Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:033/15
Data do Acordão:06/07/2016
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
Sumário:I – A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o autor configura a acção, essencialmente definida pelo pedido formulado e pela causa de pedir invocada.
II – Se os autores visam primordialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um terreno e, em consequência, a condenação das rés a esvaziarem, desocuparem e restituírem o mesmo, livre e desonerado de pessoas e bens, mostra-se delineada uma acção onde os pedidos formulados correspondem a uma acção de reivindicação, alicerçada em aquisição originária e derivada e em facto presuntivo do direito de propriedade
III – O conhecimento dessa acção cabe na jurisdição dos tribunais comuns, que são igualmente competentes para decidirem dos pedidos cumulados deduzidos com o pedido principal.
Nº Convencional:JSTA000P20659
Nº do Documento:SAC20160607033
Data de Entrada:07/14/2015
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DA COMARCA DE VILA REAL, VILA POUCA DE AGUIAR - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA - J1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE MIRANDELA
AUTOR: A............ E OUTROS
RÉU: C............ E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:

1. A………… e mulher, B…………, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Pouca de Aguiar, acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “C…………”, a “D…………, Lda.” e a “E…………, Lda.”, na qual formularam os seguintes pedidos:
“A) Serem os Autores declarados donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado no art.º 2.º da p.i.;
B) Serem as Rés condenadas a reconhecer tal direito e a desocuparem as descritas parcelas de terreno, delas retirando a manta geotêxtil, brita, areia, tout-venant e outros materiais nos locais das cinco antas e em redor das mesmas, numa área de cerca de 500 metros quadrados, por cada uma, conforme identificação nesta p.i., devolvendo-as aos Autores livres e devolutas de pessoas e bens;
C) Serem as Rés condenadas a procederem à execução dos trabalhos necessários à remoção da manta geotêxtil, brita, areia, tout-venant e outros materiais nos locais das antas e em redor das mesmas, numa área de cerca de 500 metros quadrados, por cada uma, no total de cinco, que colocaram nessas parcelas de terreno e à reposição do solo e do subsolo do terreno dos Autores como se encontrava antes das obras levadas a cabo pelas Rés, no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da douta sentença, suportando 25,00 € por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória;
D) ou, caso tal não seja possível, indemnizar os Autores na quantia a liquidar em execução de sentença, que se computa no mínimo em 25.000,00 €, referente ao preço de 10 €/m2 a pagar pela área ocupada indevidamente pelas Rés;
E) pagar aos Autores a indemnização de 3.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, à razão de 1.500,00 € para cada Autor;
F) Serem as Rés condenadas a pagar aos Autores a quantia de 3.000,00 € por cada ano de ocupação ilegítima do seu prédio, desde Janeiro de 2013, computando-se na presente data em 3.000,00 €, acrescendo 3.000,00 € por cada ano, vencendo-se em Janeiro de cada ano, até efetiva e integral restituição do prédio livre e devoluto de pessoas e bens;
G) Serem as Rés solidariamente condenadas a pagar aos Autores, quanto às quantias referidas nas alíneas anteriores, os juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, exceto quanto à quantia a apurar em execução de sentença, cujos juros se contam apenas desde a liquidação, na parte em que exceder os 25.000,00 €, referidos na alínea D);
H) Serem as Rés condenadas a pagar procuradoria condigna a favor dos Autores e as custas do processo e custas de parte.”
Para fundamentarem estes pedidos, alegaram fundamentalmente:
- Por aquisição derivada, através de contrato de compra e venda, e por aquisição originária, por via de usucapião, tornaram-se donos e legítimos possuidores de um prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 1014 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Pouca de Aguiar sob o n.º 00051/260989;
- Nesse prédio rústico existem monumentos megalíticos, identificados por antas e mamoas, que são património cultural;
- Em 2011, mediante o pagamento de uma indemnização de 3.000,00 €, concederam, à R. C………… – a quem coubera a concessão da Barragem de Gouvães, integrada no Plano Nacional de Barragens –, uma autorização temporária para, até ao fim do ano de 2012, efectuar estudos arqueológicos naqueles monumentos;
- Essa autorização foi dada na condição de, após a realização dos estudos, o terreno ficar como se encontrava antes da intervenção, a fim de aí poderem ser feitas culturas agrícolas e apascentamento de gado bovino e ovino, como sempre sucedera, uma vez que o prédio rústico em causa não fora expropriado para fazer parte do leito da referida Barragem, nem existe qualquer certeza ou garantia que esta venha a ser executada;
- Os estudos e pesquisas estão a ir para além dos limites físicos das mencionadas antas e mamoas, ocupando uma área de cerca de meio hectare do seu prédio, o que não foi por eles autorizado, e torna o local impróprio para posteriormente ser aproveitado para culturas e para o apascentamento de gado;
- Com essa ocupação abusiva e ilegal do prédio, foi violado, pelas RR., o seu direito de propriedade, o que lhes causou prejuízos patrimoniais e morais.
No despacho saneador, considerando-se que a competência para conhecer a acção era dos tribunais da jurisdição administrativa, foi julgada procedente a excepção da incompetência em razão da matéria, absolvendo-se as RR. da instância. Para assim decidir, considerou-se que o que importava averiguar era a natureza da relação jurídica subjacente, a qual seria administrativa se provinha da prática de actos de gestão pública e privada se provinha da prática de actos de gestão privada. Estando em causa a legalidade da actuação de uma concessionária (“C…………”) no exercício de poderes administrativos, bem como aferir da sua eventual responsabilidade civil pelo exercício desses poderes, teria de se concluir que era administrativa a relação jurídica subjacente à pretensão dos AA.
Após o trânsito em julgado daquele despacho e de o processo ter sido remetido ao TAF de Mirandela, foi, por este tribunal, proferida decisão a julgar-se materialmente incompetente para conhecer a acção, por se considerar que a questão material controvertida, tal como apresentada pelos AA. na petição inicial, se traduzia no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um prédio rústico, não se pretendendo pôr em causa o Plano Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico nem a Avaliação do Impacte Ambiental do complexo hidroeléctrico da cascata do Tâmega.
Transitada em julgado esta decisão, foram os autos remetidos a este tribunal para a resolução do conflito negativo de jurisdição.

2. A competência material do tribunal, afere-se em função do modo como o A. configura a acção, pelo que, para determinar essa competência, apenas há que atender aos factos que este articulou na petição inicial, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados (cf., entre muitos, os Ac. deste Tribunal de 20/06/2013, proferido no Conflito n.º 13/13).
Enquanto os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercendo jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cf. arts.211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3, ambos da CRP).
No caso em apreço, os AA. invocam, como causa de pedir, o direito de propriedade sobre um prédio rústico, alegando tê-lo adquirido, quer por via originária (usucapião), quer por via derivada (contrato de compra e venda), e disporem da presunção concedida pelo registo predial. Considerando ter sido violado esse direito, peticionam a condenação das RR. a reconhecê-lo e a desocuparem as parcelas do prédio onde estão depositados os vários materiais que identifica, devolvendo-as aos AA. livres e devolutas de pessoas e bens e no estado em que elas se encontravam antes de as obras se terem iniciado.
Tomando em consideração a configuração que deram à relação jurídica controvertida, o que os AA. visam primordialmente é o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno e, em consequência, a condenação das RR. a restituí-lo, devoluto de pessoas e bens e no estado em que se encontrava inicialmente.
Mostra-se, assim, delineada uma acção onde os pedidos formulados correspondem a uma acção de reivindicação (cf. art.º 1311.º, n.º 1, do C.Civil), alicerçada em aquisição originária e derivada e em facto presuntivo do direito de propriedade.
Nestes termos, contrariamente ao decidido pela Instância Local de Vila Pouca de Aguiar, as questões decidendas não emergem de uma relação jurídica administrativa, nem os AA. fundamentam os seus pedidos em quaisquer normas de direito administrativo.
É certo que os AA. formulam, cumulativamente ou de forma subsidiária, pedidos indemnizatórios (cf. os constantes das als. D) a F). Porém, trata-se de pedidos que, na economia da acção, não têm autonomia, sendo uma mera decorrência da pretensa violação do direito de propriedade e que, por isso, não relevam para a determinação da competência material do tribunal (cf. os Acs. deste tribunal de 9/07/2014 – Conflito n.º 32/14 e de 22/04/2015 – Conflito n.º 01/15).
Portanto, entendendo-se, em conformidade com a jurisprudência deste tribunal (cf., entre muitos, os Acs. de 19/01/2012 – Conflito n.º 14/11, de 15/05/2013 – Conflito n.º 24/13, de 26/09/2013 – Conflito n.º 32/13, de 18/12/2013 – Conflito n.º 18/13 e de 19/06/2014 – Conflito n.º 13/14), que a questão a dirimir se traduz na reivindicação da propriedade privada, para que são competentes os tribunais judiciais, deve ser atribuída a estes a competência para conhecer a acção em causa.

3. Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos tribunais judiciais.
Sem custas.

Lisboa, 7 de Junho de 2016. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Fernando Manuel Pinto de AlmeidaMaria Benedita Malaquias Pires UrbanoAntónio Pires Henriques da GraçaJosé Augusto Araújo VelosoJosé Adriano Machado Souto de Moura.