Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:01/14
Data do Acordão:03/27/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
CONSERVAÇÃO E EXPLORAÇÃO DE AUTO-ESTRADAS.
ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P17301
Nº do Documento:SAC2014032701
Data de Entrada:01/09/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E O TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 1/14-70.

Acordam no Tribunal de Conflitos:

1. O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal vem requerer, nos termos dos art.ºs 101.º, n.ºs 2 e 3, e 109.º do CPC, a resolução do conflito negativo de competência entre o Tribunal Judicial de Fafe e o TAF de Braga para o que alegou que ambos se declararam materialmente incompetentes para julgar a acção que A……., S. A. instaurou contra B………, L.DA com vista a obter a condenação desta no pagamento de uma determinada quantia monetária decorrente do incumprimento do contrato entre elas celebrado para o fornecimento de água.
Decisões que transitaram em julgado.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada provada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a sentença proferida no Tribunal Judicial de Fafe.

3. O objecto do presente recurso é, como se vê, a fixação do Tribunal competente para julgar o conflito desenhado na acção proposta por A…….., S. A. contra B………, L.DA onde aquela alega que, no âmbito da sua actividade comercial fundada no contrato de concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Fafe, celebrou com a Ré um contrato e que na execução deste lhe prestou serviços no valor de € 208,18 que ela se recusa a pagar.
Acção essa que quer o Tribunal Judicial de Fafe, onde a acção foi proposta, quer o TAF de Braga, para onde o processo foi remetido, se recusam a julgar por considerarem que não dispõem de competência para o fazer e atribuindo-a reciprocamente.

4. O conflito acima desenhado é essencialmente semelhante àqueles que este Tribunal já decidiu múltiplas vezes, visto em todos eles ser incontroverso que a Autora é uma sociedade anónima de direito privado concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público do Município de Fafe (actividade vedada a particulares, salvo havendo concessão – artigo 1.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 88-A/97, de 25/07, com a alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2013, de 11/06) e a pretensão formulada ser a condenação da Rés no pagamento do serviço contratado.
As incidências específicas de cada um, como, por ex., o teor das contestações aí deduzidas, não são decisivas para a determinação da competência do Tribunal e isto porque, como vem sendo dito uniformemente, essa competência tem de ser apreciada em função da causa de pedir e pedido e tais processos terem respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água.
E em todos esses casos foram julgados competentes os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes os Tribunais tributários – Vd., a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: de 25/06/2013 (processo n.º 033/13), de 26.9.2013 (proc. n.º 030/13), de 05/11/2013 (proc. n.º 039/13), de 18/12/2013 (proc.s n.ºs 038/13 e 053/13) e de 29/01/2014 (proc. n.º 45/13).
Jurisprudência que não se vê razão para alterar.
Daí que nos limitemos a transcrever, parcialmente, a fundamentação apresentada no referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere:
«Resulta do artigo 211.º, n.º1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.º do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212.º, nº 3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/20002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei n.º 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.), embora em termos meramente exemplificativos.
Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida [...]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8.º).
E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.
Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”.
Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o art.º 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº 379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.
Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.
Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº2/ 2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF».

Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal, acordam em declarar os Tribunais tributários os competentes para conhecer da presente acção.
Sem custas.

Lisboa, 27 de Março de 2014. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) - António Artur Rodrigues da Costa – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Fernando de Salazar Casanova Abrantes – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Gabriel Martim dos Anjos Catarino.