Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:015/22
Data do Acordão:11/08/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30167
Nº do Documento:SAC20221108015
Data de Entrada:05/05/2022
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE VIANA DO CASTELO, VIANA DO CASTELO — INST. CENTRAL — SEC. TRABALHO — JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA U02
AUTOR: A…………, LDA
RÉU: INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. CENTRO DISTRITAL DE VIANA DO CASTELO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 15/22-70

Acordam no Tribunal dos Conflitos

Relatório
A…………, LDA, devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão do Director da Segurança Social, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nº 201600015886 e Apensos, que lhe aplicou uma coima no montante de 20.625,00 € e custas no valor de 25,00 €, pela não inclusão na declaração à Segurança Social de remunerações de trabalhadores, contra-ordenação prevista e punida pelos n.ºs 1 e 5, do artigo 40.º, pelo artigo 233.º e pela alínea b), do artigo 243.º, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
A impugnação judicial foi enviada ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viana do Castelo e remetida à distribuição em 12.12.2016.
Por decisão proferida em 16.12.2016, o Tribunal da Comarca de Viana do Castelo, Instância Central - Secção de Trabalho – J 1, por considerar estar em causa uma questão respeitante à relação contributiva, declarou-se incompetente em razão da matéria considerando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Braga.
Naquele Tribunal, o Instituto da Segurança Social, I.P. notificado, nos termos e para os efeitos do n.º 2, do artigo 81.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, suscitou a incompetência material do Tribunal.
O TAF de Braga, por decisão de 01.07.2021, concluiu “ser este Tribunal Tributário, integrado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, materialmente incompetente para dirimir o presente litígio” por ser do tribunal de trabalho a competência para conhecer do recurso judicial da decisão de aplicação da coima em matéria de segurança social.
Transitadas ambas as decisões, foi suscitada oficiosamente a resolução do conflito negativo de jurisdição e remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência material deverá ser atribuída ao Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Instância Central, Secção de Trabalho, Juiz 1.

Apreciação da questão
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Instância Central - Secção de Trabalho - J1 e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Entendeu o Tribunal Judicial de Viana do Castelo que " (…) esta impugnação refere-se a aplicação de uma coima única pela prática de contra-ordenações previstas e punidas pelo artº 40, nº 1 e 5, artº 233, e artº 243, b), do CRC, aprovado pela Lei 110/2009, de 16/9.
Esta infracção consiste na não indicação de um trabalhador nas folhas de remuneração para efeitos de incidência da Taxa Social Única - infracção esta que aquele próprio normativo considera como contra-ordenação relativa à relação jurídica contributiva.
Como é sabido, a natureza jurídica das contribuições para a Segurança Social, devidas pelas entidades patronais, tem sido uniformemente qualificada na jurisprudência administrativa e fiscal, como sendo tributária.
(…) Nesta medida, dúvidas não restam que a questão que se suscita nestes autos é de natureza fiscal, prendendo-se com a delimitação da base de incidência da Taxa Social Única.
Ora dispõe o artº 49º do ETAF, sob a epígrafe "Competência dos tribunais tributários"; "1 - Compete aos tribunais tributários conhecer b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;"
Tratando-se, como se trata nestes autos, da impugnação judicial nos termos dos artºs. 31, nº. 2 a), e 32, nº 3, do DL. 64/89, de 25/2, da aplicação de uma coima em matéria claramente fiscal, não parecem restar dúvidas que a jurisdição competente é a jurisdição tributária.
É certo que a LOFT estabelece que é da competência dos tribunais de trabalho o julgamento das contra-ordenações nos domínios laboral e da segurança social.
Simplesmente, isto não significa que os tribunais de trabalho sejam competentes para julgar toda e qualquer contra-ordenação com origem na segurança social mas apenas aquelas que tenham natureza laboral, ficando desde logo excluídas as matérias de natureza fiscal, como vimos.
Assim, os tribunais de trabalho apenas serão competentes no domínio da segurança social no que diz respeito às contra-ordenações relativas à concessão de prestações, à cumulação ilícita de subsídios, falta de entrega de declarações e falta de apresentação de documentação – artºs. 6º, 8º,9º, 10º, 11º, 12º e 13º do citado DL. 64/89.
Já serão da competência dos tribunais tributários as contra-ordenações relativas à relação jurídica contributiva – artº 7 do citado DL.
Aliás, a entender-se de outro modo, criar-se-ia uma situação de contradição no sistema manifestamente inadmissível, pois que caberia aos tribunais tributários - e isso ninguém põe em causa - a apreciação das impugnações de liquidação da Taxa Social Única, mas já não lhe caberia a apreciação das coimas aplicadas nessa mesma matéria."
Por sua vez, o TAF de Braga ponderou: “A alegada infracção consubstancia contra-ordenação praticada no âmbito do sistema da Segurança Social, cujo regime, nos termos da alínea d), do artigo 1º do RGIT, "consta de legislação especial".
De acordo com o disposto no artigo 247º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, "[E]m matéria de processo e de procedimento, às contra-ordenações previstas no presente Código aplica-se o disposto em legislação especifica (...)", a qual consta da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social. E, estabelece essa Lei, no que respeita à impugnação judicial da decisão administrativa da aplicação da coima, no n.º 1, do seu artigo 33º que "'[A] impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente (...) ".
Por seu lado, o n.º 2, do artigo 126º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, prevê que "[C]ompete ainda aos juízos do trabalho julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contra-ordenação nos domínios laboral e da segurança social".
Ora, a questão aqui em apreço foi já tratada pelo Tribunal dos Conflitos, no Acórdão proferido em 06.12.2018, no processo n.º 032/18 (…) Os argumentos expendidos no citado Acórdão são aplicáveis na íntegra aos presentes autos, aderindo o Tribunal ao conteúdo do mesmo, pelo que importa concluir que a competência para conhecer do recurso judicial da decisão de aplicação da coima em matéria de segurança social é do tribunal de trabalho (cf. n.º 1, do artigo 33º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e da segurança social, e n.º 2, do artigo 126º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário) ”.
A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial respeitante à aplicação de uma coima pela prática de uma contra-ordenação por omissão na declaração à Segurança Social de remunerações de trabalhadores, prevista e punida pelos n.ºs 1 e 5, do artigo 40.º, pelo artigo 233.º e pela alínea b), do artigo 243.º, todos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro.
Nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do CRCSPSS, “as entidades contribuintes são obrigadas a declarar à segurança social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, os tempos de trabalho que lhe corresponde e a taxa contributiva aplicável”, constituindo contra-ordenação muito grave a não inclusão de trabalhador na declaração de remunerações (n.º 5).
Ora, o artigo 1.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que aprovou Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), determina que “O regime das contra-ordenações contra a segurança social consta de legislação especial” e o artigo 1.º do RGIT (âmbito de aplicação) estabelece que: “o Regime Geral das Infracções Tributárias aplica-se às infracções das normas reguladoras: (…) d) Das contribuições e prestações relativas ao sistema de solidariedade e segurança social, sem prejuízo do regime das contra-ordenações que consta de legislação especial”. Também o artigo 247.º do CRCSPSS preceitua que “Em matéria de processo e de procedimento, às contra-ordenações previstas no presente Código aplica-se o disposto em legislação específica (…)
Essa legislação específica é o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (que revogou grande parte do Decreto-Lei n.º 64/89, de 25 de Fevereiro) e que no n.º 1 do artigo 33.º dispõe que “A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir”.
Igualmente estipula o n.º 2 do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, que “Compete ainda aos juízos do trabalho julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social”.
Deste modo, não estando em causa nos presentes autos qualquer litígio respeitante a contribuições e prestações relativas ao sistema de solidariedade e segurança social mas antes uma contra-ordenação por incumprimento da obrigação de declaração de remunerações de trabalhadores sujeitos ao sistema de segurança social, a competência em razão da matéria para a sua apreciação está expressamente atribuída pela lei à jurisdição comum, concretamente aos Juízos do Trabalho (cfr. no mesmo sentido os Acórdãos dos Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 010/18 e de 06.12.2018, Proc. 032/18 e o Acórdão do STA de 27.09.2017, Proc. 0706/17).

Pelo exposto, acordam em julgar competente em razão da matéria a jurisdição comum, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Instância Central - Secção de Trabalho - J1.
Sem custas.
D.n.

Lisboa, 8 de Novembro de 2022. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.