Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:037/16
Data do Acordão:04/27/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PRÉ-CONFLITO
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES
EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I – A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária.
II – Reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS, ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, para cuja apreciação são competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF.
III – Estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007, de 16/1 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, o disposto no art.º 60.º dessa Lei e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, de 9/2, pelo que será através do processo de execução fiscal nos mesmos termos que são estabelecidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.
Nº Convencional:JSTA000P21752
Nº do Documento:SAC20170427037
Data de Entrada:11/07/2016
Recorrente:CAIXA GERAL DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DO PORTO, PORTO, INSTÂNCIA CENTRAL, 1ª SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J3 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DE CONFLITOS:

1. A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS) intentou, na 1ª. Secção de Execução da Instância Central da Comarca do Porto, contra A……………, advogado, acção executiva para cobrar deste a quantia de € 46.065,10, acrescida dos juros moratórios vincendos sobre o valor das contribuições em dívida, apresentando como título executivo a certidão de dívida emitida pela Direcção daquela Caixa.
O tribunal indeferiu liminarmente o requerimento executivo, com fundamento na verificação da excepção da incompetência em razão da matéria, por entender que era ao tribunal administrativo/tributário que cabia a competência para tramitar o processo.
Desta decisão, a exequente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 20/6/2016, negou-lhe provimento, confirmando o despacho recorrido.
A CPAS, ao abrigo do art.º 101.º, n.º 2, do CPC, interpôs então recurso para este Tribunal de Conflitos, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
“1.ª Vem o presente recurso para o Tribunal dos Conflitos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a decisão de primeira instância que indeferiu liminarmente a presente acção executiva, pelo facto de ter julgado o tribunal judicial como materialmente incompetente para a decisão e tramitação deste processo executivo.
2.ª O presente recurso é interposto nos termos do disposto no art.º 101.º, n.º 2, do CPC, uma vez que, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado incompetente o tribunal judicial para dirimir e tramitar a presente acção executiva, pelo de a mesma «pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal de Conflitos».
3.ª O tribunal competente em razão da matéria, para julgar e tramitar a acção executiva proposta pela CPAS para cobrar as contribuições devidas pelo Beneficiário A………….. é o tribunal da comarca do Porto – Porto – Inst. Central – 1.ª Secção de Execução – J3, pelo que a decisão do Tribunal da Relação do Porto deveria ter sido outra.
4.ª Julgando o tribunal judicial como materialmente competente, porquanto a decisão não tomou em conta as particularidades da natureza e regime jurídico da própria CPAS.
5.ª Por outro lado, o acórdão recorrido, não levou em devida conta a comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em que esta entidade se mostrou indisponível para propor os processos executivos para cobrança das contribuições em dívida à CPAS, por falta de norma habilitante para o efeito.
6.ª A CPAS, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística. Com efeito,
7.ª A CPAS «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. art.º 1.º, n.º 1, do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in “Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva”).
8.ª A CPAS não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. art.º 97.º do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6), sendo essa tutela meramente inspectiva.
9.ª A CPAS não faz parte da administração directa ou indirecta do Estado.
10.ª Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos advogados e dos associados da Câmara dos Solicitadores».
11.ª Mas além disso, a CPAS não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
11.ª Pelo que a CPAS não deve ser qualificada como uma “mera pessoa colectiva de direito público”, mas antes como uma entidade (“sui generis”) de natureza mista.
12.ª Por outro lado, as contribuições para a CPAS não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.
13.ª De facto as contribuições para a CPAS assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.
14.ª A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.º 80.º, n.º 4, do regulamento aprovado pelo DL n.º 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
15.ª O que não sucede com as quotizações dos trabalhadores (por conta de outrem e por conta própria) para a Segurança Social que estão directamente dependentes da remuneração auferida e rendimento obtido.
16.ª Nos termos do acórdão recorrido, os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação da presente acção.
17.ª Todavia, o n.º 2 do art.º 148.º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso do processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
18.ª No novo regulamento da CPAS, aprovado pelo DL n.º 119/2015, de 29/6, não existe norma que de forma expressa, determine que as dívidas à CPAS sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças.
19.ª O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da CPAS, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da CPAS.
20.ª Ora, o acórdão recorrido não se demoveu perante a impossibilidade prática enfrentada pela CPAS para cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
21.ª Com efeito, não obstante o Tribunal da Relação do Porto ter reconhecido a dificuldade da CPAS para cobrar as dívidas de contribuições, na impossibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira o realizar em sede de execução fiscal, considerou que essa dificuldades «embora dignas de atenção e pronta satisfação, não constituem, no presente caso, argumento suficiente para os tribunais comuns aceitarem executar tal tipo de dívida».
22.ª Ora, a solução apontada pelo acórdão recorrido, para suprir a indisponibilidade da AT para efectuar as cobranças das contribuições em dívida à CPAS, não pode merecer acolhimento.
23.ª Pois, no entendimento do Tribunal da Relação do Porto, a CPAS para cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários deveria intentar, nos tribunais administrativos e fiscais, as acções administrativas onde iria discutir a referida dívida.
24.ª Constatando o tribunal administrativo e fiscal a existência da dívida, poderia a CPAS de seguida, intentar no mesmo tribunal administrativo e fiscal, a competente acção executiva.
25.ª Ora, salvo o devido respeito, a CPAS não pode concordar com tal solução.
26.ª Pois a CPAS não vai intentar acções administrativas para discutir com os seus beneficiários a existência de dívida para, dessa forma, obter uma sentença para executar quando, nos termos do disposto no art.º 81.º, n.º 5, do seu Regulamento (aprovado pelo DL n.º 119/2015), as certidões de dívida de contribuições, emitidas pela sua Direcção, são já título executivo.
27.ª É que a propositura da acção administrativa com vista a obter uma sentença para executar, seria um acto inútil, prática esta que está processualmente vedada às partes.
28.ª Mas, além disso, quando esteja em causa o pagamento de quantias a entidades de direito público (natureza que na, óptica do acórdão recorrido, a CPAS tem) segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, «o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário» (cf. art.º 179.º, n.º 1 do novo CPA).
29.ª Todavia, no processo administrativo não existe uma forma de “processo de execução para pagamento de quantia certa”, com excepção da prevista nos artºs. 170.º a 172.º do CPTA, mas esta só ao alcance dos particulares.
30.ª Sendo, por isso, as quantias devidas a entidades públicas cobradas em sede de execução fiscal o que, no presente caso, se mostra impossível de concretizar em face da posição transmitida à CPAS pela própria AT – Autoridade Tributária e Aduaneira.
31.ª E porque “não há direito sem acção”, não resta à CPAS outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
32.ª Pois, além do mais, nos termos do disposto no art.º 64.º do CPC, «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
33.ª O que corresponderia ao não cumprimento do preceito constitucional, constante do art.º 20.º, n.º 1 da CRP, que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…».
34.ª O acórdão recorrido violou o art.º 179.º, n.º 1 e 2 do NCPA e o art.º 148.º, n.º 2 do CPPT; além disso, violou igualmente o art.º 20.º, n.º 1 da CRP”.
Não houve contra-alegações.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, onde concluiu que se deveria negar provimento ao recurso, por a competência para o julgamento da acção executiva em questão caber à jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF.

2. A execução em causa nos autos tem, como título executivo, a certidão prevista no art.º 81.º, n.º 5, do Regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, emitida por essa Caixa em virtude de o executado não lhe ter pago as contribuições a que estava obrigado.
O acórdão recorrido, após qualificar a CPAS como instituição de previdência e pessoa colectiva de direito público e de citar vários acórdãos do STA que não colocavam em dúvida a sua competência para dirimir os litígios entre aquela Caixa e os seus associados, referiu o seguinte:
“(…)
Ora, se os tribunais administrativos são materialmente competentes para conhecer e dirimir estes conflitos de interesses, então não podem deixar de ser competentes para dirimir todos os conflitos entre a CPAS e os seus associados, designadamente os casos, como o dos autos, em que se pretende cobrar coercivamente uma dívida composta por quotas vencidas e não pagas pelo associado.
Aliás, se o tribunal administrativo conhecer de um litígio em que se discuta se um associado deve certas quotas e decidir que são devidas, a sentença que condenar o associado a pagar a dívida há-de ser executada, no caso de não haver pagamento voluntário, na jurisdição a que pertence o tribunal que a proferiu.
Com efeito, nos termos da al. n), do n.º 1, do art.º 4.º, da Lei n.º 13/2002, de 19/2 (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a «Execução das sentenças proferidas pela jurisdição administrativa e fiscal».
É certo que o recorrente se vê numa situação desconfortável, pois a Autoridade Tributária já lhe comunicou que não existia lei que autorizasse a execução fiscal de tal tipo de dívida.
(…)
Porém, as dificuldades do recorrente, embora dignas de atenção e pronta satisfação, não constituem, no presente caso, argumento suficiente para os tribunais comuns aceitarem executar tal tipo de dívida.
Com efeito, tendo-se concluído que a CPAS é uma pessoa colectiva de direito público, as relações que se estabelecem entre ela e os seus associados no âmbito do respectivo regulamento, o qual define os direitos e deveres recíprocos, implica que tais relações jurídicas assumam natureza administrativa e não privatística.
Por conseguinte, a competência para solucionar tal tipo de litígios recai nos tribunais administrativos e fiscais.
Ora, nos termos da al. o), do n.º 1, do art.º 4.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, já citado, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores».
Esta norma, dada a forma genérica como o seu conteúdo se encontra descrito, dá cobertura a qualquer falta de previsão expressa na lei sobre o tribunal competente para solucionar um litígio, desde que se trate de «relações jurídicas administrativas e fiscais».
As relações jurídicas estabelecidas entre a CPAS e os seus associados (como é o caso dos autos, pretendendo-se aqui cobrar coercivamente uma dívida composta por quotas vencidas e não pagas pelo réu), são relações de natureza administrativa e cabem na competência geral mencionada na referida al. o) do n.º 1 do art.º 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.
Vejamos se este entendimento é de manter.
A CPAS foi criada pelo DL n.º 36550, de 22/10/47, como instituição de previdência reconhecida pela Lei n.º 1884, de 16/3/35 e pertencente à categoria “caixas de reforma ou de previdência”.
A previdência social foi definida pela Base XXV, n.º 1, da Lei n.º 2115, de 18/6/62, como a actividade que, mediante o pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, se propunha conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou à saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares. De acordo com a Base III, n.º 3, desta lei de bases do sistema de previdência social, as caixas de reforma ou de previdência eram as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exerciam determinadas profissões, serviços ou actividades.
O art.º 63.º, n.º 1, da CRP, veio estabelecer que todos tinham direito à segurança social, sendo objectivo do sistema, nos termos do n.º 3 deste preceito, o de proteger os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou de diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Traduzindo-se a segurança social num direito a prestações pecuniárias destinadas a garantir as necessidades de subsistência, é manifesto que as instituições que se destinam a exercer a previdência – uma das componentes do sistema de segurança social – realizam uma função de segurança social.
A Lei n.º 28/84, de 14/8 (Lei de Bases do Sistema de Segurança Social), dispôs que as instituições de previdência seriam gradualmente integradas no sistema de segurança social e que as criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, de 31/12 (Lei Orgânica da Segurança Social), ficavam sujeitas, com as adaptações necessárias, àquela lei e à legislação dela decorrente (cf. artºs. 68.º e 79.º). De acordo com o seu art.º 46.º, n.º 2, a cobrança coerciva das contribuições para a segurança social seria feita através do processo de execução fiscal, cabendo aos respectivos tribunais a competência para conhecer das impugnações ou contestações suscitadas pelas entidades executadas.
A Lei n.º 17/2000, de 8/8, que revogou aquela Lei n.º 28/84, aprovando as bases gerais do sistema de solidariedade e de segurança social, manteve que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 e estabeleceu que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições era efectuado através de processo executivo e de secção de processos da segurança social (art.º 63.º, n.º 1) e que, enquanto não fosse legalmente definido o processo de execução previsto naquele art.º 63.º, n.º 1, a referida cobrança coerciva seria feita através do processo de execuções fiscais.
O DL n.º 42/2001, de 9/2, apenas pretendendo aplicar o disposto no CPPT ao sistema de solidariedade e segurança social, “dando continuidade ao trabalho já realizado, deixando para mais tarde e depois de algum tempo de prática a alteração do quadro legislativo em vigor” (cf. preâmbulo), criou as secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, estabelecendo, no seu art.º 2.º, o seguinte:
“1- O presente diploma aplica-se ao processo de execução de dívidas à segurança social.
2- Para efeitos do presente diploma, consideram-se dívidas à segurança social todas as dívidas contraídas perante as instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares e colectivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente as relativas a contribuições sociais, taxas, incluindo os adicionais, juros, reembolsos, reposições e restituições de prestações, subsídios e financiamentos de qualquer natureza, coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contra-ordenações, custas e outros encargos legais”.
A Lei n.º 32/2002, de 20/12, revogou a Lei n.º 17/2000, mas, tal como esta, estatuiu que, com as adaptações necessárias, a ela e à legislação dela decorrente ficavam sujeitas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77 (cf. art.º 126.º) e que a cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições seria efectuado através do processo executivo e da secção de processos da segurança social (cf. art.º 48.º).
Esta Lei foi revogada pela Lei de bases da segurança social actualmente em vigor (Lei n.º 4/2007, de 16/1), a qual estabeleceu que a estrutura orgânica do sistema compreendia os serviços que faziam parte da administração directa e da administração indirecta do Estado, que eram pessoas colectivas de direito público denominadas instituições de segurança social (cf. art.º 94.º). Quanto às quotizações e contribuições não pagas, como quaisquer outros montantes devidos, seriam objecto de cobrança coerciva nos termos gerais (cf. art.º 60.º). Relativamente às instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do DL n.º 549/77, estatuiu-se que se mantinham autónomas com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições dessa lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 106.º).
O novo regulamento da CPAS, publicado em anexo ao DL n.º 119/2015, de 29/6, ao estabelecer o regime específico de segurança social dos advogados e solicitadores, reafirmou que essa Caixa era uma instituição de previdência autónoma, visando fins de previdência e de protecção social, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa que se regia por esse regulamento e, subsidiariamente, pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações (cf. art.º 1.º), estando sujeita à tutela do Governo (cf. art.º 97.º) e gozando das isenções e regalias previstas na lei para as instituições de segurança social e previdência (cf. art.º 98.º). Relativamente às contribuições não pagas, o art.º 81.º, n.º 5, estatuiu que a certidão de dívida emitida pela direcção constituía título executivo, devendo obedecer aos requisitos previstos no Código do Procedimento e Processo Tributário.
Resulta do exposto que o pagamento forçado das contribuições para a segurança social, enquanto verdadeiras quotizações sociais que sendo imposições parafiscais apresentam grande semelhança com os impostos (cf. Ac. do T.Conflitos de 17/1/2008 – Conf. n.º 16/07) será feito através de processo de execução fiscal nas secções de processo executivo do sistema de solidariedade e segurança social, cabendo aos tribunais tributários neles exercer a actividade de natureza jurisdicional (cf. art.º 151.º, n.º 1, do CPPT).
Decorre ainda do que ficou referido, que a CPAS, tendo por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente, realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária. Com a sua criação foi, pois, instituído, para os advogados e solicitadores, um verdadeiro regime de segurança social, embora de natureza especial, que ainda perdura. Independentemente da sua qualificação como uma verdadeira instituição de segurança social, tanto a doutrina (cf. Freitas do Amaral in “Curso de Direito Administrativo”, 2012, págs. 370/371 e Mário Esteves de Oliveira in “Direito Administrativo”, Vol. I, 1984, pág. 213), como a jurisprudência deste Tribunal (cf. Ac. de 2/10/2008, proferido no Conflito n.º 010/08) tem entendido que se trata de uma pessoa colectiva pública. E, efectivamente, cremos que não pode deixar de assim ser qualificada, atendendo a que foi criada por acto normativo e iniciativa estadual, para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, na vertente da previdência, em benefício de um determinado universo delimitado funcionalmente, sendo dotada de prerrogativas de direito público, isto é, exorbitantes de direito privado.
Assim, no caso vertente, reportando-se o litígio à cobrança coerciva de contribuições não pagas por beneficiário da CPAS (pessoa colectiva de direito público), ele emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado, dado que nela a Caixa intervém no exercício de um poder de autoridade que lhe é conferido directamente pela lei sendo, em consequência, competentes os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos dos artºs. 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, al. o), ambos do ETAF. E estando em causa contribuições para um regime de segurança social, embora de natureza especial, são aqui aplicáveis, por força dos artºs. 106.º, da Lei n.º 4/2007 e 1.º, do regulamento anexo ao DL n.º 119/2015, o disposto no art.º 60.º, da Lei n.º 4/2007 e, com as necessárias adaptações, no DL n.º 42/2001, pelo que será através do processo de execução fiscal nos termos que ficaram referidos para a cobrança coerciva das dívidas à segurança social que o direito da CPAS terá de ser exercido.

3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, julgando competentes para a presente execução, nos termos que ficaram referidos, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.

Sem custas.

Lisboa, 27 de Abril de 2017. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Ernesto António Garcia Calejo – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Hélder João Martins Nogueira Roque – José Augusto Araújo Veloso – Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego.