Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:0722/07.5TCFUN-B.S1
Data do Acordão:02/15/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Cabe à Jurisdição Administrativa e Fiscal a competência para apreciar a impugnação do indeferimento de apoio judiciário que se destina a propor uma acção administrativa cujo objecto será a “clarificação da tendência jurisprudencial e doutrinária relativa ao artº 17°, do Decreto-Lei n° 496/80, de 20 de Outubro”.
Nº Convencional:JSTA000P29199
Nº do Documento:SAC202202150722
Recorrente:A.........
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL DA MADEIRA, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Tribunal dos Conflitos:

1. Em 14 de Maio de 2021, AA impugnou judicialmente a decisão do Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM de 30 de Abril de 2021, que indeferiu o seu pedido de apoio judiciário formulado em 9 de Fevereiro de 2021.
Alegou, em suma:
– que o objeto da ação a propor é: “consulta jurídica; (jurisprudência e doutrina), para clarificação da tendência jurisprudencial e doutrinária relativa ao artº 17°, do Decreto-Lei n° 496/80, de 20 de Outubro”;
– que lhe foram penhorados os subsídios de férias e de Natal, no âmbito do processo n.º 722/07.5TCFUN, e;
– que a ação a propor pode ser enquadrada como de violação de direitos, nos termos do artigo 49°, 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, ou como ação administrativa comum, nos termos do artigo 37°, n° 1, alínea f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Conclui peticionado que “seja alterada a douta decisão proferida, e se digne conceder o benefício de apoio judiciário para a propositura da citada acção, no modelo requerido”.
Em 21 de Maio de 2021, o Instituto de Segurança Social da Madeira pronunciou-se pela manutenção da decisão de indeferimento e, em 4 de Junho seguinte, remeteu a impugnação ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal.
Por decisão de 25 de Junho de 2021, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal julgou-se materialmente incompetente para conhecer da ação e ordenou a remessa dos autos ao Juízo de Execução do Funchal do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira.
Para assim decidir considerou, em síntese, que tendo o pedido de apoio judiciário sido formulado na pendência de uma ação que corre os seus termos num Tribunal Judicial (processo n.º 722/07.5TCFUN), a competência para o apreciar cabe ao tribunal dessa jurisdição, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
Remetidos os autos e distribuídos com o n.º 3483/21…, o Juiz 1 do Juízo de Execução do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, por despacho de 5 de Setembro de 2021, declarou-se incompetente e ordenou a remessa dos autos ao J2 do mesmo Juízo, para apensação ao processo n.º 722/07.5TCFUN.
Por decisão de 13 de Outubro de 2021, proferida no processo n.º 722/07.5TCFUN, o Juiz 2 do Juízo de Execução do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, julgou-se materialmente incompetente para tramitar e conhecer da impugnação judicial de indeferimento do pedido de apoio judiciário, atribuindo a competência para o efeito à jurisdição administrativa, uma vez que o requerente não formulou pedido de apoio judiciário para intervir naqueles autos de execução (onde, aliás, já beneficia de apoio judiciário), mas, antes, para instaurar “ação judicial ex novo”, destinada a debater a vigência do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 496/80, de 20 de Outubro: Ad limine, refira-se ser meridianamente claro que o requerente não formulou pedido de apoio judiciário para intervir na presente execução, desde logo porque já beneficia de apoio judiciário nesta acção, na dupla modalidade de dispensa de taxa de justiça e encargos do processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono (cf. referência ... dos autos principais).
Tal como refere o impugnante no requerimento que antecede” (resposta ao convite para clarificar/concretizar que tipo de acção autónoma pretende intentar e em que tribunal apresentará a mesma”) “e como já decorria da impugnação, a acção a propor prende-se com o disposto no artigo 17.º do DL n.º 496/80, de 20 de Outubro.
(…) e porque é ostensiva a incompetência material deste tribunal (repita-se: o requerente já beneficia de apoio judiciário neste processo), cumpre aferir qual o tribunal competente para conhecer da impugnação judicial.
Flui do artigo 28.º n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que: «É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.»
Como vem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, e em especial do Tribunal de Conflitos, a referência ao «tribunal da comarca» não deve ser entendida de modo restrito, pelo que o tribunal competente para conhecer da impugnação é precisamente aquele que for competente para o julgamento da acção em função da qual o apoio judiciário foi requerido. (Neste sentido, veja-se, entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25/10/2018 e de 20/12/2006, acessíveis em www.dgsi.pt.)
No caso vertente, o requerente aponta dois caminhos para a acção a propor: a via constitucional e a via administrativa.
A primeira afigura-se, porém, inviável, dado que o 49.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional – preceito expressamente invocado pelo requerente – alude à fiscalização abstracta da constitucionalidade ou legalidade, a qual apenas pode ser pedida pelas pessoas/órgãos/entidades expressamente previstas no artigo 281.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – e o impugnante não integra esse elenco.
Tomando como premissa a alegação do requerente, resta, pois, a acção administrativa comum, da competência dos tribunais administrativos e fiscais.
Existindo uma configuração mínima da acção que se pretende propor, é mister ter a mesma em conta para efeitos de fixação da competência, pelo que, a nosso ver, bem andou o ISSM ao remeter o processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal. (…)
Perante a alegação do próprio requerente, que declarou pretender intentar «acção administrativa comum», a competência para conhecer da impugnação judicial pertence à jurisdição administrativa e fiscal.”
Por despacho de 10 de Novembro de 2021, o Juiz 2 do Juízo de Execução do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, suscitou oficiosamente a resolução do conflito negativo de jurisdição junto do Tribunal dos Conflitos.

2. Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que se seguissem os termos previstos na Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos).
Notificadas para se pronunciar, as partes nada disseram.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atribuída competência para conhecer da presente acção ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal: “Desconhecendo-se, no caso em apreço, os contornos da ação que o requerente pretende propor, apenas se poderá atender ao que alegou no requerimento em que formulou o pedido de apoio judiciário.
“Parece decorrer dos números 1 e 2 do artigo 28.º da citada Lei n.º 34/2004 ser competente para conhecer da impugnação judicial o tribunal que o for para conhecer da ação em função da qual o apoio judiciário foi requerido, mesmo se ainda não pendente em Juízo. Esta tese vem sendo sustentada em inúmeros acórdãos do Tribunal de Conflitos (…)”.

3. Os factos relevantes constam do relatório.
Cumpre, assim, definir se a competência em razão da matéria para a apreciação da impugnação em causa caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa, questão que encontra resposta no já citado n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, acima transcrito, que cumpre interpretar.
Em anotação a este preceito, esclarece Salvador da Costa (O apoio judiciário, 10ª ed., Coimbra, 2021, págs. 98-99) que “A referência deste normativo ao tribunal de comarca coadunava-se com a lei orgânica dos tribunais que vigorava aquando da publicação do diploma ora em análise, uma vez que aquele tribunal constituía a unidade jurisdicional base nos tribunais da ordem judicial.
Actualmente, no âmbito da Lei de Organização do Sistema Judiciário de 2013, já assim não é (…).
É contra a natureza das coisas interpretar o segmento tribunal da comarca no sentido de que apenas se reporta ao tribunal judicial de 1.ª instância, dada a existência de outras ordens de tribunais, como é o caso, por exemplo, da ordem dos tribunais administrativos e tributários.
O sentido prevalente deste normativo – o tribunal de comarca – tendo em conta que o pedido de protecção jurídica é susceptível de estar instrumentalmente conexionado com determinada espécie processual da competência de tribunais da ordem judicial, da ordem administrativa e tributária, da ordem constitucional, da ordem financeira e da ordem dos julgados de paz, é o de que se reporta ao tribunal de 1.ª instância. (…)
Em suma, o tribunal judicial de 1ª instância não é competente para conhecer a referida impugnação na hipótese de o pedido de proteção jurídica haver sido formulado para as espécies processuais em geral da competência dos tribunais tributários, administrativos, de contas, do Tribunal Constitucional ou dos julgados de paz, a instaurar ou já instauradas.
Assim, nos referidos casos, é naqueles órgãos jurisdicionais que se inscreve a competência para o conhecimento da impugnação formulada pelos interessados das decisões de concessão ou não da proteção jurídica requerida”.
No mesmo sentido se pronunciou diversas vezes o Tribunal dos Conflitos. Apenas a título de exemplo, entendeu-se no acórdão de 14 de Junho de 2018, www.dgsi.pt, proc. nº 069/17, citado, nomeadamente, no recente acórdão de 29 de Setembro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 012/21: «Assim, ambas as decisões são concordantes quando consideram que o tribunal competente para conhecer da impugnação do despacho que cancelou a protecção jurídica que havia sido concedida à requerente é o que o for para o julgamento da acção em função da qual o apoio judiciário fora requerido, ainda que esta não esteja pendente em juízo.
E esta posição está, efectivamente, em consonância com a orientação adoptada por este Tribunal de Conflitos, como resulta do Ac. de 17/5/2007 – Conf. n.º 07/07 (cf. no mesmo sentido, entre outros, os Acs. de 20/6/2006 – Conf. n.º 013/06 e de 3/4/2008 – Conf. n.º 024/07), onde se pode ler:
“(…) O artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29/7/2004 refere que é competente para conhecer da impugnação o tribunal de comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que a acção se encontra pendente.
Este preceito deve, no entanto, ser interpretado tendo em conta, logo à partida, uma regra básica da realidade processual de que o acessório segue o principal.
Depois, há que ter em consideração que o incidente do apoio judiciário sempre foi um incidente do processo a que dizia respeito e que o legislador, quando determinou a competência das autoridades administrativas para a sua decisão numa primeira fase, agiu apenas com intuitos de aliviar os tribunais, nunca tendo pretensão de autonomização relativamente à causa principal. Mesmo, quando, no art.º 24.º, n.º 1 da mencionada lei, refere que o procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, quis apenas afastar uma realidade que vinha sendo comum de o pedido de apoio judiciário bloquear o andamento daquela causa principal. Basta lerem-se os demais números daquele artigo para assim se concluir.
Ademais, a vantagem em o incidente de recurso de denegação do apoio judiciário correr no tribunal onde se pretende intentar a acção é manifesta. Muitas vezes, elementos da própria acção são indiciadores de que os dados fornecidos relativamente a tal incidente não são verdadeiros. Sendo também na acção principal que surgem a maior parte dos dados que conduzem ou podem conduzir ao cancelamento ou caducidade do benefício (art.º 10.º e 11.º da citada lei).
Então, se em casos como o nosso, se atribuísse a jurisdição aos tribunais judiciais, ou o juiz do processo principal tinha que fornecer os dados ao juiz dos tribunais judiciais para ele decidir da extinção do benefício (ou do recurso dessa extinção) ou o juiz da causa principal passava a ter jurisdição para se intrometer na decisão que o colega da outra jurisdição tomara.
Qualquer das hipóteses é de repudiar. (…)”.
Nestes termos, competente para conhecer da aludida impugnação, será o tribunal judicial se o pedido de protecção jurídica se destinar à propositura de uma acção cível ou, pelo contrário, o tribunal administrativo se tiver sido feito com o fim de intentar uma acção administrativa.
Ora, desconhecendo-se, no caso em apreço, os contornos da acção que a requerente irá propor, apenas se pode atender ao que alegou no requerimento onde formulou o pedido de protecção jurídica, onde referiu que esta se destinava à propositura de uma acção cível.»

4. Torna-se pois necessário determinar se a acção que o requerente pretende propor será da competência dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais, uma vez que a competência para conhecer da presente impugnação depende de saber qual será a jurisdição a que caberá a respectiva apreciação.
No conjunto do sistema judiciário, os tribunais judiciais têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição, n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e artigo 64.º do Código de Processo Civil); a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Com efeito, os tribunais administrativos, “não obstante terem a competência limitada aos litígios que emerjam de «relações jurídicas administrativas», são os tribunais comuns em matéria administrativa, tendo «reserva de jurisdição nessa matéria, excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição» [ver AC TC nº 508/94, de 14.07.94, in Processo nº 777/92; e AC TC nº 347/97, de 29.04.97, in Processo nº 139/95]” – acórdão do Tribunal dos Conflitos de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 020/18).
Esta forma de delimitação recíproca obriga a começar por verificar se tal acção terá por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais),
Como uniformemente se tem observado, nomeadamente no Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção.
Disse-se no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, processo n.º 020/18: “como tem sido sólida e uniformemente entendido pela jurisprudência deste Tribunal de Conflitos, a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos [por todos, AC STA de 27.09.2001, Rº 47633; AC STA de 28.11.2002, Rº 1674/02; AC STA de 19.02.2003, Rº 47636; AC Tribunal de Conflitos de 02.07.2002, 01/02; AC Tribunal de Conflitos de 05.02.2003, 06/02; AC Tribunal de Conflitos de 09.03.2004, 0375/04; AC Tribunal de Conflitos de 23.09.04, 05/05; AC Tribunal de Conflitos 04.10.2006, 03/06; AC Tribunal de Conflitos de 17.05.2007, 05/07; AC Tribunal de Conflitos de 03.03.2011, 014/10; AC Tribunal de Conflitos de 29.03.2011, 025/10; AC Tribunal de Conflitos de 05.05.2011, 029/10; AC Tribunal de Conflitos de 20.09.2012, 02/12; AC Tribunal de Conflitos de 27.02.2014, 055/13; AC do Tribunal de Conflitos de 17.09.2015, 020/15; AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14].
A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável - ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…»].”.

5. O requerente pediu apoio judiciário com vista à propositura de uma ação para clarificação sobre a vigência do artigo 17° do Decreto-Lei nº 496/80, de 20 de Outubro.
Percorrida a impugnação judicial, verifica-se que, ainda que se desconheçam os exactos termos dessa acção, o requerente refere que o “objecto da acção a propor é: consulta jurídica; (jurisprudência e doutrina), para clarificação da tendência jurisprudencial e doutrinária relativa ao artº 17°, do Decreto-Lei n° 496/80, de 20 de Outubro”. Mais refere que a ação a propor se enquadra como ação por violação de direitos (nos termos do art. 49.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) ou como ação administrativa comum (nos termos do art. 37.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
É certo que o requerente se refere, em alternativa, a uma acção por violação de direitos, nos termos do n.º 2 do artigo 49.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional. Mas é igualmente certo que, como se referiu na decisão de 13 de Outubro de 2021, acima parcialmente transcrita, tal preceito, relativo à fiscalização abstracta da constitucionalidade, não lhe permite propor uma acção no Tribunal Constitucional fundada em “violação de direitos”. Seria, pois, inútil considerar tal hipótese
Quanto ao artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos , dispõe que “Seguem a forma da ação administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código, nem em legislação avulsa, sejam objeto de regulação especial, designadamente: (…) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo”.
De tudo resulta que a alusão ao processo n.º 722/07.5TCFUN será meramente circunstancial e que o requerente destinará o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário à propositura de uma nova ação, cujo objeto será a apreciação do art. 17°, do Decreto-Lei nº 496/80.
Relevante, no caso, é saber se, com os dados fornecidos pelo requerente, se pode concluir que a acção – recorde-se que, como observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., Coimbra, 2018, pág. 252 e segs., a acção prevista nesta al. f) do n.º 1 do artigo 37.º, será uma “acção de simples apreciação, destinando-se a obter uma sentença que torne certo o direito ou interesse que está em causa” – é da competência dos tribunais administrativos.
Ora o Decreto-Lei n.º 496/80, de 20 de Outubro, “regula de forma sistemática a atribuição dos subsídios de férias e de Natal ao funcionalismo público” (sumário); o respectivo artigo 17.º, cuja vigência o autor se propõe discutir, é do seguinte teor: Os subsídios de Natal e de férias são inalienáveis e impenhoráveis”.
Afirmar que pretende clarificar se este preceito se encontra ou não em vigor indicia que a acção para a qual a autora requereu a concessão de apoio judiciário respeita a uma “relação jurídica administrativa”, ou seja, a uma “relação jurídica de direito administrativo” (José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa, 18.ª Ed., Coimbra, 2020.pág. 53), mais concretamente, a uma acção que se insere no âmbito da al. a) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais”).
Será, portanto, de acordo com os elementos indicados pelo autor, uma acção administrativa, da competência da jurisdição administrativa e fiscal; concretamente, da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (artigo 4.º, n.º 1, a) e n.º 2 do artigo 9.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004 e mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, e n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1418/2003, de 30 de Dezembro).

6. Nestes termos, decide-se que cabe à Jurisdição Administrativa e Fiscal a competência para apreciar a impugnação da decisão do Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM de 30 de Abril de 2021, que indeferiu o pedido de apoio judiciário formulado pelo autor em 9 de Fevereiro de 2021. Concretamente, ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal

Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro)
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2022. - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.