Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:031/13
Data do Acordão:05/15/2014
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:ABASTECIMENTO DE AGUA. CONCESSIONARIO. COBRANÇA COERCIVA. COMPETENCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTARIOS
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA00068707
Nº do Documento:SAC20140515031
Data de Entrada:04/05/2013
Recorrente:A... SA NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 3 JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE FAFE E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC PRE CONFLITO
Objecto:AC RG
Decisão:DECL COMPETENTE OS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO JURISDIÇÃO.
Legislação Nacional:DL 379/93 DE 1993/11/05 ART13 N2.
L 159/99 DE 1999/09/14.
ETAF02 ART4 N1 C D.
DL 194/09 DE 2009/08/20.
L 2/2007 DE 2007/01/15.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC01/14 DE 2014/03/27.; AC TCF PROC033/13 DE 2013/06/25.; AC TCF PROC030/13 DE 2013/09/26.; AC TCF PROC045/13 DE 2014/01/29.; AC TCF PROC017/10 DE 2010/11/09.; AC TCF PROC014/06 DE 2006/09/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos

I-RELATÓRIO

1. A………………., S.A., identificada nos autos, intentou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias no Tribunal Judicial de Fafe, contra B…………….. e Condomínio do Prédio Sito na Rua ………….., também identificados nos autos, reclamando o pagamento das facturas de água, por força do contrato de fornecimento de água assinado, no valor total de € 933,46, acrescido de juros no valor já vencido de € 388,99 e de € 100,00 a título de despesas e € 12,00 de taxa de justiça.

1.1. Alegou, para o efeito, que no âmbito da sua actividade comercial - por concessão da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água ao concelho de Fafe - efectuou um contrato com o R., para fornecimento de água, tendo sido prestados ao R. os serviços contratados, sendo que findo o prazo de vencimento o pagamento devido não foi efectuado.

2. O Tribunal Judicial de Fafe, por sentença proferida em 24 de Abril de 2012 (fls.24/28), declarou a sua incompetência, em razão da matéria, por ser competente a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, dado o fundamento do litígio emergir de uma relação jurídica administrativa, referindo o seguinte:
“A competência do Tribunal afere-se em função da relação jurídica objecto do litígio, tal como está configurada pelo autor, atendendo à causa de pedir e respectivo pedido.
De acordo com o art.° 66.° do CPC o Tribunal comum só não será competente em razão da matéria, se a apreciação desta for atribuída pela lei a uma outra ordem de tribunais (vd. art° 77.° n°1 al. a) da LOFTJ).
Atento o disposto no art. 212º nº3 da Constituição da República Portuguesa compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
Na lei ordinária o art.° 4.° do ETAF, aprovado pelo Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro, consagra o objecto dos litígios que devem ser submetidos aos tribunais administrativos e fiscais (“reclamando”, assim, nessas matérias a respectiva competência).
A situação em apreço reporta-se a serviços contratados de abastecimentos de água e saneamento prestados pela requerente ao requerido.
Como é sabido as autarquias dispõem de atribuições no âmbito do ambiente e saneamento básico (art° 13.° nº 1 da Lei 159/99, de 14/09).
Sendo que de acordo com o art.° 26.° da Lei 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
i) Sistemas municipais de abastecimento de água.
ii) Sistemas municipais de drenagem e tratamentos de águas residuais urbanas.
iii) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
Por contrato de concessão podem os órgãos municipais se socorrer de empresas privadas.
O concedente mantém a titularidade dos direitos e poderes relativos à organização e gestão do serviço público concedido, como o poder de regulamentar e fiscalizar a gestão do concessionário, aplicando-se aqui, no essencial, os princípios da tutela administrativa. O serviço público concedido nunca deixa, pois, de ser uma atribuição e um instrumento da entidade concedente, que continua dona do serviço, sendo o concessionário a entidade que recebe o encargo de geri-lo, por sua conta e risco (Prof. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, pp. 1081 e ss.).
Pelo que, e de acordo com o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 22/2/2011, Proc° 12698209.2YIPRT.G1, disponível no site www.dgsi.pt., com o qual concordamos e cuja posição seguimos, o conflito que opõe a empresa concessionária fornecedora do serviço público de abastecimento de água e o réu, utente ou consumidor ao qual o serviço público aqui em causa se destina, surgiu no âmbito de uma relação jurídica administrativa, cabendo a respectiva apreciação e decisão aos tribunais administrativos, conforme o art.° 1º do ETAF.
O tribunal judicial é materialmente incompetente para conhecer da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias na qual a Autora, concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de distribuição de água pede a condenação do Réu no pagamento de quantias relativas a serviços de abastecimento de água e saneamento.
A requerente ao fixar, liquidar e cobrar tarifas ou taxas aos particulares no quadro da sua actividade de concessionária está a agir no exercício de poderes administrativos.
Pelo que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais (hoc sensu, vide Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 9/11/2010, proc. 017/10).
O que determina a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial de Fafe.
Estamos perante uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (art. 102º nº1 e 494º nº1 al. a) do CPC), importando a absolvição da R. da instância (cf. art. 105º e 288º nº1 al. a) do CPC), sem prejuízo do disposto no art. 105º nº2 do CPC.
DECISÃO:
Pelo exposto decide-se julgar por verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta e consequentemente declaro o Tribunal Judicial de Fafe materialmente incompetente, absolvendo os RR da instância”

3. Interposto recurso (fls.33) para o Tribunal da Relação de Guimarães, este, por acórdão de 25.09.2012 (fls. 48/60), confirmou o decidido.

4. Deste acórdão a autora interpôs recurso para o Tribunal dos Conflitos concluindo assim a sua alegação:
“1- Vem o presente recurso interposto do aliás douto acórdão de fls..., datada de 25 de Setembro de 2012, através da qual se decidiu julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta e consequentemente declarar o Tribunal Judicial de Fafe materialmente incompetente para julgar a acção que a ora Recorrente intentou contra os ora Recorridos, absolvendo os aí Réus da instância.
2- Sustenta tal decisão que é “da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e não dos Tribunais Judiciais, a preparação e julgamento de um litígio entre um particular consumidor de água e uma empresa concessionária de um serviço público próprio de um Município ao abrigo de um contrato administrativo celebrado entre ela e a autarquia no exercício da sua actividade de gestão administrativa para a prática de actos de utilidade pública e interesse colectivo, impróprios de relações de natureza tipicamente privada, como é o sistema multimunicipal de contínuo abastecimento de água e de saneamento”, sustentando tal decisão no argumento de que “a causa de pedir da acção desenha-se pela prática de actos característicos da actividade administrativa (apesar de estar em causa apenas uma accopec) e que, portanto, tratando-se de “questões suscitadas no âmbito do referido contrato (…) não pertence aos tribunais judiciais, mas, essencialmente nos termos dos artigos 178º, nº. 1 e nº. 2, als. g) e h) do CPA e dos artigos 1º e 4º nº. 1 al. f) do ETAF, aos tribunais administrativos”.
3- Porém a relação contratual em causa nestes autos é uma relação jurídica de direito privado, no âmbito de um contrato de prestação de serviços (abastecimento de água e saneamento), com obrigações emergentes desse mesmo contrato.
4- A Recorrente não actua revestida de um poder público, não tendo as partes submetido expressamente a execução do contrato em causa a um regime substantivo de direito público (cfr. artigo 4°, n° 1, alínea f, a contrario, do ETAF).
5- A Recorrente não impõe taxas, nem tarifas, antes presta serviços, por força de um contrato celebrado com o recorrido, cuja contrapartida se intitula de preço, nos termos dos Regulamento do Serviço de Abastecimento de Água ao Concelho de Fafe e do Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o município de Fafe, regulamento esse que impõe as referidas taxas e tarifas, bem como outras regras de conduta, seja à recorrente, seja ao recorrido.
6- No caso em apreço não está em causa a competência para conhecer das questões relativas à validade de regulamentos administrativos ou de contratos administrativos, mas sim da competência para conhecer das questões relativas à validade do contrato celebrado entre a ora Recorrente e o ora Recorrido e da execução e do seu cumprimento pelos outorgantes, o qual é uma manifestação de uma relação jurídica de direito privado.
7- Nesta parte, em que a recorrente se limita a fornecer bens ao Recorrido, tendo este como obrigação pagar o preço correspondente e os acréscimos legais e regulamentares, não está em causa qualquer relação jurídico administrativa, nem o contrato celebrado entre as partes tem natureza de contrato administrativo, logo à partida porque a relação em causa se destina a prover as necessidades dos recorridos e não quaisquer fins de “interesse público”.
8- Apesar da Recorrente se tratar de uma empresa concessionária de um serviço público essencial, para determinar a natureza pública ou privada das relações jurídicas que esta estabelece, será necessário determinar em concreto se o fim visado é de interesse público ou geral, sendo este corolário exibido de forma plana pela doutrina existente.
9- O regime substantivo previsto na Lei n.° 23/96 de 26 de Julho, que regula o fornecimento e prestação de “serviços públicos essenciais”, é um regime substantivo de direito privado, enformando não só a relação entre recorrente e recorrido, mas igualmente a actividade das distribuidoras de gás, electricidade, operadoras de serviços de transmissão de dados ou serviços postais.
10- A expressão “serviços públicos essenciais”, prevista na Lei n.° 23/96, de 26 de Julho não tem correspondência com a definição de interesse público.
11- Ao invés, ao relacionar a actividade da Recorrente e os serviços que presta ao Recorrido na supra identificada lei, o legislador pretendeu submeter todos os contratos dessas categorias a um regime idêntico, que é de direito civil.
12- É certo que, no tocante à criação e à fixação de taxas pela prestação de um serviço público, correspondendo ao exercício de poderes públicos, apenas a jurisdição administrativa se pode pronunciar, mas tal questão não tem qualquer correspondência com o objecto do litígio, tal qual foi conformado pela Recorrente no requerimento inicial, uma vez que este se destina unicamente a obter a cobrança da contra-prestação que lhe é devida pelo Recorrido pelo fornecimento de água e saneamento e respectivos acréscimos regulamentar e legalmente impostos.
13- A continuação, resulta que o contrato celebrado entre a Recorrente e os Recorridos (8.8.2008) não é enquadrável no artigo 178º do CPA, não podendo ser classificado como um contrato administrativo, não se tratando, pois, de um contrato de “fornecimento contínuo e de utilidade pública imediata”, nas asserções previstas nas alíneas g) e f) do nº. 2 do mesmo artigo.
14- Em suma, pretendendo discutia a validade das normas (legais, regulamentares ou contratuais) de natureza administrativa ou fiscal que balizam a sua relação com a Recorrente, terá o Réu de se socorrer dos tribunais Administrativos e Fiscais.
15- Estando em causa a exigência do cumprimento das obrigações sinalagmáticas decorrentes do contrato e da sua execução e a cobrança dos acréscimos legais, o tribunal competente é o Tribunal judicial de Fafe, por força do disposto no artigo 66º do CPC.
16- A decisão proferida no Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo 12698209.2YTPRT.G1 (22.2.2008) e a decisão recorrida estão em directa oposição com o sentido da decisão proferida no processo nº. 103108.8TBFAF.G1, já transitado, e do acórdão proferido no processo 103543/08.8UTPRT (23.10.2012), todos do Tribunal da Relação de Guimarães.
17- Nesta medida, é forçoso concluir que ao julgar procedente a excepção de incompetência material, alegada pelos Réus, ora recorridos, na oposição, andou mal o Tribunal da Relação de Guimarães, fazendo uma errada interpretação das disposições conjugadas dos artigos 178º nº1 e nº 2 g) e h) do CPA, então em vigor e ainda dos artigos 1º nº. 1 e 4º nº. 1 alínea f) do ETAF, violando assim o disposto no artigo 66º do CPC e o artigo 24º e 26º da LOFTJ.
18- Finalmente, sendo patente a contradição entre acórdãos proferidos por tribunais superiores sobre a mesma fundamental questão de Direito, deve ser fixada jurisprudência decidindo que compete aos tribunais judiciais a preparação e julgamento das acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de fornecimento de água canalizada para consumo público e saneamento, celebrados entre um ente privado, concessionário do respectivo serviço público, e outro particular.
Nestes termos e nos que doutamente V. Exas. suprirão, deve o presente recurso ser julgado provido e procedente, fixando jurisprudência no sentido propugnado, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que ordene que a acção prossiga os seus termos.”

5. Não houve contra-alegações.

6. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer onde conclui que “a competência para a cobrança da dívida em causa pertence, nos termos do art° 49°, n° 1, al. c), do ETAF, aos Tribunais Tributários.
Negando-se, provimento ao recurso.”

7. Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS
1. Constitui pacífico entendimento jurisprudencial e doutrinário que a competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respectivos fundamentos (causa de pedir) - cfr., entre outros, os Acórdão do Tribunal dos Conflitos: de 21/10/04 proferido no Conflito 8/04; de 23/5/2013, conflito nº 12/12; e de 21/1/2014, conflito nº 44/13.
No caso dos autos, a acção começou com a petição de uma injunção para pagamento de facturas respeitantes ao incumprimento do contrato celebrado entre a Autora, concessionária da exploração do sistema de captação, tratamento e distribuição de água no concelho de Fafe, e B…………….., em representação o Condomínio do Prédio Sito na Rua ……………, em que este não pagou determinadas facturas respeitantes ao fornecimento de água ao domicílio, pedindo a condenação no pagamento da quantia € 1434.45 (mil quatrocentos e trinta e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros moratórios vencidos e os vincendos até efectivo e integral, por via da prestação do referido serviço.
Assim sendo, a questão central a decidir traduz-se em saber qual o tribunal competente para conhecer a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias na qual a Autora, concessionária da exploração e gestão dos serviços público municipais de distribuição de água, pede a condenação do Réu no pagamento de quantias relativas ao fornecimento de água objecto do referido contrato.
Como vimos, o Tribunal Judicial de Fafe julgou competente para dirimir o presente litígio a jurisdição administrativa e fiscal, dado o fundamento do litígio emergir de uma relação jurídica administrativa, orientação confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/9/2012.
A conclusão a que se chegou nas instâncias recorridas assenta no pressuposto de que o contrato celebrado entre a Autora e o consumidor nos remete para uma relação jurídico administrativa na modalidade de contrato administrativo.
Não obstante a questão ser em tudo idêntica à julgada pelo Tribunal de Conflitos no Conflito nº 44/13, de 21/1/2014, que subscrevemos na qualidade de relatora, a verdade é que está firmada jurisprudência neste Tribunal de Conflitos em sentido contrário.
Assim sendo, para evitar divergências nesta matéria, limitar-nos-emos a reproduzir o Acórdão nº 1/14, de 27/3/2014, que segue a jurisprudência uniforme nesta matéria.
Aí ficou consignado o seguinte:
“(…) O conflito acima desenhado é essencialmente semelhante àqueles que este Tribunal já decidiu múltiplas vezes, visto em todos eles ser incontroverso que a Autora é uma sociedade anónima de direito privado concessionária do serviço público de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público do Município de Fafe (actividade vedada a particulares, salvo havendo concessão – artigo 1.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 88-A/97, de 25/07, com a alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2013, de 11/06) e a pretensão formulada ser a condenação da Rés no pagamento do serviço contratado.
As incidências específicas de cada um, como, por ex., o teor das contestações aí deduzidas, não são decisivas para a determinação da competência do Tribunal e isto porque, como vem sendo dito uniformemente, essa competência tem de ser apreciada em função da causa de pedir e pedido e tais processos terem respeitado, sempre, a pedidos por falta de pagamento de facturas de consumo de água.
E em todos esses casos foram julgados competentes os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e dentro destes os Tribunais tributários – Vd., a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: de 25/06/2013 (processo n.º 033/13), de 26.9.2013 (proc. n.º 030/13), de 05/11/2013 (proc. n.º 039/13), de 18/12/2013 (proc.s n.ºs 038/13 e 053/13) e de 29/01/2014 (proc. n.º 45/13).
Jurisprudência que não se vê razão para alterar.
Daí que nos limitemos a transcrever, parcialmente, a fundamentação apresentada no referido acórdão de 26.9.2013, processo 30/13, a que se adere:
«Resulta do artigo 211.º, n.º1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais. Nesta linha, concretiza o artigo 66.º do Código de Processo Civil que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Por outro lado, consagra ainda o artigo. 212.º, nº 3, da CRP, que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei n.º 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º 1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.), embora em termos meramente exemplificativos.
Ora, é entendimento pacífico que a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pgª 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.
Foi também neste sentido que se firmou a jurisprudência, podendo ver-se o acórdão do STJ de 14/5/2009, www.dgsi.pt, de cujo sumário se conclui que “a competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.
Será portanto a partir da análise da forma como a causa se mostra estruturada na petição inicial que poderemos encontrar as bases para responder à questão de saber qual é a jurisdição competente para o seu conhecimento.
Ora, esta acção começou com um requerimento de injunção para pagamento de facturas de água, alegando a requerente que os RR não pagaram determinadas quantias de água fornecida [...]
Donde se conclui que o litígio compreende uma questão jurídica respeitante ao pagamento de encargos fixos e consumos de água fornecida pela A, no âmbito dum contrato com colocação dum contador [...] e das normas que o regem.
Por outro lado, não está em causa que a A é a empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento do Município de Fafe, por força de contrato celebrado com este último.
Efectivamente, conforme se estabelece no nº 1 do artigo 26.º da Lei nº 159/99, de 14/09, é da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão de equipamentos e a realização de investimentos nos seguintes domínios:
a) Sistemas municipais de abastecimento de água;
b) Sistemas municipais de drenagem e tratamento de águas residuais urbanas;
c) Sistemas municipais de limpeza pública e de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
No entanto, e conforme resulta do artigo 6.º do DL nº 379/93 de 5/11, a sua exploração e gestão tanto pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios ou associações de municípios, como pode ser atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores, sendo o prazo mínimo de concessão de 5 anos e máximo de 50 (artigo 8.º).
E enquanto durar a concessão, a propriedade dos bens integrados nos sistemas municipais e a ela afectos pertence à concessionária, revertendo para os respectivos municípios no termo da concessão, conforme estabelece o artigo 7.º deste diploma.
Por outro lado, e nos termos do seu artigo 13º, nº 2, “a concessionária, precedendo aprovação pelo concedente, tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização, e está autorizada a recorrer ao regime legal da expropriação, nos termos do Código das Expropriações, bem como aos regimes de empreitada de obras públicas e de fornecimento contínuo”.
Donde resulta que, no caso em análise, a A, enquanto concessionária do serviço de fornecimento de água aos munícipes de Fafe, prossegue fins de interesse público, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa, pois como advoga Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, Lições, 2000, pg 79.), têm de se considerar relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.
Podemos assim concluir que a matéria em causa na presente acção cai no âmbito dos litígios a que alude o art.º 1º, nº 1, do ETAF, sendo competentes para a sua apreciação os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pois, e tal como se decidiu no conflito 17/10, o concessionário, obtida a necessária aprovação pelo concedente, detém o poder de fixar, liquidar e cobrar taxas aos utentes, poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 13º, nº 2 do DL nº 379/93 de 5/11, tratando-se portanto dum poder conferido por normas de direito administrativo.
Por outro lado, trata-se de matéria que cai na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais por estarmos perante um litígio que tem por objecto a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, e que advenham do exercício de poderes administrativos, assim se afastando esse conhecimento da esfera de competência dos tribunais judiciais.
Resta por último, determinar, no seio da categoria dos tribunais administrativos e fiscais, qual o concretamente competente para a acção.
Ora, atendendo a que este litígio assenta na exigência do pagamento de consumos de água, e demais encargos relativos à disponibilização dum contador totalizador, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal entendendo-se como tal, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas”, conforme se decidiu no acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006, Processo n.º 14/06.
Diga-se ainda que o Pleno da Secção do Contencioso Tributário já se pronunciou sobre esta questão aceitando esta competência, conforme decorre do acórdão de 10/04/2013, proferido no processo nº 15/12, onde se decidiu que:
“No domínio da vigência da Lei das Finanças Locais de 2007 (Lei nº2/2007, de 15 de Janeiro) e do DL nº 194/2009, de 20 de Agosto, cabe na competência dos tribunais tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa municipal provenientes do abastecimento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, uma vez que o termo “preços” utilizado naquela Lei equivale ao conceito de tarifas usado nas anteriores Leis das Finanças Locais, pelo que podem tais dívidas ser coercivamente cobradas em processo de execução fiscal”.
Podemos assim, concluir que a jurisdição competente para conhecer do litígio em apreciação é a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários, atento o disposto no artigo 49º, n.º 1, alínea c), do ETAF».


III- DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal, acordam em declarar os Tribunais tributários os competentes para conhecer da presente acção.
Sem custas.
Lisboa, 15 de Maio de 2014. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – Gabriel Martim dos Anjos Catarino – António Políbio Ferreira Henriques – José Fernando de Salazar Casanova Abrantes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – João Carlos Pires Trindade.