Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016/15
Data do Acordão:10/22/2015
Tribunal:CONFLITOS
Relator:ORLANDO AFONSO
Sumário:I - A entidade privada concessionária de uma auto-estrada - para construção, exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego -, por via do contrato de concessão celebrado, colabora com a Administração na execução de tarefas administrativas que são próprias do Estado e cuja natureza pública administrativa não se perde com a concessão, pois que a mesma se mantém regulada e fiscalizada à luz de normas jurídicas administrativas inscritas no próprio contrato
II - A jurisdição administrativa é competente para apreciar e julgar uma acção onde se pede a condenação de uma entidade privada, concessionária de uma auto-estrada, fundada em responsabilidade civil extracontratual desta, emergente de acidente de viação/embate do veículo automóvel numa panela de escape existente na via por onde circulava, em virtude de omissão dos deveres de vigilância e de segurança a que, na qualidade de concessionária, se encontrava adstrita.
Nº Convencional:JSTA000P19577
Nº do Documento:SAC20151022016
Data de Entrada:04/27/2015
Recorrente:A..... - SUCURSAL EM PORTUGAL, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA - INSTÂNCIA LOCAL DE ESPOSENDE, SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA, J2 E O TAF DE BRAGA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal dos Conflitos:

A) Relatório:

A…….. - Sucursal em Portugal instaurou contra B………, S.A., a presente acção administrativa comum, de condenação, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 1 187, 95, relativa às despesas com o sinistro, acrescida dos juros de mora a esta referentes, à taxa legal de 4%, a contar desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, que se dedica à actividade seguradora e que, no exercício da mesma, celebrou contrato de seguro com C……. Lda., a 01-04-2013, através do qual esta declarou transferir para a autora a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo automóvel de matrícula ……-BO-...., sendo que, no dia 29-05-2013, pelas 10h30, o BO, conduzido por D…….., circulava na Auto-estrada 28, sentido norte/sul (com duas faixas para cada sentido de marcha), na via da esquerda e ao chegar ao km 42, 400 foi embater, passando por cima, de uma panela de escape, objecto que se encontrava no meio da faixa de rodagem, da qual não houve tempo para se desviar, em consequência do que o veículo sofreu danos, essencialmente na parte inferior, no cárter, na chapa, entre outros, vindo a ser reparado, no valor, suportado pelo tomador do seguro, de € 1 078, 63 e tendo a autora, por força do contrato de seguro, regularizado as despesas decorrentes do sinistro, no montante total de € 1 187, 95, valor cujo pagamento tem o direito de exigir da ré, porque ficou sub-rogada nos direitos do segurado e visto que nos termos do art.12.º da Lei n.º 24/2007, de 18-07, se presume a existência de culpa da concessionária, aqui ré, no cumprimento das obrigações de segurança, presunção que lhe incumbe ilidir.
A ré contestou e impugnou a factualidade referente à dinâmica do acidente, bem como às consequências do mesmo. Confirmou ser concessionária da A28, concessão que foi atribuída e está regulada pelo DL n.º 234/2001, de 28 de Agosto. Denegou a responsabilidade que lhe é imputada pelo acidente em causa, porquanto observou todos os deveres de cuidado, diligência e vigilância a que está adstrita, visto que procede a patrulhamentos diários da via concessionada, utilizando, para o efeito, viaturas que circulam permanente e ininterruptamente durante as vinte e quatro horas, a uma velocidade moderada entre os 70/80 km/hora. Nos vários patrulhamentos efectuados antes do alegado evento danoso (nomeadamente, às 8h30) e abrangendo o local do mesmo, não foi detectada a presença de objectos na via, nomeadamente uma panela de escape, sendo que nada impedia o condutor do veículo BO de a avistar, justificando-se o embate apenas por manifesta distracção deste, aliada à circulação do veículo a uma velocidade superior a 120 km/hora.
Designada data para tentativa de conciliação, realizou-se esta sem que se tivesse logrado alcançar acordo, mantendo as partes, no essencial, as posições vertidas nos respectivos articulados.
Concluso o processo, veio a ser proferida sentença a declarar o Tribunal Administrativo de Braga incompetente em razão da matéria para conhecer do mérito da causa, e, consequentemente, a absolver o réu da instância -cf. folhas 144 a 151.
Notificada, a autora requereu a remessa dos autos ao tribunal competente para a apreciação da causa - cf. folhas 156.
Remetido o processo para a Instância Local de Esposende, Secção de Competência Genérica da Comarca de Braga - cf. folhas 173 -, onde, entretanto, foi distribuído ao Juiz 2, veio a Mmª. Juiz a declarar, igualmente, a incompetência material, absolvendo a ré da instância - cf. folhas 174 e 174 verso.
Tendo transitado aquela sentença em julgado, e aberto o conflito de jurisdição, foram os autos remetidos a este Tribunal de Conflitos para resolução do conflito - cf. folhas 175 e segs..
O Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de se atribuir a competência material aos tribunais administrativos e, em concreto, ao TAF de Braga - cf. folhas 187 a 190.

Tudo visto,

Cumpre decidir:

Os Factos

A factualidade relevante a considerar para dirimir este conflito de jurisdição é a que segue:
1. No dia 29-05-2013, pelas 10h30m, na Auto-estrada 28, sentido norte/sul (Viana do Castelo/Porto), km 42,400, circulava o veículo ligeiro de marca Renault, modelo Mégane, matrícula ……-BO-…….., propriedade de C………., Lda., conduzido por D……….
2. Ao referido quilómetro, o BO embateu numa panela de escape, objecto que se encontrava na via por onde circulava.
3. A ré é concessionária da A28.

B) O Direito

A questão que se coloca, nestes autos, é a de saber a que jurisdição deve ser deferida a competência para apreciar e julgar a responsabilidade civil extracontratual da ré emergente de acidente de viação/embate de veículo automóvel, segurado na autora, em objecto existente na via de circulação de auto-estrada concessionada à ré, pessoa colectiva de direito privado, em virtude de omissão, por parte desta, dos deveres de vigilância e de segurança a que, na qualidade de concessionária, se encontra adstrita.
Escudando-se na jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal dos Conflitos, n.º 28/13, de 18-12-2013, decidiu o tribunal administrativo - onde inicialmente a acção foi proposta - que, sendo a ré, uma pessoa colectiva de direito privado, está em causa a responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas por actos de gestão privada, sendo, por isso, forçoso concluir que a jurisdição administrativa é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do litígio, afastando a aplicação do disposto nos arts.4.º, n.º1, al. i), do ETAF e 1.º, n.º 5, da Lei n.º 67/2007, de 31-12.
Diversamente, o tribunal comum considerou que sempre que o litígio envolva uma entidade pública ou privada, mas em que relativamente à qual seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, num quadro de imputação à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais administrativos, atento, justamente, o disposto nos preceitos legais cuja aplicação foi afastada pela jurisdição administrativa.
Uma e outra decisão reflectem, em verdade e na proporção, o que tem sido a jurisprudência do Tribunal dos Conflitos sobre esta questão, a qual se perfila como esmagadoramente maioritária no sentido propugnado pela decisão do tribunal comum. E neste sentido - como também se elenca no douto parecer do Ministério Público - pode ver-se, a título de exemplo, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos proferidos nos processos n.ºs 48/2013, de 27-02-2014; 49/14, de 12-03-2015; 11/15 de 22-04-2015; 05/15, de 07-05-2015 e 10/15, de 07-05-2015.
O poder jurisdicional, no ordenamento jurídico português, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas suscitadas perante eles - arts.209.º e segs. da Constituição da República Portuguesa -, podendo, como tal, gerar-se conflitos de jurisdição.
Há conflito negativo de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, declinam, em decisões transitadas em julgado, o poder de conhecer da mesma questão - cf. art.109.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.
Os conflitos de jurisdição são resolvidos pelo Supremo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal dos Conflitos, conforme as situações, sendo o processo a seguir, no caso de a resolução caber ao último, regulado pela respectiva legislação.
A circunscrição das jurisdições, correspondentes aos tribunais judiciais, por um lado, e aos tribunais administrativos e fiscais, por outro lado, implica a apreciação das concernentes áreas de competência, constituindo um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão (ou questões) de mérito, aferindo-se pela forma como o autor configura a acção, e definindo-se pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes.
Para esse fim, atender-se-á aos termos em que foi proposta a acção, seja quanto aos seus elementos objectivos - natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto de onde teria resultado esse direito, etc. - seja quanto aos seus elementos subjectivos - identidade das partes.
Por isso, na determinação da competência material do tribunal, tal como na decisão das excepções dilatórias de natureza processual, a respectiva resolução é efectuada perante a petição ou requerimento inicial, sopesando quer a pretensão formulada ou a medida jurisdicional requerida, quer a relação jurídica ou situação factual descrita nessa peça processual.
O art.212.º, n.º 3, da CRP estatui que: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Por seu turno, segundo o art.211.º, n.º1, da CRP: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.”
Consagra-se, na última parte deste preceito constitucional, o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns, reflectido nos arts.64.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, e 26.º, n.º 1, da LOFTJ - Lei nº 52/2008 de 28-08.
Da leitura do art.212.º, n.º3, da CRP, resulta que estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n.º 3, in fine), qualificação esta que transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal.
Verificando a data da instauração da acção - 12-03-2014 - há que ter em atenção o regime vertido no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, com as alterações introduzidas pelas Declarações de Rectificação ns.14/2002, de 20-03 e 18/2002, de 12-04, pelas Leis ns.4-A/2003, de 19-02, 107-D/2003, de 31-12, 1/2008, de 14-01, 2/2008, de 14-01, 26/2008, de 27-06, 52/2008, de 28-08, 59/2008, de 11-09, pelo DL n.º 166/2009, de 31-07, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, e pela Lei n.º 20/2012, de 14-05.
Sob a epígrafe “Jurisdição administrativa e fiscal”, estabelece o art. 1.º, n.º 1, do ETAF, que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Como se assinalou antes, a competência dos tribunais administrativos reconduz-se à questão de saber o que deve entender-se por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Jónatas Machado salienta que “a doutrina entende que devem ser consideradas relações jurídico-administrativas as relações interpessoais e inter administrativas em que de um dos lados da relação se encontre uma entidade pública, ou uma entidade privada dotada de prerrogativas de autoridade pública, tendo como objecto a prossecução do interesse público, de acordo com as normas de direito administrativo. Assim entendida, a relação jurídica administrativa pode desdobrar-se num complexo acervo de posições jurídicas substantivas e procedimentais, favoráveis e desfavoráveis, activas e passivas” (“Breves Considerações em torno do âmbito da Justiça Administrativa”, in “A Reforma da Justiça Administrativa”, págs. 80 e 93).
Por sua vez, o art. 4º do actual ETAF define o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos (e fiscais), adoptando “um critério misto para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, mediante o recurso a uma cláusula geral e a uma enumeração especificada, positiva e negativa, o que é, em si mesmo, uma rotura com o sistema adoptado até então, em que uma cláusula geral era acompanhada de uma enumeração puramente negativa”.
Estatui esse preceito legal, no segmento que nos interessa, que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: (...) i) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.
Por seu turno, o art.1.º, n.º5, da Lei 67/2007, de 31-12 (diploma que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) preceitua que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Carlos Alberto Cadilha (in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, pág. 49) afirma:
“...tal como de resto sucede em relação a órgãos e serviços que integram a Administração Pública, o regime da responsabilidade administrativa é apenas aplicado no que se refere às acções ou omissões em que essas entidades tenham intervindo investidas de poderes de autoridade ou segundo um regime de direito administrativo, ficando excluídos os actos de gestão privada e, assim, todas as situações em que tenham agido no âmbito do seu estrito estatuto de pessoas colectivas privadas”
Nos termos deste preceito legal, o regime decorrente da Lei n.º 67/2007 aplica-se à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado por acções ou omissões que: (i) adoptem no exercício de prerrogativas de poder público; ou (ii) sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo.
No caso, a ré é uma entidade privada concessionária, que, por via do contrato de concessão reflectido no Decreto-Lei n.º 234/2001, de 28-08, ficou incumbida de colaborar com a Administração na execução de tarefas administrativas, tendo a sua actividade regulada e sujeita a disposições e princípios de direito administrativo.
A construção de uma auto-estrada, a sua exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego, são tarefas próprias da administração do Estado, não significando que a respectiva concessão a uma entidade privada determine a perda da sua natureza pública administrativa, pois que a mesma se mantém regulada e fiscalizada à luz de normas jurídicas de administrativas inscritas no próprio contrato.
Assim, no referido DL n.º 234/2001, estabelece-se o seguinte:
- na Base II que: «A concessão tem por objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, em regime de Portagem SCUT e aumento de número de vias dos seguintes Lanços de Auto-Estrada: (...)»;
- na Base III que: «A Concessão é de obra pública e é estabelecida em regime de exclusivo relativamente à Auto-Estrada que integra o seu objecto»;
- na Base IV que «A Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento, nos termos previstos nas presentes bases e no Contrato de Concessão»;
- na Base VIII que «A Concessionária obriga-se a manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança, a expensas suas, os bens que integram e que estão afectos à Concessão, durante a vigência do Contrato de Concessão, efectuando para tanto as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço público»;
- na Base IX que «A Auto-Estrada integra o domínio público do Concedente»;
- na Base XLV que «Constitui estrita obrigação da Concessionária a manutenção em funcionamento ininterrupto e permanente dos Lanços, após a sua abertura ao tráfego, em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, em tudo devendo diligenciar para que os mesmos satisfaçam plenamente o fim a que se destinam»;
- na Base LIV que «A Concessionária é obrigada a assegurar assistência aos utentes da Auto-Estrada, nela se incluindo a vigilância das condições de circulação, nomeadamente no que respeita à sua fiscalização e à prevenção de acidentes».
Trata-se de normas inequivocamente reguladoras de uma actividade de cariz público, a desenvolver pela ré, no âmbito da concessão em causa.
Esta inferência não surte abalada com o previsto na Base LXXIII, a propósito da responsabilidade extracontratual da concessionária perante terceiros, ao estabelecer que esta «responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito».
A referência feita à “lei geral” deve significar que esta responsabilidade não vem regulada no contrato/bases de concessão, mas pelas normas gerais que regulam tal matéria, sem contudo se tomar posição sobre a sua natureza, administrativa ou comum, impondo-se, no caso, a sua densificação com o recurso à Lei n.º 67/2007, que no seu art.1.º n.º 5, prevê especificamente a responsabilidade em questão, e do mesmo passo, à Lei n.º 24/2007, de 18 de Julho, que, no seu art.12.º, veio impor à concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, desde que a causa do acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, diga respeito, nomeadamente, a objectos existentes nas faixas de rodagem (al. a), segunda parte).
Pretendendo a autora ser ressarcida, em exercício de direito de sub-rogação (art.592.º do CC) de quantia paga a título de indemnização por danos decorrentes da omissão culposa da ré de deveres de segurança e vigilância a que está adstrita na qualidade de concessionária da auto-estrada em questão, que, como tal, incorre em responsabilidade extracontratual, forçoso é concluir que a sua eventual responsabilização se insere no âmbito de aplicação do art. 1.º n.º5, da Lei 67/2007 e, consequentemente, serão os tribunais administrativos os competentes para conhecer da causa (art.º4.º n.º1 al. i), do ETAF).

Conclui-se, assim, que o litígio em debate é subsumível ao art.4.º, n.º 1, al. i), do ETAF, incumbindo ao foro administrativo a resolução da contenda, deferindo-se a competência material aos tribunais administrativos.

Resta sumariar:
I - A entidade privada concessionária de uma auto-estrada - para construção, exploração, manutenção, vigilância e segurança, nomeadamente do tráfego -, por via do contrato de concessão celebrado, colabora com a Administração na execução de tarefas administrativas que são próprias do Estado e cuja natureza pública administrativa não se perde com a concessão, pois que a mesma se mantém regulada e fiscalizada à luz de normas jurídicas administrativas inscritas no próprio contrato
II - A jurisdição administrativa é competente para apreciar e julgar uma acção onde se pede a condenação de uma entidade privada, concessionária de uma auto-estrada, fundada em responsabilidade civil extracontratual desta, emergente de acidente de viação/embate do veículo automóvel numa panela de escape existente na via por onde circulava, em virtude de omissão dos deveres de vigilância e de segurança a que, na qualidade de concessionária, se encontrava adstrita.

Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Tribunal dos Conflitos em resolver o conflito negativo de jurisdição, considerando que a mesma cabe aos Tribunais Administrativos e atribuindo ao TAF de Braga a competência material para os ulteriores termos da acção.
Sem custas (ex vi do art.96.º do Decreto n.º 19243, de 16-01-1931).

Lisboa, 22 de Outubro de 2015. - Orlando Viegas Martins Afonso (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes - Isabel Celeste Alves Pais Martins - José Francisco Fonseca da Paz - Manuel Joaquim Braz - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.