Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:050/13
Data do Acordão:06/18/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MELO LIMA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:I – Na vigência da Lei Orgânica da Caixa (Geral de Depósitos) aprovada pelo DL nº 48953, de 5 de abril de 1969, a Caixa era simultaneamente um estabelecimento de crédito do Estado e uma instituição gestora da previdência do funcionalismo público.
II – No âmbito daquele mesmo diploma, era propósito do legislador manter o estatuto de direito público na estrutura e funcionamento daquela empresa do Estado, sob a consideração dos fins de interesse público que o desempenho das suas funções visava, nomeadamente ao nível da colaboração que lhe cabia na execução da política de crédito do Governo e de lhe estar confiada a gestão do serviço de previdência do funcionalismo público.
III – De acordo com o regime definido no DL 287/93, de 20 de agosto, cessou o estatuto de direito público e consequente prevalência da regulamentação própria do direito administrativo na estrutura e funcionamento da Caixa Geral de Depósitos, que decorria do DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969, passando a mesma a assumir a forma de sociedade anónima e a serem-lhe aplicáveis regras idênticas às que regem as empresas privadas, não devendo já ser considerada uma pessoa coletiva pública integrada na administração direta ou indireta do Estado.
IV – Tendo a A., admitida ao serviço da CGD, em 08.08.1983, através de um contrato de provimento, sofrido nas instalações da mesma CGD, um acidente de que lhe advieram lesões, posto que não tenha optado pelo regime jurídico do Contrato Individual de Trabalho (art. 7º do DL 287/93 de 20 de agosto) e seja beneficiária da CGA, é materialmente competente para o conhecimento da ação adrede deduzida, o Tribunal do Trabalho, por força da norma ínsita no nº 4 do art. 2º do DL 503/99, de 20 de Novembro, na redação conferida pelo artigo 9º da Lei 59/2008, de 11 de setembro.
Nº Convencional:JSTA00068797
Nº do Documento:SAC20140618050
Data de Entrada:09/06/2013
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE TRABALHO DE GONDOMAR E O TAF DO PORTO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TAF PORTO TT GONDOMAR
Decisão:DECL COMPETENTE TT GONDOMAR
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONFLITO.
Legislação Nacional:ETAF02 ART1 N1 ART4 N1.
LOFTJ99 ART18 N1 N2.
L 52/2008 DE 2008/08/28 ART118.
CONST76 ART211 ART212 ART209 N3.
DL 48953 DE 1969/04/05 ART2 ART4 ART6 ART31 N2.
DL 287/93 DE 1993/08/30 ART1 ART12 ART18 ART21 ART3 N2 ART9 N3.
L 59/2008 DE 2008/09/11 ART9.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA PORTUGUESA ANOTADA VOLII 4ED PAG566/567.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos:
I

1. A……………….. participou aos Serviços do Ministério Público, junto do Tribunal de Trabalho de Gondomar, em 09 de dezembro de 2011, ter sido vítima de um acidente de trabalho, enquanto exercia funções como trabalhadora da Caixa Geral de Depósitos.
No desenvolvimento do processo instaurado [Proc. Nº 494/11.9TTGDM], foi, sob promoção do Ministério Público, proferida decisão judicial a declarar a incompetência em razão da matéria daquele Tribunal de Trabalho.
Esta decisão transitou em julgado, em 15 de junho de 2012. [Fls. 12 e 93]

2. Em face da antedita decisão, A……………… intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, Ação Administrativa Comum para Reconhecimento de Direitos [Proc.nº1711/12.3BEPRT], contra (i.) CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA; (ii) CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES E (iii) COMPANHIA DE SEGUROS B……………….., peticionando a condenação das RR:
“A) [A] Reconhecer que a A., no dia 08.06.2010 pelas 14.30, quando se encontrava a trabalhar no notário da CGD, sita na Rua ………… n° ……. Porto, seu local de trabalho, sofreu um acidente em serviço, que lhe causou lesões corporais com perturbações funcionais que carecem de tratamento sendo essas as lesões referidas no relatório médico de avaliação de dano corporal do Dr. C……………… junto aos autos como Doc. 2, bem como as lesões referidas no relatório de processo clínico da clínica [de] oftalmologia D……………. S.A. e constantes do doc. 3, junto aos autos que, aqui, se dá por integralmente reproduzido, as quais foram consequência direta e necessária daquele acidente.
B – [A] Reconhecer que tais lesões tiveram um período de incapacidade temporária absoluta no período compreendido entre 08-06-2010 e 29-04-2011, gerando uma IPP fixável em pelo menos 22,5%;
C – A cumprir todos os procedimentos legais que a lei vigente impõe, nomeadamente os previstos no DL nº 503/99 de 20 de novembro”

3. Contestaram as RR Companhia de Seguros B…………… e Caixa Geral de Aposentações, excecionando a incompetência, em razão da matéria, daquele Tribunal Administrativo.

4. No conhecimento da exceção deduzida, por decisão judicial de 20.06.2013, foi julgado o Tribunal Administrativo incompetente, em razão da matéria, para dirimir o litígio e, em consequência, absolvidas as RR da instância.
Esta decisão transitou em julgado. [Fls. 102>106v]

5. Ao abrigo do disposto nos Artigos 116º nº 1, 117º e ss do Código de Processo Civil (CPC), 43º (a contrario) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), 135º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e do Decreto nº 19 243, de 16.01.1913, A……………. requereu, em 6 de setembro de 2013, neste Tribunal dos Conflitos, a resolução do conflito negativo de jurisdição entre os referidos Tribunal de Trabalho de Gondomar e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

6. Notificadas as partes para se pronunciarem, querendo:
6.1 B………....., S.A., pronunciou-se no sentido de que “deve o presente conflito negativo de competências ser resolvido declarando-se, definitivamente, a competência do Tribunal do Trabalho”.
6.2 A Caixa Geral de Aposentações [CGA] pronunciou-se no sentido de que “estando legalmente vedada a possibilidade de aplicação do regime legal vertido no Decreto-Lei nº 503/99 e expressamente prevista a aplicação a estes casos do regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, é convicção da Caixa Geral de Aposentações que o presente litígio não poderá ser dirimido no domínio da jurisdição administrativa.”
6.3 A Caixa Geral de Depósitos, S.A. [CGD] pronunciou-se no sentido de que “sendo a Caixa Geral de Depósitos, S.A. uma entidade pública empresarial (Cfr. DL n° 287/93, de 20 de agosto, e DL. n° 558/99, de 17 de dezembro) é aplicável aos seus trabalhadores o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, conforme disposto no nº4 do artigo 2º do DL. nº 503/99, de 20 de novembro, estando a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos mesmos transferida para a B……………., S.A.”, pelo que “deverá o presente conflito negativo ser resolvido com o entendimento de que o Tribunal do Trabalho é o tribunal competente para dirimir o litígio”.


7.O Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto Parecer no qual concluiu ser de atribuir aos Tribunais Judiciais e, dentro desta ordem jurisdicional, aos Tribunais do Trabalho, a competência para conhecer e julgar a ação, fundamentado em que:
i. Embora a A., admitida ao serviço da CGD, através de contrato administrativo de provimento, seja beneficiária da CGA e não haja optado pelo regime do contrato individual de trabalho, continuando sujeita ao regime do funcionalismo público, não lhe é, todavia, aplicável o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública. Na verdade,
ii. A CGD é uma empresa pública integrada no setor empresarial do Estado, logo não abrangida pelo disposto nos nºs 1 a 3 do Art. 2º do DL 503/99, de 20 de novembro, sendo-lhe, antes, aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto.
iii. Não emergindo o presente litígio de uma relação jurídica administrativa, a relação jurídica controvertida em questão é regulada por normas de direito privado.

8. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.
9. Sendo que, a questão decidenda reconduz-se a saber e definir qual das jurisdições em confronto — administrativa ou laboral — é a competente.

II

São factos, jusprocessualmente adquiridos, relevantes para o conhecimento da causa:

1. A A., A…………….., foi admitida ao serviço da C.G.D., em 8 de agosto de 1983, através de um contrato de Provimento.
2. A A. não optou pelo regime jurídico do Contrato Individual de Trabalho, possibilidade consagrada no artigo 7º do DL. nº 287/93, de 20 de agosto.
3. É beneficiária da C.G.A., com o nº ………….
4. No dia 08.06.2010, nas instalações da CGD, no Porto, à Rua ……………, sofreu um acidente, de que lhe advieram lesões.
5. A C.G.D. transferiu para a Companhia de Seguros B…………… a responsabilidade por acidentes de trabalho.

III

Conhecendo.
1. Suscitada uma questão de conflito (in casu, negativo) de competência entre tribunais, impõe-se ter presente, em primeira linha, o ordenamento judiciário que fundamentará o âmbito da discussão e, a final, o sentido da decisão.
Consabidamente, a lei jusfundamental consagrou o princípio da pluralidade de jurisdições, ou dizer a existência de diferentes categorias de tribunais sob um critério de repartição de competências de modo que as funções judiciais são atribuídas a vários órgãos enquadrados em jurisdições diferenciadas e independentes entre si.
É assim, que a Constituição da República se, por um lado, dispõe no art. 211º nº1 que «Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais», acrescentando no nº2 do mesmo dispositivo, que «Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas», dispõe, por outro, no art. 212.º, n.º 3, que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais».
Já no âmbito da lei ordinária, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF], aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 29 de fevereiro, se, num primeiro momento, define numa fórmula ampla que «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (Art. 1º/1), enumera, depois, por mera indicação do objeto (sic, “nomeadamente”), os litígios cuja apreciação lhes compete. [Art. 4º nº1 als. a) a n)]
Pari passu, na assunção daquele papel residual dos Tribunais Judiciais decorrente da antedita norma constitucional, a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro) [LOFTJ] ora dispõe que «São da competência dos tribunais judiciais os causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional » (De igual modo, o art. 64º do CPC), ora «determina a competência em razão da matéria entre os tribunais judiciais, estabelecendo as causas que competem aos tribunais de competência específica» [Art.18º/1 e 2; Vide, ainda: Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, Art. 26º/1 e 2]
Entre estes, atalhando caminho, os Juízos do Trabalho cuja área de competência (cível) é elencada nas alíneas a) a t) do art. 85º [Idem: Art.118º da Lei 52/2008, de 28 de agosto]
Voltando à Lei Fundamental, impõe-se ter presente que logo aí se previne a existência de conflitos de competência: «A lei determina os casos e as formas em que os tribunais previstos nos números anteriores se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos» (Art. 209º/3)
Subjaz ao presente processo uma questão de conflito negativo de competência, vale dizer, um conflito de jurisdição em que dois tribunais - Tribunal do Trabalho de Gondomar e Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto -, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam o poder de conhecer da mesma questão, sendo certo que sobre uma e outra decisões, adrede proferidas, ocorreu o trânsito em julgado.
Integrando-se o Tribunal do Trabalho na categoria dos Tribunais Judiciais, logo no aludido âmbito residual — obviamente, sem prejuízo da igualmente anotada competência especializada — importará realçar a função que compete e distingue o Tribunal Administrativo.
Reproduzindo o texto constitucional, o ETAF atribui-lhe o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Punctum saliens, a referência às relações jurídico-administrativas (ou fiscais).
Ponto relativamente ao qual julga-se pertinente lembrar, aqui, os ensinamentos de Gomes Canotilho e Vital Moreira:
«Esta qualificação transporta duas dimensões caraterizadoras: (1) as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico-civil”. Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr. ETAF, art. 4º)
O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido neste contexto como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de atuação (ato, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administrativa do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à atividade de direito público, cuja caraterística essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do “novo direito administrativo”, mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de atuação administrativa.» (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA, Vol. II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, págs. 566-567 [Negrito e sublinhado do Relator])

2. As decisões objeto de apreciação
2.1 O Tribunal de Trabalho de Gondomar.
É do seguinte teor a decisão, que conhecendo da exceção da incompetência material do Tribunal, arguida pelo Ministério Público, foi proferida neste Tribunal:
«A fls. 67 p.p., veio o M.P. suscitar a incompetência do tribunal, em razão da matéria, alegando que a Sinistrada é funcionária da Caixa Geral de Depósitos e subscritora da Caixa Geral de Aposentações, conforme se alcança de folhas 65 e 66 dos autos, pelo que o acidente participado pela Sinistrada é um Acidente em Serviço, subordinado a um regime próprio, e não um acidente de trabalho, ao qual se aplica o regime definido pelo D.L. 503/99, de 20/11, não podendo integrar-se no âmbito da Lei 3/99, de 13/01 - L.O.T.J., cujo art. 85º, al. c) estabelece que ao Tribunal do Trabalho compete conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, sendo que a reparação dos acidentes em serviço compete à Caixa Geral de Aposentações (art. 34°, nº4, do D.L.503/99, de 20/11).
Ouvida a sinistrada, veio esta opor-se, alegando, em síntese, que, segundo o Acordo de Empresa da empregadora, se aplica parcialmente o Código de trabalho.
Decidindo:
Não importa para o caso que a Sinistrada esteja abrangida, na sua relação laboral, por um regime misto ou específico.
Fundamental é que a Sinistrada celebrou, como a própria admite, um contrato de Provimento, sendo beneficiária da Caixa Geral de Aposentações, com os inerentes direitos do regime da Função Pública, segundo o qual o regime jurídico dos acidentes de trabalho correm pelos Serviços Administrativos competentes, no caso a CGA.
Assim, pelos motivos expostos na douta promoção do M.P., com os quais concordo e aqui se consideram reproduzidos, declaro a incompetência em razão da matéria deste Tribunal, e em consequência, (a) absolvição da instância da Ca de Seguros B………….., S.A. (art. 2010, 4930, n° 1 e 2, 494°, nº 1, al. a) do C.PC.).»
2.2 O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
2.2.1 Sob a consideração de que a competência dos Tribunais é aferida em função dos termos em que a ação é proposta — petitum e causa petendi -, relevou o Tribunal:
«Intenta a A. ação contra as RR pedindo a condenação solidária das mesmas a reconhecer (que) sofreu um acidente em serviço e que as lesões tiveram um período de incapacidade temporária absoluta e a cumprir todos os procedimentos legais que a lei vigente impõe, nomeadamente os previstos no DL nº 503/99 de 20 de Novembro.
Para tanto alegou que foi vítima de um acidente no exercício de funções e que se lhe aplica o DL 503/99 pois é funcionária da CGD desde 1983 não tendo optado pelo regime jurídico do Contrato individual de trabalho, possibilidade consagrada no art. 7º do DL 287/93, de 20.08, conforme decorre, aliás, do probatório.»

2.2.2 Para uma melhor compreensão da questão a dirimir, teceu o mesmo Tribunal algumas considerações sobre a natureza jurídica da C.G.D., bem como sobre a natureza das relações de trabalho dos seus trabalhadores:
«Foi por via do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto, que se operou a transformação da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Até então, de harmonia com a sua Lei Orgânica (aprovada pelo DL nº 48953, de 05.04.1969), a Caixa Geral de Depósitos era um instituto de crédito do Estado, uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio - artigos 2º e 3º. De acordo com o artigo 31º, nº2, o pessoal da Caixa Geral de Depósitos (CGD) continuava sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da atividade da CGD como instituição de crédito.
Os trabalhadores que estavam vinculados à CGD por contrato de provimento, típico contrato administrativo de direito público. (Sic)
Com a publicação do DL nº 287/93, foi modificada a natureza jurídica da CGD, conforme se enunciou.
Porém, o circunstancialismo que conduziu à adoção de um regime de direito privado, com aplicação à Instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas do setor, não impediu que, em vez do implantado novo regime jurídico do contrato individual de trabalho, o pessoal que já trabalhava na CGD, tivesse a possibilidade de optar pela manutenção do regime do contrato de provimento a que estavam sujeitos.
Com efeito, do artigo 7º, do mencionado diploma decorre o seguinte:
“1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os trabalhadores da Caixa ficam sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho;
2. Os trabalhadores que se encontrem ao serviço da Caixa na data da entrada em vigor do presente diploma continuam sujeitos ao regime que lhes era até aí aplicável, podendo contudo optar pelo regime previsto no número anterior, mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela administração da Caixa.”
Nos termos do art. 9º nº 3 do mesmo diploma, para os trabalhadores que não tenham exercido esta faculdade a que alude o nº 2 do artigo 7º, mantêm-se em vigor, os artigos 31º, nº 2, 32º e 34º nº 2, do DL nº 48953, de 05.04.1969, o que significa e no que tange ao primeiro preceito, que o pessoal continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da atividade da CGD, como instituição de crédito, de harmonia com o disposto no diploma e nos restantes preceitos especialmente aplicáveis ao estabelecimento.
Isto posto, tendo em conta que a Autora foi admitida na Caixa, como alega e prova, em 1983, tal admissão ocorreu no domínio da vigência da anterior Lei Orgânica da Caixa, aprovada pelo enunciado DL nº 48953, a ela se encontrando vinculada por um contrato de provimento, que é, como se sabe, um contrato administrativo de direito público. E, uma vez que a A. não fez a opção pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, como lhe era facultado pelo nº 2, do artigo 7º do DL nº 287/93, afigura-se-nos que continua sujeito ao regime do funcionalismo público, nos termos em que já se encontrava, mas, tendo em conta as modificações exigidas pela natureza específica da atividade da CGD

2.2.3 Passando, então, à questão de saber se, no caso concreto, seria de aplicar à A. o regime decorrente do DL. nº 503/99, de 20 de novembro, o Tribunal, a partir da transcrição normativa pertinente (Artigo 2º daquele diploma), ponderou e concluiu:

«… na situação que nos cabe analisar, a Autora foi admitida por contrato de provimento e não optou pelo regime do contrato de trabalho.
Não obstante, o DL 503/99, de 20.11, é quanto a nós claro no que respeita à sua desaplicação à situação trazida, desde logo analisado quer o nº 2 [Leia-se: nº 1] (que se refere a contrato de nomeação e contrato de trabalho em funções públicas e não também em contrato de provimento), e bem assim o nº 4 onde o legislador entendeu que aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais, como sucede com a CGD, ou “noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores” é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, salientando, também, naquele normativo que as entidades empregadoras (como a Ré CGD) devem transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código (o que a CGD fez ao transferir a responsabilidade para a co-Ré Companhia de Seguros B……………).
Sendo assim, e por terem aplicação in casu os normativos previstos na legislação laboral e não já neste regime especial do DL 503/99, de 20.11, temos que é competente o Tribunal de Trabalho e não já este Tribunal, pelo que terá de proceder a exceção da incompetência material invocada - cfr artigos 288º nº 1 a), artigo 493º nº2 e artigo 494º a) do CPC, ex vi artigo 1º CPTA.»

3. Quid iuris?

3.1 Una voce, pronunciaram-se no sentido da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal de Conflitos, a Caixa Geral de Aposentações, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., e a B………………, S.A.
Outro não poderá ser o sentido da decisão a proferir neste Tribunal de Conflitos, acolhendo-se e subscrevendo-se a motivação fáctico-processual e jusnormativa tecida por aquele Tribunal Administrativo e Fiscal.
Com efeito, não vêm questionados os elementos atinentes à causa petendi e ao petitum identificadores da ação intentada pela A. A………………, decorrentes, num primeiro momento, da participação ao Ministério Público, junto do Tribunal do Trabalho de Gondomar, depois da ação movida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto: acidente sofrido, ao serviço da Caixa Geral de Depósitos e no seu local de trabalho, que lhe causou lesões corporais com perturbações funcionais.
O punctum pruriens fundamentador da dissensão decisória ressuma do enfoque, por parte do T.T. de Gondomar, no contrato de provimento outorgado pela A. e Caixa Geral de Depósitos, interpretado no sentido de que, por virtude do mesmo, a A. era beneficiária da Caixa Geral de Aposentações, com os inerentes direitos do regime da função pública, a determinar, nomeadamente, a decorrência dos acidentes de trabalho pelos Serviços Administrativos competentes, in casu a Caixa Geral de Aposentações.
É este ponto que importa dilucidar.

3.2 De forma sustentada, o Tribunal Administrativo e Fiscal traçou, em breve resenha, os sucessivos regimes atinentes à natureza jurídica da Caixa Geral de Depósitos.
Pari passu, o mesmo Tribunal tomou em linha de consideração o ano de admissão da A. ao serviço da Caixa Geral de Depósitos, o ano de 1983.
Assim, não se põe em causa que, naquele ano de admissão, vigorava a Lei Orgânica da Caixa, aprovada pelo DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969.
A significar, ao tempo, que a Caixa era simultaneamente um estabelecimento de crédito do Estado e uma instituição gestora da previdência do funcionalismo público, sendo o objeto da Caixa, no exercício das suas funções de crédito, a oferta no mercado de serviços de natureza bancária e financeira em condições de relativa concorrência com os demais elementos do sistema.
A significar, outrossim, que fora propósito do legislador na aprovação daquele diploma, manter o “estatuto de direito público na estrutura e funcionamento desta empresa do Estado”, sob a consideração dos “fins de interesse público a que visa o desempenho das suas funções, a colaboração que lhe cabe na execução da política de crédito do Governo, o exercício de determinadas prerrogativas de autoridade que tradicionalmente lhe competem e, além disso, a circunstância de o Estado assumir responsabilidade subsidiária pelas operações do estabelecimento, designadamente quanto à restituição dos depósitos efetuados nos seus cofres, e, ainda, o facto de lhe estar confiada a gestão do serviço de previdência do funcionalismo público”, assim se justificando, de igual modo, a prevalência da regulamentação própria do direito administrativo.
Assim, porém, “sem prejuízo de tal estatuto sofrer as modificações exigidas pelas condições específicas da atividade da Caixa como instituto de crédito”, designadamente no tocante à estrutura orgânica do estabelecimento, à autonomia da administração, gestão financeira e regime do pessoal. (Vide itens 7 e 8 do Preâmbulo do DL. nº 48 953, de 5 de abril de 1969.)
Traduzido o que vem de ser referido em termos positivo-normativos, a Caixa é, então, definida, como sendo “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, competindo-lhe o exercício das funções de instituição de crédito do Estado e a administração das instituições a que se referem os artigos 4º [leia-se: Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado, sob a designação genérica de Caixa Nacional de Previdência] e 6º [Leia-se: Agência Financial de Portugal no Rio de Janeiro]” (Artigo 2º), incumbindo-lhe, “como instituto de crédito do Estado”, “colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança para o financiamento do desenvolvimento económico e social, na ação reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição seletiva do crédito” (Artigo 3º).
Especificamente, com referência ao “pessoal da Caixa”, definiu-se, então, que o mesmo “continuava sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da atividade da Caixa como instituição de crédito, de harmonia com o disposto no presente diploma e nos restantes preceitos especialmente aplicáveis ao estabelecimento”. [Artigo 31º nº2]

3.3 Sob o pressuposto de que “diversas e significativas modificações verificadas no sistema financeiro português desde a data da publicação dos atuais diplomas orgânicos e a alteração dos condicionalismos interno e externo em que a instituição (C.G.D.) exerce a sua atividade” — assim, nomeadamente, com referência à “adesão de Portugal às Comunidades Europeias, com a consequente aplicação das regras do direito comunitário”, e, no plano interno, com referência ao “Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras [DL nº 298/92, de 31 de dezembro], equiparando a Caixa Geral de Depósitos aos bancos”, o Legislador, pelo DL. nº 287/93, de 20 de agosto, entendeu ser recomendável proceder a uma “profunda revisão” do regime aplicável à Caixa Geral de Depósitos.
Transmitiu, de igual passo, no preâmbulo do diploma, qual o propósito subjacente à pretendida revisão: “sujeição da Caixa a um regime de direito privado ou, mais rigorosamente, ... a aplicação à instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas do setor”, “sendo o mesmo objetivo de aproximação da Caixa às restantes empresas do setor (que) levou à adoção da forma de sociedade anónima”.
Propósito logo assumido nos artigos 1º do diploma sob referência, “1. A Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência é transformada pelo presente diploma em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se Caixa Geral de Depósitos, S.A....; 2. A Caixa rege-se pelo presente diploma, pelos seus estatutos, pelas normas gerais e especiais aplicáveis às instituições de crédito e pela legislação aplicável às sociedades anónimas” e artigo 4º dos Estatutos (publicados em anexo àquele diploma): “1. A sociedade tem por objeto o exercício da atividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei; 2. A sociedade exercerá também quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por legislação especial”.
Colhe-se igual sentido das normas ínsitas nos artigos 12º (Competência da Assembleia Geral), 18º (Competência do Conselho de Administração), 21º (Responsabilização da sociedade) dos Estatutos da Caixa Geral de Depósitos.
Dizer, então: não ressuma do diploma em causa, anexo incluído, que a CGD deva ou possa ser considerada uma pessoa coletiva pública integrada na administração direta ou indireta do Estado.
Dizer, ainda: sem prejuízo do dever que lhe é conferido de “promover a formação e a captação da poupança, e contribuir, designadamente através das suas operações de financiamento, para o desenvolvimento económico e social do país” (Artigo 3º/2 DL 287/93, de 20 de agosto), ficam, agora, para trás “a gestão do serviço de previdência do funcionalismo público” que à Caixa estava confiada - visto a integral separação entre as instituições Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado e a Caixa Geral de Depósitos -, bem como o exercício de determinadas prerrogativas de autoridade que tradicionalmente lhe competiam e a ação reguladora dos mercados monetário e financeiro.
Tudo a fazer concluir que, não obstante a detenção em exclusivo pelo Estado do capital, não se recolhe daí a assunção pela CGD de uma qualquer tarefa específica que ao Estado incumba levar a cabo na prossecução do bem e interesse comuns, bem assim, que esteja sujeita à superintendência e/ou que seja este quem nomeia as suas administrações, define os seus objectivos e estratégias, lhe dá, enfim, orientações e diretivas.

3.4 Em face do já exposto, não pode deixar de ser assumida a significativa e profunda transmutação do “estatuto de direito público na estrutura e funcionamento desta empresa do Estado”, assumido no DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969, com a consequente prevalência da regulamentação própria do direito administrativo, para “a aplicação à instituição (CGD) de regras idênticas às que regem as empresas privadas”, conducente, de sua vez, à “adoção da forma de sociedade anónima”, de acordo com o novo regime defluente do DL 287/93, de 20 de agosto.
Transmutação com repercussão no respeitante ao “pessoal”.

Posto que mantendo o teor da norma ínsita no item 2 do artigo 31º do DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969 (Art. 9º nº3 do DL 287/93, de 20 de agosto)

O referido pessoal continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, com as modificações exigidas pela natureza específica da atividade da Caixa como instituição de crédito, de harmonia com o disposto no presente diploma e nos restantes preceitos especialmente aplicáveis ao estabelecimento»], o legislador de 93 consagrou, no novo regime, a aplicação à Caixa do regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem prejuízo da possibilidade de opção pela manutenção do regime a que os trabalhadores, então ao serviço, estavam sujeitos:

«1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os trabalhadores da Caixa ficam sujeitos ao Regime Jurídico do Contrato individual de Trabalho. 2. Os trabalhadores que se encontrem ao serviço da Caixa na data da entrada em vigor do presente diploma continuam sujeitos ao regime que lhe era até aí aplicável, podendo contudo optar pelo regime previsto no número anterior, mediante declaração escrita feita nos termos e no prazo a fixar pela administração da Caixa” [Artigo 7º DL nº 287/93, de 20 de agosto]

3.5 Com leituras diferentes, o Tribunal do Trabalho de Gondomar como o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, avocaram ao caso sub specie o DL nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação conferida pelo Artigo 9º da Lei 59/2008 de 11/9 [em vigor a partir 1 de janeiro de 2009]: aquele para o afastar, este para o aplicar.

Em causa, os artigos 1º e 2º, dispondo respetivamente:
Artigo 1º
“O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas.”
Artigo 2º
“1 - O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado.
2 - O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.
3 - O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.
4 - Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.
5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de proteção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social.
6 - As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes trabalho.”

3.6 Tomando em linha de consideração o regime específico que compete à Caixa Geral de Depósitos, de acordo com o que se deixou exposto nos nºs 3.2, 3.3 e 3.4, importará, agora, saber se, a partir do quadro fáctico processualmente adquirido, caberá ao caso concreto a aplicação do disposto nos itens 1, 2 e 3 do citado artigo 2º ou antes no item 4 do mesmo normativo.
Não está em causa que a A. trabalhava, por força de contrato de Provimento para a CGD, desde 1983.
Igualmente, não é facto controverso entre os Tribunais em conflito, que a A. não tendo feito, como não fez, a opção pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, como lhe era facultado pelo nº 2 do artigo 7º do DL nº 287/93, continuou por força do artigo 9º nº 3 do mesmo diploma, sujeita ao regime do funcionalismo público, nos termos em que já se encontrava.
Regime de funcionalismo público, com a ressalva, porém, das “modificações exigidas pela natureza específica da atividade da Caixa como instituição de crédito”.
Deu-se conta da profunda transmutação do “estatuto de direito público na estrutura e funcionamento desta empresa do Estado”, assumido no DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969, onde prevalecia a regulamentação própria do direito administrativo, para “a aplicação à instituição (CGD) de regras idênticas às que regem as empresas privadas”, conducentes, de sua vez, à “adoção da forma de sociedade anónima”, de acordo com o novo regímen defluente do DL 287/93, de 20 de agosto.
Daí, pela análise de uma tal cadência legislativa, a conclusão de que a CGD não deve já ser considerada uma pessoa coletiva pública integrada na administração direta ou indireta do Estado.
Daí, igualmente, que enformados por este substrato normativo seja de ter por certo que não são aplicáveis ao acidente invocado em fundamento da ação, as normas ínsitas nos nºs 1, 2 e 3 do referido art. 2º do DL nº 503/99, de 20 de Novembro, na redação conferida pelo Artigo 9º da Lei 59/2008, de 11 de setembro, antes é-lhe aplicável a norma inserta no nº 4 daquele artigo.
Os nºs 2 e 3, por não estar em causa, respetivamente, trabalhador em exercício de funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes (2), nem membro dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior (3).
O nº1 por, de igual modo, não estar em causa trabalhador que exercesse funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado.
Sim o nº 4, visto estar em causa trabalhadora a exercer funções em entidade pública empresarial não abrangida pelos números anteriores.
Relembrando o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira deixado transcrito:
(i) com o recurso ao conceito genérico de relações jurídico-administrativas, pretendeu-se viabilizar a inclusão na jurisdição administrativa do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à atividade de direito público, cuja caraterística essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado, (ii) sendo certo que “em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
A mudança substantiva, que se vem deixando referida, do estatuto de direito público na estrutura e funcionamento da Caixa, assumido no DL nº 48 953, de 5 de abril de 1969, onde prevalecia a regulamentação própria do direito administrativo, para a aplicação àquela instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas, de acordo com o novo regime defluente do DL 287/93, de 20 de agosto, torna justificada, à luz do transcrito ensinamento, a conclusão de que não está em causa um litígio emergente das relações jurídicas administrativas e/ou uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo, mas, tão só, um litígio no âmbito do regime de acidentes de trabalho, previsto no Código do Trabalho.

IV

DECISÃO
Termos em que acordam os juízes do Tribunal dos Conflitos em resolver o conflito negativo de jurisdição, considerando que a mesma cabe aos Tribunais de Trabalho e atribuindo ao Tribunal do Trabalho de Gondomar a competência material para os ulteriores termos da acção.
Sem custas, ex vi art. 96.º do Decreto n.º 19 243, de 16-01-1931.

Lisboa, 18 de junho de 2014. – Joaquim Maria Melo de Sousa Lima (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Mário Belo Morgado – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Eduardo Maia Figueira da Costa – Maria Fernanda dos Santos Maçãs.