Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:044/19
Data do Acordão:11/03/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO
ACIDENTE NO LOCAL E TEMPO DE TRABALHO
REGIME INFORTUNÍSTICO
JURISDIÇÃO MATERIALMENTE COMPETENTE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26667
Nº do Documento:SAC20201103044
Data de Entrada:09/27/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE LISBOA NORTE – LOURES – INSTÂNCIA CENTRAL – 1ª SECÇÃO TRABALHO – J2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA UO 3
AUTORA: A............
RÉU: ESTADO PORTUGUÊS E B............, SEGUROS, S.A.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 44/19


O Tribunal dos Conflitos, acorda:


I - RELATÓRIO

A……… com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em 24 de julho de 2017, ação administrativa contra:

-o ESTADO Português, na sua qualidade de empregador; e

-B……….. SEGUROS S.A., enquanto entidade para a qual o Estado transferiu a responsabilidade infortunística, que pudesse advir da relação laboral, peticionando a condenação dos RR a reconhecer a incapacidade da A, resultante de acidente ocorrido no local e no tempo de trabalho em 7 de julho de 2015, e a ressarci-la dos danos sofridos patrimoniais e não patrimoniais emergentes desse acidente.

Para tanto alega:

1. Através do Instituto de Emprego e Formação Profissional I.P., no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção, celebrou em 6.01.2015, contrato de Emprego Inserção com o Agrupamento de Escolas n.º …… de ………, para prestar serviços de auxiliar de cuidados de crianças, com início em 5.01.2015 e termo em 4.01.2016.
2. Aquela entidade empregadora celebrou com a R. Seguradora contrato de seguro de acidentes pessoais-grupo, abrangendo o risco profissional, com efeitos a partir de 19.01.2015, titulado pela apólice n.º ………., no qual figurava como beneficiária a Autora.
3. Que, pelas 11 horas de 6 de julho de 2015, quando no seu horário de trabalho limpava as mesas e as cadeiras de uma sala de aulas do Agrupamento de Escolas n.º ……. de ………., sito na Avenida ………, em ………., uma cadeira caiu-lhe em cima do pé esquerdo.
4. Pancada que lhe provocou traumatismo, causando-lhe dores e inchaço do mesmo pé, de modo que, no dia seguinte, teve de recorrer ao Hospital Beatriz Ângelo, na Amadora.
5. Tendo-lhe sido diagnosticada contusão no pé esquerdo, com prescrição de tratamentos, com gelo, analgésicos e repouso.
6. A entidade empregadora, o R. Estado, através do Agrupamento de Escolas n.º…… de ………, em 7.01.2015, participou o sinistro a R. Seguradora.
7. A 2ª R., na sequência daquela participação, instaurou processo interno (de sinistro) com o n.º 000364224.
8. A 2ª R, reembolsou a A. das quantias que esta despendeu com a aquisição de medicamentos e pagou-lhe os dias que esteve de baixa médica,
9. Todavia, não a reembolsou de €20,87, despendidos com a compra de analgésico e antipirético na Farmácia e duas viagens de táxi ao hospital, para consultas.
10. E não lhe prestou qualquer assistência médica nem a submeteu a exames de avaliação para fixação da data da alta e apuramento de incapacidades funcionais.
11. Que ficou com sequelas, designadamente dor permanente, o pé mais alto, e, por isso, não consegue andar depressa.
12. Só consegue calçar sapatos largos, tipo sapatilhas, que tem de mandar fazer por medida.
13. Porque lhe exigiam sapatos normais, teve que rejeitar uma proposta de trabalho
14. Que ficou afetada de incapacidade permanente parcial que pretende ver apurada.
15. Pretende ser reparada com as prestações a que tem direito.

Ação que foi atuada como proc. n.º 1739/17.7BELSB.

Os RR, citados, contestaram a ação.

O R. ESTADO Português, representado pelo Ministério Publico, excecionou a incompetência absoluta em razão da matéria da jurisdição administrativa, para conhecer da causa, atribuindo a competência material aos tribunais da jurisdição comum, apoiando-se, além do mais, em jurisprudência do Tribunal de Conflitos, que identifica.

Replicou a Autora, esclarecendo ter apresentado queixa no Tribunal do Trabalho de Loures, que se declarou materialmente incompetente.

A Sr.ª Juíza titular do processo, por saneador-sentença datado de 26/04/2019, julgou o TAC incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolveu os RR. da instância.

Transitada em julgado a decisão referida, o TAC, por despacho de 4/09/2019, julgando verificada a existência de conflito negativo entre aquele seu saneador-sentença e decisão do Tribunal da comarca de Lisboa norte - Instância Central -, 1ª sec.ª do Trabalho -Juiz 2, suscitou a resolução do conflito negativo para conhecer da questão que a Autora apresentou, sucessivamente, nos dois tribunais, determinando a remessa dos autos ao Tribunal de Conflitos.

Neste Tribunal, constatando-se que não constava ainda dos autos, foi obtida, e junta ao processo, certidão do despacho de 9/11/2016, proferido pela Exma. Juíza no proc. n.º 2293/16.2TBLRS, instaurado no Juízo do Trabalho de Loures -Juiz 2, que, conhecendo da exceção aí deduzida pelo Ministério Público, declarou incompetente aquele tribunal, em razão da matéria, absolvendo da instância a entidade responsável.

Do mesmo despacho e da promoção sobre que incidiu, extrai-se que A……… participou ao Tribunal da comarca de Lisboa Norte - Instância Central 1ª Sec.ª do Trabalho - Juiz 2, o acidente laboral sofrido pela própria, narrado na petição inicial que originou a instauração do vertente processo.

Ambas as decisões a enjeitar a competência própria transitaram em julgado: a da jurisdição laboral comum em 11/2016; a da jurisdição administrativa em 3.06.2019.

O Ministério Público neste Tribunal teve vista, pronunciando-se pela atribuição da competência material à jurisdição laboral comum para apreciação do acidente sofrido pela A. e a reparação dos danos dele emergentes.

B. A QUESTÃO MATERIAL:

Sumariamente, a A. pretender efetivar judicialmente o direito as prestações emergentes do sinistro que sofreu em 6 de julho de 2015, quando, no local e tempo de trabalho, realizava trabalho socialmente necessário no Agrupamento de Escolas n.º …… de ……., de que estava incumbida em execução de contrato emprego-inserção.

C. FUNDAMENTAÇÃO:

1. da competência:

O Tribunal de Conflitos está constitucionalmente previsto - art 209º n.º 3 da CRP.

Forma-se nos termos da lei.

Intervém na resolução de conflitos de jurisdição entre tribunais judiciais e tribunais administrativos ou fiscais (à data, os artigos 109º e 110º do Código de Processo Civil. E ainda na apreciação de recursos para fixação de competência 101º do CPC, nas situações designadas de pré-conflito ou conflito eventual, quando a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.

O novo regime da resolução dos conflitos de jurisdição entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais, regulando a composição, a competência, o funcionamento e o processo perante o tribunal dos conflitos aprovado pela Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020 e aplica-se aos pedidos de resolução de conflitos de jurisdição formulados após a sua entrada em vigor; e aos recursos para o Tribunal dos Conflitos interpostos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor.

Tendo o presente processo sido instaurado em setembro de 2019, é, pois, este o Tribunal competente para resolução do vertente conflito negativo de jurisdições.

2. conflito negativo de jurisdição:

Documentam os autos conflito negativo de competência material entre a jurisdição administrativa e a jurisdição comum laboral.

O Tribunal Administrativo prevalecendo-se da jurisprudência do Tribunal de Conflitos, concretamente do Ac. proferido no processo n.º 15/17, que extensamente transcreve, por decisão transitada em julgado, recusa a competência material para dirimir a questão apresentada na ação administrativa intentada pela autora A………., em que o evento ou relação material subjacente emerge do invocado acidente acima descrito, sofrido pela mesma, em 6 de julho de 2015, no seu local e tempo de trabalho, à data, a escola sita na Av.ª …………., do Agrupamento de Escolas n.º ……. de …………

Por sua vez, o Juízo do Trabalho de Loures - Juiz 2, amparando-se em decisões das Relações que indica, por despacho transitado em julgado, tirado no processo proc. n.º 2293/16.2TBLRS, recusou a competência material para conhecer da participação de acidente de trabalho e subsequente determinação e reparação dos danos causados pelo mesmo sinistro que vitimou a ali participante A……….

O TAC e o Juízo do trabalho dos tribunais de comarca pertencem a ordens jurisdicionais distintas: respetivamente a administrativa e a judicial comum (laboral).

Em cada caso concreto, a competência dos tribunais em razão da matéria, ou jurisdição, afere-se em função da configuração da relação material controvertida, tal como vem apresentada pelo autor.

i. da competência material

Determinando, a competência material dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, o art. 212º n.º 3 da Constituição da República, dispõe:
“Compete aos tribunais administrativos (…) o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (...)”.
Comentando esta norma, Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que “[a] letra do preceito constitucional parece não deixar margem para exceções, no sentido de consentir que estes tribunais possam julgar outras questões ou que certas questões de natureza administrativa possam ser atribuídas a outros tribunais. E se é certo que o primeiro ponto não causa dificuldades, já o segundo as levanta, visto não serem poucas as áreas em que a lei tradicionalmente confia a outros tribunais a competência para o julgamento de questões que em princípio se devem ter por administrativas [...]. Por isso, melhor se diria que estes tribunais são os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, à imagem da norma relativa aos tribunais judiciais (art. 211º-1), mas só forçadamente é que o presente texto consente tal interpretação” (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra, 1993, pág. 814.)
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O Tribunal Constitucional, assinala que “na doutrina administrativista, porém, tende a considerar-se que este número do art. 212º não consagra uma reserva material absoluta, surgindo posições mais mitigadas. Assim, Vieira de Andrade aceita o entendimento de Sérvulo Correia de que “a melhor doutrina [...] parece ser, no entanto, a que não lê o referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma proibição absoluta, mas [...] como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que sem prejuízo do núcleo caracterizador do modelo” (Direito Administrativo e Fiscal, lições policopiadas, Coimbra, 1993-1994, págs. 9 a 11; aí se dá conta da posição de Freitas do Amaral no sentido da possibilidade de remissão pelo legislador para a jurisdição comum de questões emergentes de relações jurídicas administrativas quando estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos, de forma a assegurar uma protecção mais intensa desses direitos)” (Ac. n.º 579/94, de 26/10/1994, Proc. nº 280/90, 1ª Secção. Também Ac. nº 508/94, Proc. Nº 777/92.)

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A competência material da jurisdição comum ou regra, a chamada ordem dos tribunais judiciais é toda a que não esteja atribuída por lei a outra jurisdição.
Assim mesmo estabelece o art. 211º, n.º 1 da Lei Fundamental dispondo que:

1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível (...) e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

Regulamentando os parâmetros constitucionais, a Lei de Organização do Setor Judiciário/LOSJ - Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto -, no art. 40º n.º 1 estabelece que: Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

No art. 126º n.º 1 aI.ª c) atribui-se aos juízos do trabalho em matéria cível competência para conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho”.

Por sua vez, o art. 144º n.º 1, reproduzindo a norma da Constituição da República, dispõe: Aos tribunais administrativos (...) compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas (...)”.

O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais/ETAF, - Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro -, ,no art. 4º, delimita a competência material dos tribunais administrativos. Do amplo leque de matérias catalogadas, à resolução do vertente conflito negativo de jurisdição, interessa somente atentar que à jurisdição administrativa compete apreciar “de litígios que tenham por objeto questões relativas” (n.º 1) a “relações jurídicas administrativas” - (al.as a) e o).
Genericamente, têm competência para dirimir controvérsias surgidas no âmbito de uma relação jurídica constituída ou emergente de regimes de direito administrativo. Ou mais precisa e repetitivamente, nos limites estabelecidos pelo citado comando da nossa Magna Carta, instruir e julgar ações (...) que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.”

Entre as exclusões da competência dos tribunais administrativos assinala-se “A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público - n.º 4 al.ª b).

Esta norma, ademais da afirmada exclusão, limita a competência material dos tribunais administrativos à existência de vínculo público de emprego. Não existindo este vínculo especial, a jurisdição administrativa é materialmente incompetente para dirimir questões emergentes de qualquer outra relação laboral estabelecida entre as partes mesmo que uma delas seja o Estado ou outra pessoa coletiva de direito público.

ii. contrato emprego-inserção:

Pelo que determinante na resolução do vertente conflito é saber se o contrato emprego-inserção em causa criou um vínculo de emprego público entre o Estado - o Agrupamento de escolas n.º ……. de ………… e a A, A………..
Até porque, concomitantemente, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Lei n.º 35/2014, de 20 de junho -, no art. 12º, atribui competência aos tribunais administrativos para dirimir os litígios emergentes do vínculo de emprego público.

No art. 6º n.º 2 define-se: Vínculo de emprego público é aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua atividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração.

“Reveste as seguintes modalidades:
a) Contrato de trabalho em funções públicas;
b) Nomeação;
c) Comissão de serviço.

O contrato emprego-inserção é uma medida de apoio a desempregadas/os subsidiados pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.) ou trabalhadores nele inscritos ou com o contrato suspenso, ou nas condições enunciadas no art. 5º n.º 3 da Portaria 128/2009 de 30 de janeiro na redação dada pela Portaria 20-B/2014.

Destina-se a desenvolver trabalho socialmente necessário em atividades que satisfaçam necessidades sociais ou coletivas temporárias, de entidades coletivas públicas ou entidades privadas sem fins lucrativos.
É condição sine qua non não visar a ocupação de postos de trabalho da entidade promotora, mesmo que temporariamente vagos. Visa, essencialmente, que o desempregado se mantenha ativo e em contato com o mercado de trabalho (Designadamente: preservando e melhorando as suas competências socioprofissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho; fomentando o contacto com outros trabalhadores e atividades, evitando o risco do seu isolamento, desmotivação e marginaIizacão.). A prestação do desempregado subsidiado destina-se exclusivamente a satisfazer “necessidades sociais ou coletivas temporárias”.

Ainda que celebrado com termo certo e renovável, não é um contrato de trabalho típico. Tanto assim que durante o período de execução do contrato emprego-inserção, o desempregado subsidiado pode, a qualquer momento, ter de aceitar ou recusar colocação num posto de trabalho indicado pelo IEFP; tem de continuar a procura ativamente emprego, para o que lhe é conferido direito a um número determinado de dias por mês. dias para procurar ativamente emprego. Cessa imediata, se obtiver ou recusar emprego ou iniciar ou recusar ação de formação. E outro tanto sucede se perder o direito às prestações de desemprego ou do rendimento social de inserção.

Durante o período de execução do contrato emprego inserção, o desempregado subsidiado mantém-se abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego.

Não tem direito a auferir retribuição equivalente à contraprestação de atividade laboral. Ao subsídio que está a auferir, acresce uma bolsa complementar ou uma bolsa de ocupação mensal paga pela entidade promotora e comparticipada pelo IEFP, I.P.

A entidade promotora está obrigada a efetuar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, que é também comparticipado pelo IEFP.

Assinala-se no Ac. de 30/01/2020 tirado no conflito n.º 15/19 que “a natureza destes contratos não é substancialmente diferente da de diversos instrumentos de execução de políticas de inserção no mercado de trabalho, reconversão profissional de desempregados, de que são testemunho a Portaria n.º 131/2017, de 7 de abril, promotora de Estágios Profissionais, ou de outros contratos em situações mais específicas, como ocorre com os previstos na Portaria n.º 254/2017, de 11 de agosto (…).

Consagra uma relação jurídica atípica em que sobressaem a finalidade especial - de manter o desempregado ativo e em contacto com o mercado laboral -, e a trilateralidade do vínculo estabelecido entre o beneficiário, a entidade promotora e o IEFP, I.P., no âmbito da qual o primeiro se compromete a desenvolver trabalho socialmente necessário sob as ordens, direção e fiscalização da segunda.

Com este regime jurídico, e não obstante se inserir nas políticas estaduais de segurança social, conclui-se, indubitavelmente, que o contrato emprego-inserção, não estabelece um vínculo de emprego publico entre o desempregado subsidiado e a entidade promotora, mesmo que as funções que desempenhar sejam de natureza pública.

Sendo inquestionável que está completamente à margem das outras modalidades de constituição do vínculo de emprego público (a nomeação e a comissão de serviço).

Certamente que as entidades públicas podem celebrar contratos individuais de trabalho para executar outras atribuições ou necessidades temporárias que não se incluam no âmbito das respetivas funções públicas.

Todavia, como se assinalou, os litígios emergentes desses vínculos laborais comuns, isto é, da relação jurídica estabelecida através de contrato individual de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito publico, estão excluídos da jurisdição dos tribunais administrativos.

iii. reparação infortunística:

O regime jurídico dos acidentes de trabalho no âmbito da administração pública instituído no DL n.º 503/99, de 20 de novembro aplica-se, essencialmente, aos “trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado” - art. 2º n.º 1.

No caso, inexistindo vínculo de emprego público, nas modalidades indicadas na lei, fica liminarmente excluída a qualificação do sinistro sofrido pela A, como acidente em serviço e que possa tratar-se à luz do regime jurídico dos acidentes de trabalho na administração pública.

Diversamente, no âmbito da medida contrato emprego-inserção, para garantir a reparação dos eventos lesivos ou dos danos sofridos pelo desempregado subsidiado no desenvolvimento do serviço social necessário, a entidade promotora é obrigada a transferir a responsabilidade infortunística, celebrando contrato com companhia seguradora.

A obrigação - de imposição se trata - de transferência da responsabilidade pela reparação das lesões e danos que possa sofrer o desempregado subsidiado durante a execução do trabalho socialmente necessário que só tem justificação, precisamente por o contrato emprego inserção se situar completamente à margem de qualquer vínculo de emprego público ou vínculo laboral. É que a Lei dispensa a administração central, regional e local e as demais entidades de transferir a responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pelos seus servidores na medida em que os respetivos funcionários e agentes sejam abrangidos pelo regime de acidentes em serviço ou outro regime legal com o mesmo âmbito - art. 80º da Lei n.º 98/2009.

Em caso de acidente sofrido pelo desempregado subsidiado na execução do respetivo contrato emprego-inserção responde a seguradora contratada pela reparação dos danos emergentes do sinistro.

Não sendo aplicável o regime jurídico dos acidentes em serviço na administração pública, excluída fica também a jurisdição dos tribunais administrativos.

Existindo um contrato de seguro de reparação dos riscos profissionais, celebrado entre a entidade promotora e uma seguradora, do qual é beneficiária a desempregada subsidiada, resta, evidentemente, aplicar o pertinente regime da reparação infortunística. A efetivar contenciosamente nos tribunais judiciais comuns.

Do que vem de dizer-se resulta resolvido o conflito negativo de jurisdição, excluindo-se das competências dos tribunais administrativos a questão a dirimir apresentada pela autora A……… e, consequentemente, afirmando-se a competência material da jurisdição judicial comum.

2. a jurisprudência do tribunal sobre a questão:

Este Tribunal tem jurisprudência uniforme tirada precisamente sobre conflitos negativos de jurisdição iguais ou praticamente idênticos aos do vertente caso, envolvendo acidentes sofridos pelo beneficiário da medida contrato emprego-inserção.

Ademais do acórdão de 19/10/2017, tirado no conflito 15/17, longamente citado no saneador-sentença do TAC, no qual se entendeu que [d]o contrato celebrado entre as partes decorre a existência de uma relação de trabalho subordinado (…), sendo que se trata de uma relação atípica, com componentes retributivas e com uma dimensão de precaridade” e conclui que o acidente sofrido pelo desempregado subsidiado no local e tempo de trabalho socialmente necessário desempenhado em execução de contrato emprego-inserção é “considerado um acidente de trabalho, nos termos da Lei n.º 98/2009, concretamente à luz dos artigos, 3º que se refere ao âmbito da lei e da noção conceito de acidente de trabalho que resulta dos artigos 8º e 9.º daquela Lei”, posteriormente resolveu-se também, sem discordância, atribuir competência ao tribunal da jurisdição comum laboral no conflito 53/17, Ac. de 25/1/2018, no conflito 36/18, Ac. de 13/12/2018, no conflito 40/18, Ac. de 31/01/2019; no conflito 42/18, Ac. de 28/02/2019; conflito 15/19, Ac. de 30/01/2020; e no conflito 37/19, Ac. de 5/02/2020 - todos disponíveis nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt

Jurisprudência que, no essencial, aqui se segue, porque, como se expôs, os regimes jurídicos aplicáveis e que acima se convocaram e analisaram, não ampararem solução diversa para resolver o vertente conflito de jurisdição.
Resumidamente, o contrato emprego-inserção para a realização de trabalho socialmente necessário por desempregados subsidiados não estabelece qualquer vínculo de emprego público, ou, mais genericamente, não constitui uma relação jurídica de natureza administrativa, independentemente de quem seja a entidade promotora da medida. O sinistro sofrido no local e no tempo de trabalho por desempregado subsidiado aquando a execução do contrato emprego-inserção não constitui acidente em serviço. Pelo que a efetivação judicial do direito a reparação não se inclui no catálogo das competências em razão da matéria atribuídas aos tribunais administrativos.

Não se incluindo no catálogo das competências constitucional e legalmente atribuídas aos tribunais administrativos, instruir e julgar ação intentada pelo desempregado subsidiado beneficiário da medida contrato emprego inserção, destinada a obter e efetivar a reparação infortunística emergente de acidente sofrido no seu local e no tempo de trabalho, subsiste a competência residual dos tribunais da jurisdição comum, dos tribunais judiciais.
Na jurisdição dos tribunais judiciais a respetiva competência está repartida em razão da matéria, estabelecendo a lei as causas que competem aos juízos de competência especializada – art. 211º n.º 2 da Constituição e arts. 37º n.º 1 e 40º n.º 2 da LOSJ. Por isso, o vertente conflito de jurisdição estabeleceu-se entre o TAC e o Juízo do Trabalho de Loures.
Não se invadirão competências de outras instâncias se se avançar para a determinação do tribunal da ordem judicial comum competente em razão da matéria para conhecer da concreta causa, na linha, aliás, do que sucedeu com o aresto transcrito na decisão do tribunal administrativo (e de outros que adotaram a mesma solução)
A solução decorrerá de à reparação do dano infortunístico sofrido pela A. se aplicar o regime civil comum ou, ao invés se for enquadrada no regime estabelecido nos art. 283º e 284º do Código do Trabalho e no complementar regime da reparação de acidentes de trabalho, regulamentado pela Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro. Ou, de outra perspetiva, de o sinistro sofrido pela autora na ação administrativa, trabalhadora participante na ação emergente de acidente laboral, preencher o conceito de acidente descrito no n.º 1 do artigo 8. desta lei.

Enquadrando-se no regime dos acidentes de trabalho, compete aos tribunais judiciais e, especificamente, à jurisdição especializada na área laboral que seja territorialmente competente, instruir e julgar a pretensão reparatória da sinistrada A……….., emergente do acidente sofrido em 6 de julho de 2015, que, aliás, inicial e oportunamente participou no Juízo do Trabalho de Loures.

Como se sublinha no Acórdão de 5/02/2019, tirado no conflito n.º 15/2017, “não é essencial ao conceito de acidente de trabalho que as tarefas no contexto do qual o acidente ocorre sejam prestadas no âmbito de uma relação de trabalho subordinado, titulada por um contrato de trabalho”.

Neste conspecto e em conformidade com o expendido o acidente em causa preenche todas as condições para ser considerado como um acidente de trabalho, nos termos da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.”

Pelo que à sua reparação infortunística deve aplicar-se o regime jurídico dos acidentes de trabalho.

Competindo aos juízos especializados do trabalho dos tribunais judiciais de comarca conhecer “das questões emergentes de acidentes de trabalho” -art. 126º n. º1 da LOSJ.

Concretamente ao juízo do trabalho do lugar onde o acidente ocorreu ou do domicílio do sinistrado, se ele o requerer ou se aí tiver apresentado a participação -art 15º do Código de Processo do Trabalho.

D. - DECISÃO:

O Tribunal de Conflitos, em face do exposto, resolvendo o presente conflito de jurisdição surgido entre o TAC de Lisboa e o tribunal judicial da comarca de Lisboa norte - juízo do Trabalho, decide atribuir a competência em razão da matéria para o conhecimento da reparação reclamada pela autora nesta ação, participante na ação emergente de acidente que sofreu no local e no tempo da respetiva prestação no âmbito do contrato emprego-inserção, aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Juízo do Trabalho de Loures -Juiz 2.
Sem tributação.

Lisboa, 3 de novembro de 2020

Nuno António Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)
(Nos termos do disposto no art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP) (Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.ºdo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.)
Atesto o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros a seguir indicados:
Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (Juíza Conselheira adjunta) Nuno Manuel Pinto Oliveira (Juiz Conselheiro Adjunto)
Ana Paula Soares Leite Martins Portela (Juíza Conselheira adjunta) Ilídio Sacarrão Martins (Juiz Conselheiro Adjunto) José Francisco Fonseca da Paz (Juiz Conselheiro Adjunto)