Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:05/15
Data do Acordão:05/07/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:LEONES DANTAS
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL.
CONCESSIONÁRIA.
AUTO-ESTRADA.
CONFLITO NEGATIVO.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:I – Nos termos da alínea i) do número 1 do art.º 4º do ETAF são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
II – Decorre do artigo 1º, número 5, da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, (...), por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, (...), por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».
III – A jurisdição administrativa é competente para conhecer de uma acção sumaríssima onde se pede a condenação de uma sociedade de capitais privados, concessionária de uma auto-estrada, em determinada quantia indemnizatória, por danos materiais resultantes de um acidente de viação ocorrido nessa via, provocado pela entrada e circulação na mesma de um animal, derivada da omissão de cumprimento de deveres que incumbiam à concessionária nos termos do contrato de concessão.
Nº Convencional:JSTA00069196
Nº do Documento:SAC2015050705
Data de Entrada:01/21/2015
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O 5 JUÍZO CÍVEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE GUIMARÃES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA, UNIDADE ORGÂNICA 1.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO NEGATIVO
Objecto:SENT TJ GUIMARÃES
SENT TAF BRAGA
Decisão:DECL COMPETENTE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONFLITO NEGATIVO
Legislação Nacional:CONST ART211 N1.
ETAF02 ART1 N1 ART4 N1 I.
L 67/2007 ART1 N5.
CCP ART407 ART409 N2 ART415.
DL 248-A/89 ART1 BASE LVII BASE LXXIII.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC028/13 DE 2013/12/18.; AC TCF PROC09/12 DE 2013/03/05.
Referência a Doutrina:J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA VOLII PÁG566-567.
MÁRIO AROSO ALMEIDA - MANUAL DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (2013) PÁG157.
CARLOS A. F. CADILHA - REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS 2ED PÁG55.
PEDRO GONÇALVES - A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PÁG321 E SEGS.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:

1 – A……………. dirigiu-se a este Tribunal pedindo a resolução de um conflito de jurisdição, suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos e com os fundamentos seguintes:

«O Autor, ora Recorrente, interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma sumaríssima, contra B…………….., SA. - cfr. petição inicial que se junta como doc. n° 1.

Esta acção tem por base um sinistro ocorrido na Auto-Estrada A7, entre o veículo propriedade do Autor e um animal de raça canina que apareceu nessa mesma Auto-Estrada, cuja concessionária é a Ré.

Ora, o Autor intentou a presente acção no Tribunal Judicial de Guimarães por entender que sendo o Autor um privado e a Ré também uma entidade privada, sociedade anónima, constituída segundo o regime do direito privado, a presente situação deveria ser julgada pelos Tribunais Judiciais.

Contudo, por sentença transitada em julgado em 28/05/2014, a Meritíssima Juíza declarou o Tribunal Judicial de Guimarães materialmente incompetente para conhecer a causa, com base na alínea i) do n.º 1 do art.º 4.° do ETAF e no n.º 5 do art.º 1° da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, porquanto está em causa a responsabilidade civil extracontratual da Ré pela omissão dos seus deveres emergentes do contrato de concessão celebrado com o Estado. Ora, segundo o entendimento do Tribunal estamos perante uma concessão de obra pública pois a actividade a desenvolver pela Ré insere-se num quadro de índole administrativa e pública - cfr. certidão que se junta como doc. n.º 2.

Na sequência de tal sentença, o A. requereu, com vista à celeridade processual e ao aproveitamento dos articulados, a remessa do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - cfr. requerimento que se junta como doc. n.° 3,

O que se veio a verificar - cfr. despacho que se junta como doc. n.° 4.

Contudo, por sentença transitada em julgado em 10/12/2014, a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por seu turno, veio igualmente declarar-se incompetente, com base em que não está em causa facto derivado do exercício de prerrogativas de direito público e que em face do regime da responsabilização da concessionária nos termos das bases da concessão aprovadas pelo DL 248-A/99 de 6 de Julho, resulta o afastamento da aplicabilidade do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos. Desta forma, o objecto do presente litígio não se pode incluir no âmbito da jurisdição administrativa, por não ser passível de ser enquadrado na previsão da alínea i) do n.° 1 do art.° 4.° do ETAF (cfr. doc. n.° 2).

Pelo exposto, e uma vez que ambos os Tribunais, judiciais e administrativos, declinaram a competência para conhecer da presente questão, verifica-se um conflito negativo entre a jurisdição administrativa e a jurisdição judicial.

Este Conflito deve ser dirimido pelo Tribunal de Conflitos.

Termos em que se requer a V.ª Ex.ª se digne dirimir o presente conflito negativo de competência, declarando qual o Tribunal competente para julgar a presente acção.»


2 – Resulta dos elementos juntos aos autos que o requerente intentou contra, B………………, S.A., no Tribunal Judicial de Guimarães, ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, COM PROCESSO SUMARÍSSIMO, pedindo a condenação daquela a pagar-lhe «a quantia global de € 2.242,85, acrescida dos correspondentes juros de mora legais, a contar da citação até integral pagamento, sendo: a) € 1.942,85, pela reparação do veículo; b) € 300,00, pela paralisação do veículo».

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, o seguinte:

«1º No dia 04 de Março de 2013, pelas 17:55 horas, ocorreu um acidente de viação na Auto-Estrada A11, ao km 43,150, Guimarães – cfr. participação de acidente de viação que se junta como doc. nº 1.

2º No qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, de marca Audi A3, com a matrícula ……..

3º Veículo esse propriedade do A, (cfr. cópia do documento único automóvel que se junta como doc. n.º 2), e conduzido, no momento do acidente, pela sua esposa C……………...

4º O referido acidente traduziu-se na colisão entre o veículo do A. e um animal de raça canina, nas seguintes circunstâncias:

5º No dia e hora referidos, o CR circulava na Auto-Estrada A11, no sentido Braga/Vila do Conde.

6º No local do acidente a auto-estrada é constituída por três hemi-faixas de rodagem, no sentido de marcha do CR, encontrando-se os sentidos de marcha devidamente divididos com separador.

7º Sendo que, neste local a Auto-Estrada A11 configura uma curva,

8º Com inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do CR.

9º O local não dispõe de iluminação artificial.

10º E à hora do acidente estava a chover de forma intensa.

11º O CR circulava pela hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha,

12º A uma velocidade nunca superior a 70 km/h.

13º Com as luzes de médios ligadas, uma vez que já era noite e chovia.

14º A condutora do CR seguia de forma atenta e cuidada, com a diligência e perícia médias exigíveis a qualquer condutor, cumprindo as mais elementares regras estradais, seguindo atenta a via e aos demais utentes da via.

15º Quando assim circulava, ao aproximar-se do Km 43,150, a condutora do CR é surpreendida pelo aparecimento de um animal de raça canina, de cor castanha e porte pequeno.

16º O qual se encontrava no meio da hemi-faixa de rodagem da direita, por onde circulava o CR.

16º Este animal apenas á visível para a condutora do CR quando este se encontra a menos de 10 metros do mesmo.

17º Porquanto a via descrevia uma curva, era de noite e chovia, o que diminuía bastante a visibilidade no local onde se dá o embate.

18º Assim, o animal surge de forma inesperada na hemi-faixa de rodagem da direita por onde o CR circulava, pelo que a sua condutora não conseguiu evitar o embate entre a frente do CR e o animal, atropelando este último.

19º Embate esse que ocorreu na hemi-fixa de rodagem da direita, por onde circulava o CR.

20º Mais, diga-se que no local não existia qualquer sinalização que alertasse os condutores que circulavam na referida Auto-Estrada pala a existência de quaisquer situações de perigo.

21º Dadas as condições meteorológicas e a falta de visibilidade no local, a condutora do CR prosseguiu a sua marcha até às instalações da Ré existentes na saída de Guimarães (Oeste).

22º E o animal ficou ainda a deambular no local do acidente, acabando por ser morto pelo veículo com a matrícula …………., de marca Volvo C30, conduzido por D……………….., que passou no mesmo local do CR pouco tempo após o embate do CR - cfr. participação de acidente de viação que se junta como doc. nº 3.

23º O funcionário da Ré que compareceu no local retirou o animal da faixa de rodagem e, dadas as condições precárias de visibilidade no local, encaminhou também este condutor para as instalações da B…………… mais próximas.

24º A culpa do acidente ficou a dever-se única e exclusivamente à B……………., concessionária da Auto- Estrada A11.

25º A qual responde pelos prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, de acordo com a Base LXXIII do DL n.° 248°-A/99 de 06 de Julho.

26º Devendo esta entidade, nos termos do n.º 1 da Base XLIV do mesmo diploma, “manter as Auto-Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização”.

27º Estando igualmente obrigada a “assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade a circulação nas Auto-Estradas” – nº 2 da Base LVII do DL supra referenciado.

28º E a assegurar “a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção do acidente” – n.º 1 da Base LVIII do mesmo DL.

29º Sendo que, no âmbito destas obrigações, compete à B………… construir e manter vedações ao longo de toda Auto- Estrada, de forma a impedir o acesso de pessoas e animais à auto-estrada, garantindo, assim, uma circulação segura e sem perigo para os utentes.

30º Deveres esses que foram todos negligenciados pela B…………...

(…)

34º Este entendimento foi, aliás, recentemente consagrado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n.º 24/2007 de 18 de Julho, de acordo com o qual:

“Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:

a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais:

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.”

(…)

36º Omitiu, assim, a B…………., com a sua actuação negligente, os deveres que lhe são impostos pelo supra citado DL.

37º Violando, com a sua negligência e omissão, o disposto no DL referido, bem como o disposto nos art°s 483° e 486° do CC, violações essas directa e imediatamente causais do acidente.

38º Culpa que, aliás, se presume, nos termos do art.º 493º do CC, porquanto tem em seu poder coisa imóvel com o dever de a vigiar.

39º Pelo exposto, a ocorrência do presente sinistro ficou a dever-se única e exclusivamente a culpa da B…………...

40º No entanto, ainda que se considere que no existe culpa por parte da B…………, esta responderá sempre pelo risco, nos termos da Base LXXIII do DL supra referenciado.

41º Acresce que, entre a B………….., como concessionária da exploração de vários troços de Auto-Estradas, e os respectivos utentes se estabelece um contrato inominado.

42º Mediante o qual, ao pagamento de portagem, por parte do utente, corresponde, por parte da B…………., a obrigação de permitir o acesso à circulação nas Auto-Estradas, com comodidade e segurança.

43º Aliás, os utentes procuram estas vias por proporcionarem, pelo menos teoricamente, maior confiança rodoviária, atentas as suas características: desenho, separação de faixas de rodagem, inexistência de cruzamentos de nível, etc..

44º Contratam, assim, os utentes com a B…………. na convicção de diminuir o risco de acidentes, aumentando a rapidez e conforto das suas viagens, podendo e devendo exigir da B…………. comodidade e segurança na circulação automóvel.

45º São precisamente estas obrigações que não foram pontualmente cumpridas pela B………….., pelo que, necessariamente, lhe cabe indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos.

46º Pelo que é parte legítima na presente acção e responsável pela indemnização devida ao A., por força dos danos sofridos com o presente sinistro.»

3 – Distribuída a acção ao 5.º Juízo Cível daquela comarca de Guimarães, foi ali lavrada sentença declarando aquele tribunal materialmente incompetente para conhecer da acção instaurada e declarando como competente a jurisdição administrativa.

Essa decisão na parte que releva é do seguinte teor:

«Na presente acção que corre termos sob a forma de processo sumaríssimo, intentada por A……………… contra “B………………, S.A.”, veio o primeiro pedir a condenação da segunda no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos na sequência de um acidente de viação ocorrido em auto-estrada concessionada e que teve por causa o surgimento, em plena via de trânsito, de um cão.

Suscitada oficiosamente a excepção de incompetência material e notificadas as partes para o exercício do contraditório, cumpre decidir.

Como se referiu no despacho proferido a fls. 102 ss., a ora ré celebrou com o Estado Português um contrato de concessão cujas bases foram estabelecidas pelo DL nº 248-A/99, de 6 de Julho, alterado pelo DL nº 44-E/2010, de 5 de Maio. Refere-se na Base II deste diploma que «[a] Concessão tem por objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação, com cobrança de portagens aos utentes, pela Concessionária, e em regime de disponibilidade, dos seguintes lanços: e) 11/IP 9 Braga/Guimarães/IP 4/A 4, com a extensão aproximada de 43 km» - sublinhado acrescentado.

Consagra a Base XXXVI que «[a] Concessionária garante ao Concedente (...) a execução das obras de construção e conservação dos Lanços (...) responsabilizando-se pela sua durabilidade, em plenas condições de funcionamento e operacionalidade ao longo de todo o período da Concessão [nº1]» e «(...) responde perante o Concedente e perante terceiros por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução de obras de construção e na conservação das auto-estradas (...) [n°2]» - sublinhado acrescentado.

De resto, a Base LXIII consigna expressamente que «[a] Concessionária responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito», o que significa que apesar de o Lanço integrar o domínio público a existência da concessão liberta o proprietário (Estado) da responsabilidade inerente à sua conservação.

A propósito da exploração e conservação das auto-estradas (Cap. VII) determina a Base XLIV (nº 1) que «[a] Concessionária obriga-se a manter, durante a vigência do Contrato de Concessão, e a expensas suas, as Auto-Estradas e os demais bens que constituem o objecto da Concessão em funcionamento ininterrupto e permanente, em bom estado de conservação e em perfeitas condições de utilização e segurança (...)» - sublinhado acrescentado.

O que se discute nestes autos é precisamente a sua responsabilidade emergente do não cumprimento dos referidos deveres de conservação e das auto-estradas, entendida esta como a manutenção do lanço nas condições de utilização e segurança que lhe são exigíveis.

Preceitua a al. i) do nº 1 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) que «compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto (...) [r]esponsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público», acrescentando o nº 5 do art. 1º da Lei n° 67/07, de 31.12 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas) que «[a]s disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».

Ora, não há dúvidas de que, por um lado, as acções ou omissões da ora ré são adoptadas no exercício de uma prerrogativa de poder público e que as bases da concessão constituem disposições ou princípios de direito administrativo, previstas no já mencionado DL n° 248-A/99, de 6 de Julho, alterado pelo DL nº 44-E/2010, de 5 de Maio.

Como se relata no Ac. dos Conflitos de 30.05.2013 (Rel.: SANTOS CARVALHO), in: www.dgsi.pt, «(…) a construção de uma auto estrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. A conceção dessas obras e serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respetivas atividades percam a sua natureza pública administrativa, pois o Estado não pode abrir mão dessa responsabilidade. Antes a outorga, por determinado período a terceiro da esfera privada, a quem permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, estas também regulamentadas pelo Estado), mas regulando-a e fiscalizando-a ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão» - sublinhados acrescentados.

E como também aí se refere, «(...) a pergunta a fazer, perante o referido art.º 4.º, al. i), do ETAF, é a de saber em que circunstâncias um sujeito privado tem de assumir a responsabilidade civil extracontratual própria do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público». E, respondendo, afirma que «[a] tal resposta tem de se encontrar nos art.º 212º, nº 3, do CRP e no art.º 1º do ETAF, pois serão casos em que o sujeito privado é responsável civilmente num litígio emergente de relações administrativas (ou fiscais) extracontratuais».

Ora, no caso em apreço a ré responderá na medida em que da entrada de animais na via se possa retirar ter havido um afrouxamento no cumprimento dos seus deveres de conservação, na óptica da preservação das condições de segurança.

O que significa que a origem da eventual responsabilidade da ré lhe advém primariamente do contrato administrativo de concessão, pois caso a ré não existisse, o Estado seria o demandado.

E se dai advém responsabilidade extracontratual para alguém, será também para a concessionária na sua qualidade de entidade privada que enverga a veste pública, pois é por causa do exercício dessa tarefa própria da administração do Estado que a mesma é responsável, sendo que a execução dessa tarefa está regulada por normas jurídicas de natureza administrativa (as bases).

(…)

É assim de concluir que para efeitos de determinação da competência material o tribunal competente para apreciar o mérito desta acção não é este, onde ela pende, mas, antes sim, tribunal da jurisdição administrativa.

Declaro pois este tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado pela autora e absolvo a ré da instância – artºs 576º, nºs 1 e 2 e 576º, al. a, todos do Código de Processo Civil.

Custas pelo autor - art. 527º, do Código de Processo Civil.»

4 – Tendo o Autor requerido a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, declarou-se este Tribunal igualmente como incompetente para conhecer da mencionada acção, nos termos seguintes:

«A……………., residente na Rua …………, n.º ……, ……., 4810-…… Guimarães, intentou a presente acção administrativa comum contra B…………., para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, concluindo que a acção deve ser julgada e procedente, formula o pedido:

- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de € 2.242,85, acrescida dos correspondentes juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, sendo a) € 1.942,85, pela reparação do veículo; b) € 300,00, pela paralisação do veículo

Fundou a sua pretensão, no direito de indemnização, decorrente de acidente de viação ocorrido, no dia 04 de Março de 2013, pelas 17.55 horas com o veículo de matricula …………, de sua propriedade, que circulava na hemi-faxa direita, conduzido por C……………, sua esposa, na Auto-Estrada 11 (A-11) e no sentido Braga/Vila do Conde, que se traduziu no embate do …………, ao km 43,150, num animal de raça canina que se encontrava no meio daquela hemi-faxa direita. Imputando, em consequência, a ocorrência dos danos provocados no veículo, a omissão negligente da Ré, por falta de fiscalização e vigilância naquela via, por forma a assegurar aos utentes uma circulação sem perigos e segura.

(…)

A Ré, devidamente citada, deduziu contestação, defendendo-se por impugnação, solicitou a sua absolvição o pedido.

A competência do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (Cfr. artigos 278°, n.° 1, al. g) e artigo 578º, ambos do CPC)

O artigo 13° do CPTA dispõe: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

Cumpre, assim, antes de mais, apreciar e decidir a questão da competência do tribunal.

(…)

No caso presente, o Autor alicerça a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual, por negligência na vigilância e segurança de um troço da A-11 cuja gestão se encontrava concessionada à Ré, pessoa colectiva de direito privado.

Do Acórdão do Tribunal de Conflitos, proferido no âmbito do conflito n.º 28/13, em 18 de Dezembro de 2013, extrai-se o seguinte:

“(...) Estatui o artigo 4º, nº 1 alínea i) do ETAF que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.”

(...) Os que tenham deste instituto uma ideia organicista tenderão a imputar à Administração Pública a responsabilidade pelos actos do concessionário; estaria assim em causa um acto da Administração Pública.

Já quem concebe a concessão como um acto de gestão mas que é privatizada ao ser contratualmente transferida para uma pessoa colectiva de direito privado, tende a defender o princípio próprio da responsabilidade por actos de gestão privada.

Tal só não se verifica, sendo a natureza administrativa a actividade do concessionário, "sempre que os que lhe são imputados [à entidade concessionária] decorram do exercício de poderes públicos de que estão investidos; a responsabilidade rege-se nesse caso pelo direito ou então terá de ser justificada a posição contrária; mas quando tal não suceda, isto é, quando os actos ilícitos pela qual a entidade concessionária privada é demandada se insira nos actos correntes da sua actividade, estamos no âmbito do direito privado (Cfr. para alguns desenvolvimentos Pedro Gonçalves. A Concessão de Serviços Públicos Almedina, Coimbra 1999, págs. 321 a 326. Cfr. na jurisprudência Acs STA 25-01-2005; Relação Lisboa 10-fev-2011 (P.546/082BVFX.L1-2); Tribunal de Conflitos 05-03-2013 09/12 todos in Base da DGSI)”.

É o que se passa no caso vertente; pela forma como a Autora configura a relação jurídica, a Ré incorre em responsabilidade civil por negligência na vigilância de um troço de Auto-Estrada cuja gestão lhe estava concessionada, dando azo a que um canídeo surgisse na mesma provocando um acidente, com prejuízo para um veículo da Autora.

Na sequência do que dissemos, este quadro factual não se enquadra juridicamente na previsão do artigo 1°, n° 5 da Lei 67/2007.

Ao caso é aplicável a jurisdição civil pelo que a competência para julgar é do Tribunal Comum (...)»

Temos vindo em casos, como os dos presentes autos, a aceitar a tese da competência da jurisdição administrativa para decidir este tipo de litígios.

Porém é no acórdão do Tribunal de Conflitos supra citado, que ora nos revemos.

Assim, estribando-se a presente acção na responsabilidade civil extracontratual na falta de segurança num troço da A-11, nomeadamente, onde se situa o local do acidente, km 43,150, cuja gestão se encontra concessionada à Ré, que é pessoa colectiva de direito privado, conduz-nos para e universo da responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas por actos de gestão privada, pelo que forçoso será de concluir que a jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do presente litigio.

A incompetência absoluta do tribunal constitui uma excepção dilatória, que no caso de se verificar, obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do réu da instância (artigos 96° a 100°, 278, n° 1 al. a) e 279°, todos do CPC ex vi artigo 1º do CPTA).

Assim, por tudo o exposto conclui-se, ser este Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga materialmente incompetente para conhecer do pedido formulado pela Autora nos presentes autos.»

5 – Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer pronunciando-se no sentido da resolução do conflito com a atribuição da competência aos Tribunais da Jurisdição Administrativa, concluindo nos termos seguintes:

«3. A Ré na acção é uma pessoa colectiva de direito privado. Mas isso não afasta a aplicação ao caso do disposto no art. 4º, nº 1 - i) do actual ETAF (Lei nº 13/002) e antes referido acima. Tanto mais que do Contrato de Concessão celebrado entre o Estado Português e aquela resulta à evidência que as acções desta são reguladas “por disposições ou princípios de direito administrativo” (bases da concessão aprovadas pelo D.L. n° 248-A/99 de 6 de Julho; definição e natureza do contrato administrativo em causa e demais acertos definidores do procedimento, todos de natureza jurídico-pública).

E se, antes, alguma dúvida pudesse existir a questão agora está devidamente esclarecida com o disposto no nº 5 do art. 1º da Lei nº 67/07 de 31 de Dezembro – “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo".

Esta norma, no fundo, veio estender o regime de responsabilidade administrativa, previsto nesta Lei, às pessoas colectivas de direito privado dando seguimento ao disposto no art. 4º nº 1 - i) do ETAF.

4. Como assim, somos de parecer que o presente conflito de jurisdição deve ser resolvido com atribuição de competência ao TAF de Braga de acordo, aliás, com o decidido nos conflitos n°s 25/09; 17/13 46/13 e 48/13 respectivamente, Acs. de 20.1.2010; de 30.5.2013, de 27.3.14 e de 27.2.14 deste Tribunal de Conflitos (casos idênticos).»

5 – Distribuído por via electrónica o projecto de acórdão pelos Em.ºs Juízes Adjuntos, cumpre decidir.

II

1 - Da análise das decisões em conflito constata-se que ambas invocam jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos em apoio das soluções sufragadas.

1.1 - Assim a decisão proferida no Tribunal de Guimarães louva-se do acórdão deste Tribunal proferido em 30 de Maio de 2013, no Conflito n.° 017/13, de cuja fundamentação se destaca o seguinte:

«O art.º 4.º do ETAF define com mais precisão qual o âmbito da competência material dos tribunais administrativos, pois discrimina em diversas alíneas qual o objeto dos litígios que compete apreciar aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

Interessa-nos agora a al. i) desse art.º 4.º do ETAF, onde se indica que são da competência dos tribunais administrativos os litígios sobre a “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”.

Na verdade, a divergência que está na base do conflito de competência que surgiu entre os referidos tribunais, tem origem no facto do tribunal cível comum entender que a matéria da referida ação sumaríssima cabe no âmbito dessa alínea i), enquanto o tribunal administrativo afirma que tal matéria tem a ver apenas com relações jurídicas privadas, num litígio que envolve duas pessoas coletivas privadas.

Ora, a pergunta a fazer, perante o referido art.º 3º, al. i). do ETA, é a de saber em que circunstâncias um sujeito privado tem de assumir a responsabilidade civil extracontratual própria do regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público.

A resposta tem de se encontrar nos art.º 212º, n.º 3, do CRP e no art.º 1º do ETAF, pois serão casos em que o sujeito privado é responsável civilmente num litígio emergente de relações administrativas (ou fiscais) extracontratuais.

(…)

Diz-se no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 20-01-2010 (conflito n.º 25/09), que decidiu caso idêntico ao dos autos e que, por isso, temos vindo a acompanhar quase textualmente, o seguinte:

«Significa isto que a competência dos tribunais administrativos e fiscais abrangerá as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual de sujeitos privados desde que a eles deva ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público. Considerou-se aqui, implicitamente, ser adequado entender as relações firmadas, como relações jurídicas administrativas.

Existiu, segundo cremos, por banda do legislador, o propósito de estender a competência dos tribunais administrativos e fiscais a áreas de jurisdição que antes não eram. O regime introduzido atribuiu competência aos tribunais administrativos e fiscais a todas as questões de responsabilidade civil envolvendo pessoas coletivas de direito público (vide alíneas g) e h) do referido art.º 4.º n.º 1), independentemente de se saber se as mesmas eram regidas por normas de direito público ou por normas de direito privado, indo ainda mais além ao aplicar essa competência à responsabilidade civil extracontratual dos próprios privados desde que lhes deva ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público».

O art.º 1º, n.º 5, da Lei 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) dispõe que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas coletivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por ações ou omissões que adotem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Como diz Carlos Alberto Cadilha “… tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime da responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às ações ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos os atos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas coletivas privadas” (“Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, pág. 49).

Como se viu, nos termos do art.º 1º n.º 5 da Lei 67/2007, são dois os fatores determinativos do conceito de atividade administrativa. O primeiro refere-se ao exercício de prerrogativas de poder público, o que equivale ao desempenho de tarefas públicas para cuja realização sejam outorgados poderes de autoridade. O segundo respeita a atividades que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo.

Ora, as entidades privadas concessionárias que são chamadas a colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas através de um contrato administrativo (que poderá ser de concessão de obras públicas ou de serviço público), têm a sua atividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo.

Na verdade, a construção de uma autoestrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado. A concessão dessas obras e serviços públicos a uma entidade privada não significa que as respetivas atividades percam a sua natureza pública administrativa, pois o Estado não pode abrir mão dessa responsabilidade. Antes a outorga, por determinado período, a terceiro da esfera privada, a quem permite obter lucros económicos (através, nomeadamente, das portagens, estas também regulamentadas pelo Estado), mas regulando-a e fiscalizando-a, ao abrigo de normas jurídicas de natureza administrativa que ficam inscritas no contrato de concessão.

Na verdade, nos termos do contrato de concessão celebrado entre a Ré (da referida ação sumaríssima) e o Estado, o que se concretizou através do Dec.-Lei n.º 248-A/99, de 6/7, alterado pelo Dec.-Lei n.º 44-E/2010, de 5/5, estabelece-se, na Base II que «A Concessão tem por objeto a conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação, em regime de portagem, dos Lanços...» e na Base III que «A Concessão é de obra pública e é estabelecida em regime de exclusivo relativamente às Autoestradas que integram o seu objeto». Na Base VII, o Estado reafirma que se trata de concessão de domínio público, pois «As zonas das Autoestradas e os conjuntos viários a elas associados que constituem o estabelecimento físico da Concessão integram o domínio público do concedente». Na Base XLIV afirma-se que «A Concessionária deverá manter as Autoestradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam». Na Base LVII diz-se que «A Concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas Autoestradas».

Como se diz no referido Ac. do Tribunal de Conflitos: «Destas normas é possível inferir-se que a atividade a desenvolver pela R. no âmbito da concessão em causa, desenvolve-se num quadro de índole pública. A entidade privada concessionária da autoestrada, é notoriamente chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão, através de um contrato administrativo, pelo que as ações e omissões da R. concessionária se devem integrar e ser reguladas por disposições e princípios de direito administrativo».

É certo que a Base LXXIII, acerca da responsabilidade extracontratual perante terceiros, indica que «A Concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das atividades que constituem o objeto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito». Mas, no contexto do diploma que estabeleceu a concessão, a referência que é feita à “lei geral” significa apenas que a responsabilidade pelos prejuízos resultantes de responsabilidade civil extracontratual não está regulada por normas inscritas no contrato de concessão, mas pelas normas gerais que regulam tal matéria, sem tomar partido sobre a sua natureza, administrativa ou comum.

Assim sendo, como a Autora pretende ser ressarcida com vista a receber uma indemnização, em razão de uma invocada responsabilidade extracontratual da Ré, em consequência de uma omissão de dever a que estava obrigada na qualidade de concessionária da autoestrada em questão, lícito é concluir que a sua eventual responsabilização se insere no âmbito de aplicação do art.º 1.º, n.º 5, da Lei 67/2007 e, consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa (art.º 4.º n.º 1 al. i) do ETAF).»

1.2 - Por sua vez a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga louva-se do acórdão proferido, em 18 de Dezembro de 2013, no Conflito n.º 028/13, de cuja fundamentação se destaca o seguinte:

«Exarados os considerandos supra-expostos, põe-se agora o problema de saber qual a jurisdição com competência para dirimir a questão que opõe as autoridades em conflito: se a jurisdição administrativa ou se antes a comum. Estatui o artigo 4º nº 1 alínea i) do ETAF que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”. Com vista a atribuir ao tribunal administrativo a competência para julgar a acção, faz o tribunal cível apelo ao estatuído no artigo 1º nº 5 da Lei 67/2007 onde se pode ler que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

O normativo por último citado toma posição, sobre a natureza jurídica da concessão. Os que tenham deste instituto uma ideia organicista tenderão a imputar à Administração Pública a responsabilidade pelos actos do concessionário; estaria assim em causa um acto da Administração Pública. Já quem concebe a concessão como um acto de gestão mas que é privatizada ao ser contratualmente transferida para uma pessoa colectiva de direito privado, tende a defender o princípio próprio da responsabilidade por actos de gestão privada. Tal só não se verifica, sendo de natureza administrativa a actividade do concessionário, “Sempre que os prejuízos que lhe são imputados [à entidade concessionária] decorram do exercício de poderes públicos de que estão investidos; a responsabilidade rege-se nesse caso pelo direito público ou então terá de ser justificada a posição contrária; mas quando tal não suceda, isto é, quando os actos ilícitos pela qual a entidade concessionária privada é demandada se insira nos actos correntes da sua actividade, estamos no âmbito do direito privado (Cfr. para alguns desenvolvimentos Pedro Gonçalves “A Concessão de Serviços Públicos” Almedina, Coimbra 1999, pags. 321 a 326 Cfr. na Jurisprudência Acs. STA 25-01-2005 0681/04; Rel. Lisboa 10-fev-2011 (P. 546/08. 2BVFX.L1-2); Tribunal de Conflitos 05-03-2013 09/12 todos in Bases da DGSI.)”. É o que se passa no caso vertente; pela forma como a Autora configura a relação jurídica, a Ré incorre em responsabilidade civil por negligência na vigilância de um troço de Auto-Estrada cuja gestão lhe estava concessionada, dando azo a que um canídeo surgisse na mesma provocando um acidente, com prejuízos para um veículo da Autora. Na sequência do que dissemos, este quadro factual não se enquadra juridicamente na previsão do artigo 1º nº 5 da Lei 67/2007. Ao caso é aplicável a jurisdição civil pelo que a competência para o julgar é do Tribunal Comum, aqui o 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde.»


III

1 - Resulta do artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República (CRP), que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais e decorre do artigo 212.º, n.º 3, daquele diploma que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os «litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
Na determinação do conteúdo do conceito de relação jurídico administrativa ou fiscal, tal como referem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, deve ter-se presente que «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal» (Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, p. p. 566 e 567.).
A competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais veio a ser concretizada nos artigos 1.º, n.º 1 e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 17 de Fevereiro (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações decorrentes da Lei n.º 20/2012, de 14/05; da Lei nº 55-A/2010, de 31/12; do DL n.º 166/2009, de 31/07; da Lei 59/2008, de 11/09; da Lei n.º 52/2008, de 28/08; da Lei n.º 26/2008, de 27/06; da Lei n.º 2/2008, de 14/01; da Lei n.º 1/2008, de 14/01; da Lei n.º 107-D/2003, de 31/12; da Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 e objecto da Rectificação n.º 18/2002, de 12/04 e da Rectificação n.º 14/2002, de 20/03.).

A aparente diversidade de critérios relativos à atribuição da competência da jurisdição administrativa que emerge destas duas normas deve resolver-se na base do princípio de que «pertence ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal e cuja apreciação não seja expressamente atribuída, por norma especial, à competência dos tribunais judiciais, assim como aqueles que, embora não versem sobre matéria jurídica administrativa e fiscal, são expressamente atribuídos, por norma especial, à competência desta jurisdição – sendo que encontramos no artigo 4.º do ETAF algumas disposições especiais com este alcance».(MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2013, Almedina, p. 157.)

2 – Resulta do disposto no artigo 4.º, n.º 1, als. a), g) e i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que «1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal»; «g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa»; «i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público».

Por sua vez decorre do n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que consagrou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, que «as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».

3 – Refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA que o artigo 4.º, n.º 1, al. i) do ETAF «ainda prevê a competência da jurisdição administrativa para apreciar as questões de responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas (...), nos casos em que o n.º 5 do artigo 1.º do RRCEE as veio submeter à aplicação desse regime, ou seja, quando a respectiva responsabilidade resulte de acções ou omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito Administrativo» (Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2013, p.170.), pelo que, segundo aquele autor, «ao contrário do que hoje sucede com as pessoas colectivas de direito público, a distinção entre actuação de gestão pública e actuação de gestão [privada] continua a ter relevância, (...), mas também no plano processual, no que respeita à actuação de entidades privadas a que a lei confere a titularidade de prerrogativas de poder público ou cuja actividade é parcialmente regulada por normas de Direito Administrativo» (Ibidem.).

Continua o mesmo autor afirmando que «com efeito, em relação a estas entidades, só a responsabilidade civil extra-contratual emergente de actuações de gestão pública – isto é das actuações que exprimem o exercício de prerrogativas de poder público, ou se regem por normas de direito público – se rege pelo RJRCEE e é, por isso, atribuída à competência dos tribunais administrativos» (Ibidem.).

Como refere CARLOS A. F. CADILHA, «a submissão de entidades privadas ao regime de responsabilidade civil da Administração (com a consequente sujeição ao contencioso administrativo) terá, portanto de ser definida casuisticamente em função da natureza jurídica dos poderes que tais entidades tenham exercitado em cada situação concreta. Por outro lado, tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime de responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos todos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas de direito privado» (Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, 2ª Edição, Coimbra Editora, p.55.).

Em síntese, pode afirmar-se que o artigo 4.º, n.º 1 alínea i) do ETAF previa a atribuição à jurisdição administrativa da competência para conhecer das acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil extracontratual de entidades de direito privado, nos casos em que a lei viesse submeter essas entidades ao regime de Responsabilidade Civil dos Entes públicos, o que se veio a concretizar com o n.º 5 do artigo 1.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas», aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 3 1 Dezembro.

Deste modo, é atribuída a jurisdição administrativa a competência para conhecer de acções para efectivação de responsabilidade civil de entidades privadas que exerçam poderes públicos nos casos em que a responsabilidade civil decorra de «acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo».

Assim, nesses casos é preciso previamente averiguar se os factos de que decorre a responsabilidade civil em causa, foram praticados no exercício da gestão pública, ou seja, se se materializam em acções ou omissões «que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo», ou se decorrem fora desse ambiente e se podem considerar de gestão privada.

No primeiro caso, a competência é atribuída à jurisdição administrativa e no segundo é atribuída aos tribunais judiciais.

Cumpre, pois, averiguar se os factos que são invocados na causa de pedir pelo Autor, se podem considerar como de gestão pública, ou não.

4 - Na decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, depois de se aderir à orientação consagrada no acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 18 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.° 028/13, afirmou-se que «assim, estribando-se a presente acção na responsabilidade civil extracontratual na falta de segurança num troço da A-11, nomeadamente, onde se situa o local do acidente, km 43,150, cuja gestão se encontra concessionada à Ré, que é pessoa colectiva de direito privado, conduz-nos para o universo da responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas por actos de gestão privada, pelo que forçoso será de concluir que a jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do presente litigio».

Naquele acórdão deste Tribunal invocado por esta decisão cita-se doutrina de PEDRO GONÇALVES (A Concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1999, pp. 321 e ss.), em abono da posição sustentada, tendo-se concluído a citação daquele autor com a afirmação «é o que se passa no caso vertente; pela forma como a Autora configura a relação jurídica, a Ré incorre em responsabilidade civil por negligência na vigilância de um troço de Auto-Estrada cuja gestão lhe estava concessionada, dando azo a que um canídeo surgisse na mesma provocando um acidente, com prejuízos para um veículo da Autora».

Vejamos a inserção das citações na obra de que derivam e o contexto em que as mesmas ali se inserem.

Refere aquele autor, a propósito da “responsabilidade do concessionário perante terceiros” que «o tema da responsabilidade dos concessionários de serviços públicos perante terceiros é porventura aquele em que se projectam de modo mais manifesto as consequências da concepção adoptada quanto à causa-função do acto concessório: os que sustentam a concepção orgânica (“o concessionário é um órgão em sentido próprio da Administração concedente”) tenderão a imputar a responsabilidade dos actos praticados pelo concessionário a uma pessoa colectiva pública, nos termos da responsabilidade civil da Administração por actos de gestão pública ou, quando o não façam, terão de encontrar um fundamento para explicar a responsabilidade própria do concessionário» (Ibidem, p.321 e 322.) e prossegue referindo que «pelo contrário, quem como nós, concebe a concessão como um acto(organizatório mas) que privatiza a gestão do serviço público, mediante a transferência do direito de o gerir para uma entidade de direito privado, que actua no seu próprio nome, fora de um nexo que a ligue organicamente ao concedente, tenderá a defender o princípio da responsabilidade própria do concessionário, nos termos da responsabilidade por actos de gestão privada» e «portanto, em regra, o concessionário, e só ele, deve responder pelos prejuízos decorrentes da sua actividade (responsabilidade própria exclusiva); além disso, deve responder nos termos da responsabilidade civil por actos de gestão privada, uma vez que existe neste caso uma “gestão privada do serviço público”:

(…).

Ainda segundo o mesmo autor «a regra acabada de descrever comporta, contudo, algumas excepções. Por um lado, deve entender-se que é de natureza administrativa ou pública a responsabilidade do concessionário sempre que os prejuízos que lhe são imputados decorram do exercício de poderes de direito público em que esteja investido (...). Na verdade, está aí em causa uma responsabilidade derivada de actos de gestão pública, razão porque as acções destinadas a efectiva-la devem ser propostas nos tribunais administrativos» (Ibidem p.323.).

Há, desde modo, que distinguir os diferentes planos de abordagem: por um lado, a responsabilidade do concessionário perante terceiros, havendo aí que saber se o mesmo tem uma responsabilidade própria, ou se os actos que lhe sejam imputados acarretam igualmente a responsabilidade do concedente, e, caso afirmativo, em que termos ocorre essa responsabilização; por outro lado, nas situações em que se defenda a autonomia do concessionário face ao concedente, com a sujeição daquele a um regime de direito privado, há que separar os casos em que a responsabilidade do concessionário pelos actos de gestão levados a cabo ocorre no contexto do seu enquadramento como actos de gestão privada, das situações em que o concessionário, mesmo sendo um ente de direito privado, pratica actos enformados pelo direito administrativo, que para este efeito são actos de gestão pública, o que acarreta a sua inserção na competência da jurisdição administrativa.

A natureza privada do concessionário e a regra de que a sua actuação ocorre nos quadros da gestão privada, não acarreta a natureza privada de todos os actos que lhe sejam imputáveis praticados no âmbito da concessão. Essa actividade, ao lado de actos de natureza privada, comporta actos enformados pelo direito administrativo decorrentes do uso dos poderes de natureza pública que sejam exercidos.

São estes últimos os actos que a alínea i) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF veio a integrar na jurisdição administrativa, dispositivo que só assumiu a sua plenitude com a publicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, nomeadamente com o n.º 5 do seu artigo 1.º acima referido.

5 - Invocou-se igualmente naquela decisão do TAF de Braga como fundamento do decidido o acórdão deste Tribunal de Conflitos de 5 de Março de 2013, proferido no processo n.° 09/12, do qual foi extraído o seguinte sumário:

«I – A resolução dos litígios sobre a execução dos contratos apenas é da competência dos Tribunais Administrativos quando se verifique alguma das seguintes condições: (i) contratos a respeito dos quais exista lei especial que os submeta ou admita a sua sujeição a um regime pré-contratual de direito público. (ii) O objecto do contrato possa ser objecto de acto administrativo. (iii) o regime substantivo das relações entre as partes seja total ou parcialmente regulado por normas de direito público. (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes o tenham expressamente submetido a um regime de direito público.
II – Os Tribunais Administrativos são competentes para julgar as acções para efectivar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas de direito privado quando lhes for aplicável o regime específico da responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos (art. 4º, 1) do ETAF).
III – O Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro) é aplicável às pessoas colectivas de direito privado “... por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que estejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (art. 5º, n.º 1 da referida Lei 67/2007, de 31 de Dezembro).»

Neste caso era invocada como fundamento de responsabilidade civil a resolução de um contrato de prestação de serviços de um advogado, vindo o Tribunal a decidir que a acção em causa devia ser da competência dos tribunais judiciais.
Referiu-se naquele aresto como fundamento do decidido que «no presente caso, a rescisão do contrato de prestação de serviços não foi feita ao abrigo de qualquer prerrogativa de autoridade, nem sob a invocação de normas ou princípios de direito administrativo, e, portanto, não aplicável o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas» pelo que «sendo assim, a jurisdição para decidir a pretensão em causa, como vimos no ponto anterior e por falta de atribuição aos Tribunais Administrativos, cabe aos Tribunais Judiciais».

6 – O contrato de concessão definido no artigo 407.º do Código dos Contratos Públicos, nos seguintes termos:


«Artigo 407.º

Noção


1 - Entende-se por concessão de obras públicas o contrato pelo qual o co-contratante se obriga à execução ou à concepção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respectiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço.

2 - Entende-se por concessão de serviços públicos o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma actividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, directamente, pelo contraente público.

3 - São partes nos contratos referidos nos números anteriores o concedente e o concessionário.»

No presente processo está em causa a concessão de obras públicas, decorrendo do n.º 2 deste artigo que enquanto o concessionário «se obriga à conceção e execução de obras públicas», o concedente lhe garante o direito à exploração da obra durante um determinado período de tempo.

É essencial ao contrato de concessão de obras públicas que a Administração reconheça a um particular o direito de construir uma obra pública e, depois de construída, de a manter ao serviço do público durante um período de tempo, auferindo, como contrapartida, o valor das portagens que os utentes pagam pela respectiva utilização, ou outra compensação que seja acordada.

Nas palavras do artigo do CCP acima citado, «o co-contratante obriga[-se] à execução ou à concepção e execução de obras públicas, adquirindo em contrapartida o direito de proceder, durante um determinado período, à respectiva exploração, e, se assim estipulado, o direito ao pagamento de um preço», sendo-lhe reconhecido o complexo de direitos discriminados no artigo 415.º do mesmo Código, do seguinte teor:


«Artigo 415.º

Direitos do concessionário


Constituem direitos do concessionário:
a) Explorar, em regime de exclusivo, a obra pública ou o serviço público concedidos;
b) Receber a retribuição prevista no contrato;
e) Utilizar, nos termos da lei e do contrato, os bens do domínio público necessários ao desenvolvimento das actividades concedidas;
d) Quaisquer outros previstos na lei ou no contrato.»

A manutenção da obra ao serviço do público implica para o contratante privado um complexo de deveres, entre os quais se destaca o de garantir a segurança e normalidade de fluência do trânsito.
É neste contexto que o n.º 2 do artigo 409.º do Código dos Contratos Públicos, prevê que «mediante estipulação contratual, o concessionário pode exercer os seguintes poderes e prerrogativas de autoridade: b) Utilização, protecção e gestão das infra- estruturas afectas ao serviço público».
É no incumprimento destes poderes-deveres que permitem a realização dos objectivos que estão subjacentes à concessão, concretamente a disponibilização e utilização pelo público de uma obra, que o Autor, tal como decorre da petição inicial, fundamenta o seu direito à indemnização.

7 - No caso dos autos, o contrato de concessão integrou as Bases aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 248-A/89, de 6 de Julho, que no seu artigo 1.º refere que são aprovadas as bases da «concessão, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de auto-estrada», dando uma visão global da multiplicidade de matérias que integram o contrato.
Assim, resulta do n.º 1 da Base XLIV que «a concessionária deverá manter as Auto-Estradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam».
Do mesmo modo, resulta do n.º 2 da Base LVII que a «concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade a circulação na Auto-Estrada».
Por outro lado, decorre do n.º 1 da Base LVIII que «a concessionária é obrigada a assegurar a assistência aos utentes das Auto-Estradas, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção do acidente».
Finalmente, decorre da Base LXXIII que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito».

É o incumprimento destes deveres que oneram a concessionária nos termos do contrato de concessão que constitui o fundamento do pedido de indemnização formulado pelo Autor nesta acção, tal como vimos.
Trata-se de deveres que emergem de um contrato público e que enquadram o exercício das actividades da concessionária no que se refere à conservação e exploração da Auto-estrada, poderes estes que a concessionária recebeu da autoridade pública e que são, na sua essência, poderes públicos.
Na verdade, a manutenção e a conservação das auto-estradas, bem como a garantia da segurança dos utentes das mesmas fazem parte do complexo de matérias que nas nossas sociedades são essenciais à vida colectiva e que, por tal motivo, são enquadradas pelo Estado de forma a garantir a realização daqueles valores colectivos. Deste modo, as actividades prosseguidas pela Ré relativas à garantia da segurança da Auto-estrada são enquadradas por normas e princípios de direito administrativo e devem considerar-se como actividades de gestão pública.

Incumbe, pois, à jurisdição administrativa o conhecimento dos litígios decorrentes das mesmas actividades, nos termos das disposições conjugadas do artigo 4.º, alínea i) do ETAF e n.º 5 do artigo 1.º do Regime da Responsabilidade Civil, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

IV

Em face do exposto, acorda-se em julgar competente para conhecer da acção em causa a Jurisdição Administrativa.

Sem custas.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 7 de Maio de 2015. – António Leones Dantas (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Manuel Fernando Granja Rodrigues da Fonseca – José Augusto Araújo Veloso – Ana Paula Lopes Martins Boularot – José Francisco Fonseca da Paz.