Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:036/19
Data do Acordão:03/05/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:JÚLIO GOMES
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25706
Nº do Documento:SAC20200305036
Data de Entrada:07/05/2019
Recorrente:A………., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA - JUIZ 13 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 36/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos

I - Relatório

A………… propôs contra Banco B…….., SA (1.º R), Banco de Portugal (2.º R), C………, SA (3.º R), Fundo de Resolução (4.º R), Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (5.º R) e D………. (6.º R) ação pedindo, desde logo, a condenação solidária dos Réus a apagar-lhe a quantia de € 201.202,58 acrescida dos juros vencidos à taxa legal, calculados desde a utilização ilícita pelos RR da quantia de € 21.750,37 e juros vincendos desde a citação até integral pagamento. Pediu, ainda, que caso assim não se entenda, seja declarada a nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância da forma nos termos do disposto no artigo 321.º do CMV, devendo, em consequência serem os Réus solidariamente condenados a restituir à Autora a quantia de € 58.000,00, acrescida de: i) € 5.892,16 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR das quantias monetárias da Autora; ii) juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória. Requereu, ainda, a condenação dos RR a ressarcir solidariamente “os danos não patrimoniais causados à Autora em valor a ser liquidado em sede de liquidação da sentença”.

Os Réus contestaram, invocando o 1.º R a inutilidade superveniente da lide e o 2.º, 4.º e 5.º RR a incompetência do tribunal comum para conhecimento do pedido.

Foi proferido despacho saneador declarando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao 1.º R e absolvidos os restantes RR da instância, por ser julgada procedente a exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, por a competência caber à jurisdição administrativa.

Tendo a Autora recorrido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 28/06/2018, manteve a decisão recorrida, tendo afirmado, designadamente, que “a competência para dirimir o presente litígio, no qual são demandadas solidariamente (...) pessoas coletivas de direito público e entidades de direito privado, pertence à jurisdição administrativa (relativamente a todas elas) face ao disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2 do ETAF”.

Desse Acórdão interpôs a Autora recurso de revista excecional, tendo a formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do CPC determinado a remessa do processo ao Tribunal dos Conflitos.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de caber aos Tribunais Administrativos a competência material para o conhecimento dos pedidos formulados na ação contra o Banco de Portugal e a CMVM, ficando os restantes RR sujeitos à competência dos Tribunais Judiciais, tendo destacado no seu douto Parecer a existência de múltiplas decisões nesse mesmo sentido por este Tribunal (Conflito n.º 50/17 de 22/03/2018; Conflito n.º 56/2017 de 17/05/2018; Conflito n.º 61/17 de 07/06/2018; Conflito n.º 20/18 de 08/11/2018; Conflito n.º 33/18 de 13/12/2018 e Conflito n.º 31/18 de 14/02/2019).

II. Apreciação

A questão que se coloca no presente processo não é nova e foi recentemente decidida por este Tribunal, como destaca o douto Parecer do Ministério Público, já referido, em vários processos, de tal maneira que se pode já afirmar a existência de uma jurisprudência pacífica e consolidada. Ora, e como se pode ler no Acórdão proferido no Conflito n.º 46/18, “não pode deixar de ser aqui convocada essa orientação uniforme, sob pena de se pôr em causa a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP - que exige que se tenha em consideração “todos os casos que mereçam tratamento análogo” (artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil)”.

Este Tribunal, partindo da premissa de que a competência se afere em função do pedido (mormente do pedido principal) e dos seus fundamentos, tal como configurados pelo Autor, atendendo, pois, ao momento em que a ação é proposta, tem destacado que em ações como a dos presentes autos há que distinguir:

Por um lado, os pedidos de responsabilidade civil extracontratual dirigidos contra pessoas coletivas de direito público. Com efeito, os pedidos dirigidos contra o Banco de Portugal e a CMVM são pedidos dirigidos contra pessoas de direito público - como resulta, respetivamente, do artigo 1.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, Lei n.º 5/98 de 31 de janeiro e do artigo 1.° dos Estatutos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Decreto-Lei n.º 5/2015 de 8 de janeiro - fundados em um alegado facto ilícito praticado por tais entidades e respeitante à falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres de supervisão que lhes são confiados por lei. Trata-se de responsabilidade extracontratual, aquiliana ou extranegocial porquanto não existe qualquer relação contratual que haja sido invocada entre a Autora e estes 2.º e 5.º RR, nem, em rigor, entre os 2.º R e o 5.º R e os 1.º, 3.º e 6.º RR.

Ora, o artigo 4.º n.º 1 alínea f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais atribui à Jurisdição Administrativa e Fiscal a competência para conhecer dos pedidos indemnizatórios contra pessoas coletivas de direito público, mais precisamente da “responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo”. E como o Acórdão proferido no Conflito n.º 31/18 a 14 de fevereiro de 2019 decidiu, deve ter-se por tacitamente revogado pelo ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19 de fevereiro, o artigo 62.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal que atribuía aos Tribunais Judiciais competência para julgar todos os litígios em que aquele fosse parte.

Destarte, serão os Tribunais Administrativos os competentes para conhecer de pedidos de responsabilidade civil dirigidos contra o Banco de Portugal e a CMVM.

Por outro lado, o pedido dirigido contra o Fundo de Resolução - e ainda que este também seja uma pessoa coletiva de direito público (como resulta do artigo 153.º-B do RGICSF, Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, com a atualização da Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março) - não se funda em qualquer facto ilícito por este alegadamente praticado, não sendo, em rigor um pedido fundado em responsabilidade civil deste, mas, antes um pedido que é dirigido contra o Fundo na qualidade de “sucessor” do 1.° R, sendo ele o único detentor do capital social do C…….. SA. Assim, e em conformidade com a jurisprudência anterior deste Tribunal- Conflito n.º 50/17 de 22/03/2018; Conflito n.º 56/2017 de 17/05/2018; Conflito n.º 52/17, Conflito n.º 61/17 de 07/06/2018; Conflito n.º 20/18 de 08/11/2018; Conflito n.º 33/18 de 13/12/2018 e Conflito n.º 31/18 de 14/02/2019 - deve entender-se que a competência para conhecer do pedido formulado contra o Fundo de Resolução cabe à jurisdição comum.

Como também caberá à jurisdição comum a competência para conhecer dos pedidos de responsabilidade civil dirigidos contra pessoas de direito privado, como são o 3.º e o 6.º RR.

III. Decisão

Pelo exposto, decidimos atribuir a competência, em razão da matéria, para conhecer do objeto da presente ação, aos tribunais judiciais quanto a Banco B………., S.A, C………., S.A., Fundo de Resolução e D……….. e aos tribunais administrativos, quanto a Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários.

Lisboa, 5 de março de 2020. – Júlio Manuel Vieira Gomes (relator) - Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Francisco Manuel Caetano – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – José Inácio Manso Rainho – Jorge Artur Madeira dos Santos.