Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:010/19
Data do Acordão:06/19/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:Atento o disposto nos arts. 64º do CPC e 4º, nº 1, alínea l) do ETAF, compete à jurisdição comum, em razão da matéria, conhecer de um recurso em matéria contra-ordenacional, por colocação de um poste e respectivo armário eléctrico, constitutiva da contra-ordenação prevista no art. 53º, nº 2, al. a) do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei nº 34/2015, de 27/4, por não se integrar no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a legislação da protecção do domínio público rodoviário do Estado.
Nº Convencional:JSTA000P24698
Nº do Documento:SAC20190619010
Data de Entrada:01/29/2019
Recorrente:O MAGISTRADO DO Mº Pº JUNTO DO TAF DE MIRANDELA, NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VILA REAL – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VILA REAL E O TAF DE MIRANDELA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 10/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A…… , Lda, com sede no Lugar de …….., ………., é arguida no processo de contra-ordenação, autuada pela prática de factos ocorridos em 21.04.2017, por ter realizado, “na zona da estrada (talude de escavação) obras, atividades e ações, materializada com a colocação de um poste e respetivo armário elétrico, na ER 304 ao km 135+570, margem direita (sentido Mondim de Basto / Vila Real), freguesia de São Cristóvão de Mondim de Basto, concelho de Mondim de Basto e distrito de Vila Real, sem que para isso tivesse obtido a necessária licença emitida pela Infraestruras de Portugal, SA.” - cfr. Proposta de Decisão, fls. 74 a 79 dos autos.
Pela Decisão do Gestor Regional da Infraestruturas de Portugal, SA, por delegação de competências do Conselho de Administração Executivo da Infraestruturas de Portugal, SA, de 08.02.2018, considerando que aquela conduta viola o disposto na alínea a), do nº 3 do art. 53º do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, publicado em anexo à Lei nº 34/2015, de 27 de Abril, que proíbe, na zona da estrada o exercício de quaisquer actividades ou acções não licenciadas, nomeadamente utilizar, ocupar ou danificar qualquer elemento integrante do domínio público rodoviário do Estado, foi condenada ao pagamento de uma coima no montante de 6.000,00 €, pela infracção prevista na alínea d) do nº 2 do art. 70º do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado em anexo à Lei nº 34/2015, de 27 de Abril – cfr. fls. 80 a 85 dos autos.
A arguida interpôs, em 11.04.2018, impugnação judicial, nos termos do artigo 59º do DL nº 433/82, de 27/10 – cfr. fls. 95 a 99 dos autos.
Em 20.04.2018, o Ministério Público deu entrada em juízo, na Instância Local Criminal da Comarca de Vila Real, do processo contra-ordenacional, instruído com a referida impugnação judicial de contra-ordenação, nos termos constantes de fls. 109 dos autos, aqui dados por integralmente reproduzidos.
Em 08.11.2016, o Senhor Juiz do Juízo Local Criminal de Vila Real, Comarca de Vila Real, declarou-se incompetente em razão da matéria para apreciação do recurso de contra-ordenação, face ao disposto no art. 15º, nº 5 do DL nº 214-G/2015, de 2/10 e art. 4º, nº 1, al. l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), considerando ser competente para o efeito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela – cfr. fls. 112 e 113.
Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Mirandela – cfr. fls. 117.
Por despacho de 17.12.2018, a fls. 121 e 122, o TAF de Mirandela declarou-se incompetente para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional, “…sendo competente para a acção a Instância Local Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real – tribunal onde em 20/4/2018 foi apresentada a acusação (…)”.
Transitada esta decisão, sob promoção do Ministério Público, o TAF de Mirandela suscitou o conflito negativo de jurisdição entre aquele Tribunal e a Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real - cfr. fls. 127 e 128.

Remetido o processo a este Tribunal dos Conflitos a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 138 a 142, no sentido de que a competência deverá ser atribuída aos Tribunais Comuns.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo Local Criminal de Vila Real e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pela arguida, na Infraestruturas de Portugal, SA, em 11.04.2018 e remetida pelo Ministério Público ao tribunal em 20.04.2018, respeitante à aplicação de uma coima por violação do disposto nos artigos 53º, nº 2, al. a) e 70º, nº 2, al. d) do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei nº 34/2015, de 27/4.
Entendeu o Juízo Local Criminal de Vila Real que, face ao disposto no art. 15º, nº 5, do DL nº 214-G/2015, de 2/10, a nova redacção do art. 4º, nº 1, al. l), do ETAF - que atribuiu aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para apreciação das impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo – que entrou em vigor em 01.09.2016, aquele tribunal criminal era incompetente, em razão da matéria, sendo competentes os tribunais da jurisdição administrativa.
Por sua vez o TAF de Mirandela para onde o processo foi remetido, considerou-se incompetente em razão da matéria, por entender que:
(…), o apuramento dos factos, designadamente averiguar se o poste e o armário foram colocados na zona da ER 304, km 135; se o autuante se limitou a dizer que o poste e armário estavam implantados na zona da estrada, sem juntar prova desse facto, se a arguida estava convencida que o local onde tentou colocar o poste e armário não pertenciam à zona das estradas ER 304, e não está provado que tenha havido violação do disposto nos artigos 53º, nº 2, al. a) e 70º, nº 2, al. d) do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional não têm a ver, salvo o devido respeito, com a aplicação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo e, muito menos, em matéria tributária.
Como bem diz o Dig. Mag. do MP junto deste TAF estamos perante factos que terão a ver com infracção de legislação de protecção do domínio público rodoviário (artºs 1.º e 53.º, n.º 2, al. a) do designado Estatuto).

Dispõe o art. 4º, nº 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL nº 214-G/2015, de 2/10, que:
1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(…)
l) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismos;

Nos termos deste normativo, o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo.
Como se expendeu no Ac. deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18, no qual estava em causa um concurso de infracções relativo à violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, quanto à opção legislativa relativa àquela alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»
O Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional [doravante Estatuto], aprovado pela Lei nº 34/2015, de 27/4, estabelece as regras que visam a protecção da estrada e sua zona envolvente, fixando as condições de segurança e circulação dos seus utilizadores e as de exercício das actividades relacionadas com a sua gestão, exploração e conservação. Estabelecendo também o regime jurídico dos bens que integram o domínio público rodoviário do Estado e o regime sancionatório aplicável aos comportamentos ou actividades de terceiros que sejam lesivos desses bens ou direitos com ele conexos, bem como as situações de incumprimento (cfr. art. 1º do Estatuto).
Prevê o art. 53º do Estatuto, no seu nº 2 que, “Na zona da estrada é proibido o exercício de quaisquer atividades ou ações não licenciadas ou que possam prejudicar a segurança rodoviária, nomeadamente:
a)Utilizar, danificar ou ocupar qualquer elemento integrante do domínio público rodoviário;”. Constando o conceito de «Domínio público rodoviário do Estado» do art. 3º, al. n) do Estatuto.
Por sua vez, o art. 70º, nº 2 do Estatuto, prescreve que constituem contraordenações graves punidas com as coimas nele indicadas, “d) A realização de obras e atividades de terceiros que interfiram com o solo, subsolo ou espaço aéreo da zona da estrada em violação do artigo 53.º;”.

O direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos públicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (cfr. neste sentido o Ac. deste Tribunal de 21.03.2019, Proc. nº 037/18).
Ora, a colocação de um poste e respectivo armário eléctrico, constitutiva da contraordenação prevista no art. 53º, nº 2, al. a) do Estatuto não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a legislação da protecção do domínio público rodoviário do Estado. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4º, nº 1, al. l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos.

Pelo exposto, acordam em julgar que a competência para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real (Juízo Local Criminal de Vila Real).
Sem custas.

Lisboa, 19 de Junho de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno de Melo Gomes da Silva – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Manuel Tomé Soares Gomes – António Bento São Pedro – Joaquim António Chambel Mourisco.