários conhecer dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação de venda, oposição e impugnação dos actos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal.

Os incidentes são não só os expressamente previstos no art.º 166º, do CPPT (embargos de terceiro, habilitação de herdeiros e apoio judiciário), como qualquer incidente atípico de carácter jurisdicional, nomeadamente dedução de excepções e arguição de nulidades e todas as questões colocadas no processo que tenham de correr autonomamente em relação ao objecto do processo e através de decisão de carácter jurisdicional - CPPT, Anot., Cons.º Lopes de Sousa, 766.
Incidentes são ocorrências extraordinárias que perturbam o andamento normal do processo.

A acção de reconhecimento do direito propriedade da fracção e sua restituição não é um incidente, é uma acção; uma acção não se integra no conceito de incidente, isto por maior amplitude, em interpretação extensiva, que se queira conferir ao conceito de incidente; o pedido de cancelamento das penhoras tributárias é consequente àquele seu direito que a A. entende não dever sofrer qualquer limitação, por declarar, afirmação que não sofre contestação, nada dever ao fisco.

O pedido de reconhecimento do direito de propriedade e restituição do bem abrangido pelas penhoras é uma pura questão de direito privado, nascente de uma relação contratual, de um contrato de compra e venda entre particulares, por outro lado a ineficácia da penhora como consequência do seu exclusivo direito de propriedade delas dever ser isento pode e deve ser analisado em conjunto, não separadamente

A própria A. não interveio em qualquer relação tributária como seu sujeito, não sendo executada por, segundo alega, não ser devedora de qualquer importância ao fisco, sendo completamente alheia à relação que gerou as penhoras.
Por outro lado o art.º 172.º do CPPT ao dispor que “A acção judicial que tenha por objecto a propriedade ou posse dos bens penhorados suspende a execução com relação a esses bens embora possa prosseguir noutros”, não deixa de fornecer um contributo relevante para remeter o tratamento jurídico dessas questões aos tribunais comuns, na pressuposição que não corra no tribunal tributário.

E sendo residual a competência atribuída à jurisdição comum – art.º 66.º, do CPC (actualmente 64.º, do CPC) como é jurisprudência pacífica, afirmada a cada passo, não havendo norma atributiva de competência à tributária, só resta concluir que a jurisdição comum é a competente para definir se a A. é ou não proprietária da fracção e, por arrastamento, o efeito jurídico das penhoras registadas pelo fisco sobre o prédio, que, do seu ponto de vista, não o devem afectar, e consectariamente o pedido de cancelamento respectivo.
A especificidade desta acção é meramente aparente, só ressaltando o facto de ser o Estado pelo fisco a entidade que procede à penhora para cobrar um crédito, como qualquer particular o pode requerer e o tribunal comum ordenar, não relevando a natureza da entidade em causa como factor atributivo de competência à jurisdição tributária, como se decidiu.
Nestes termos se declara competente a jurisdição comum, à qual os autos deverão ser remetidos, por não haver razão para se remeter uma acção, onde se discute, em toda a linha, uma questão de direito privado a uma jurisdição estranha, confirmando-se a decisão recorrida.

Revoga-se, pois, o acórdão recorrido, da Relação, provendo-se ao recurso.
Sem custas. Notifique.
Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Armindo dos Santos Monteiro (relator) – António Políbio Ferreira Henriques – José Adriano Machado Souto de Moura – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – António Leones Dantas – António Bento São Pedro.