Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:04/06
Data do Acordão:12/20/2006
Tribunal:CONFLITOS
Relator:PAIS BORGES
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
APOIO JUDICIÁRIO.
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Sumário: I - O nº 1 do art. 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, não deve ser entendido em sentido estritamente literal, como reportando-se apenas aos tribunais judiciais, ou seja, da jurisdição comum, sendo mais coerente com o princípio da unidade do sistema jurídico e com a teleologia da norma entender a referência ao “tribunal da comarca”como reportada ao tribunal de 1ª instância da jurisdição a que se reporta a acção principal, com vista a cuja instauração ou prosseguimento o apoio judiciário foi solicitado.
II - Visando o apoio judiciário solicitado a instauração de uma acção administrativa impugnatória de uma deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que é sem dúvida da competência dos tribunais administrativos e fiscais, é aos tribunais desta ordem jurisdicional que cabe conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos arts. 27º e 28º, nº 1 da citada Lei.
Nº Convencional:JSTA00063716
Nº do Documento:SAC2006122004
Data de Entrada:02/15/2006
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE 0 3º JUÍZO CÍVEL DA COMARCA DE LISBOA E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO.
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TAF LISBOA - TCIV LISBOA.
Decisão:DECL COMPETENTE TAF LISBOA.
Área Temática 1:DIR ADM GER.
Área Temática 2:DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional:L 34/2004 DE 2004/07/29 ART27 ART28.
CONST97 ART17 ART20.
Jurisprudência Nacional:AC TCF PROC7/06 DE 2006/07/06.; AC TCF PROC10/06 DE 2006/06/22.; AC STJ PROC5B1248 DE 2005/09/22.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal dos Conflitos:
( Relatório )
A…, identificado nos autos, pretendendo intentar uma acção administrativa impugnatória de deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, requereu, em 02.02.2005, ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa a respectiva Protecção Jurídica, nas modalidades de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e nomeação e pagamento de honorários de patrono.
Perante a decisão de indeferimento do seu pedido, de 18.03.2005, fundada em alegada impossibilidade de apreciação por falta de junção de documentos de prova da sua insuficiência económica, o requerente impugnou judicialmente esta decisão em petição dirigida ao TAF de Lisboa, em processo a que foi atribuído o nº … – 2º Juízo, peticionando a anulação daquele despacho de indeferimento e a consequente concessão do apoio judiciário requerido.
Enviado o processo ao TAFL, por a decisão de indeferimento ter sido mantida, nos termos do nº 3, in fine, do art. 27º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, foi, por despacho judicial de 19.05.2005, declarada a incompetência absoluta daquele Tribunal, por violação de regra de competência em razão da matéria, e considerado competente para conhecer da impugnação o Tribunal Judicial de 1ª Instância de Lisboa.
Tendo o processo sido remetido aos Tribunais Cíveis de Lisboa, e distribuído ao 3º Juízo Cível – 3ª Secção, com o nº …, ali veio a ser proferido, a 18.07.2005, despacho judicial em que foi excepcionada a incompetência absoluta dos tribunais cíveis para conhecer daquela impugnação, considerando-se para tal competente o TAF de Lisboa.
Tendo ambas as decisões transitado em julgado (cfr. certidões de fls. 45 e 54), veio o requerente, ao abrigo do disposto nos arts. 116º, nº 1 e 117º do CPCivil, pedir a resolução do conflito negativo de jurisdição, requerendo que seja declarado qual o tribunal competente em razão da matéria para apreciar a impugnação em causa.
A Exma magistrada do Ministério Público neste Tribunal dos Conflitos, sustentando que o texto da norma do art. 28º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho (ao aludir ao “tribunal da comarca”) não pode ser tomado no seu sentido literal, pronunciou-se pela atribuição da competência aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, atendendo a que, no caso em análise, o apoio judiciário visa a impugnação de decisão proferida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, para cuja apreciação é competente o TAF de Lisboa.
*
Colhidos nos vistos, cumpre decidir.
(Fundamentação )
Está em causa, no presente conflito negativo, a determinação de qual a jurisdição (comum ou administrativa e fiscal) a que cabe conhecer da impugnação judicial de decisão final sobre pedido de protecção jurídica, prevista nos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, solicitada com vista à instauração de uma acção administrativa (no caso, impugnatória de uma deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados), uma vez que os dois tribunais em conflito (TAF de Lisboa e 3º Juízo Cível de Lisboa) declinaram, atribuindo-a reciprocamente, a competência para o conhecimento dessa impugnação.
Este Tribunal dos Conflitos teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão em apreço, em situações idênticas, em que estava em causa igualmente uma decisão administrativa de indeferimento de apoio judiciário solicitado com vista à instauração de uma pretensão nos tribunais administrativos e fiscais, considerando serem estes os tribunais competentes para o seu conhecimento – cfr. os recentes Acs. de 06.07.2006 – Proc. 7/06, de 22.06.2006 – Proc. 10/06, cuja orientação, que ora se reitera, seguiremos de perto.
No mesmo sentido se pronunciou igualmente o STJ, no Ac. de 22.09.2005 – Proc. 5B1248, sufragando uma interpretação extensiva do art. 29º, nº 1 da anterior lei do apoio judiciário (Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro), correspondente ao art. 28º da actual lei.
Dispõem os referidos normativos da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho:
Artigo 27º
Impugnação judicial
1 – A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou no Conselho Distrital da Ordem dos Advogados que negou nomeação de patrono, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
(…)
3 – Recebida a impugnação, o serviço de segurança social ou o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.
Artigo 28º
Tribunal competente
1 – É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 – Nas comarcas onde existem tribunais judiciais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
(…)
Importa, desde já, sublinhar que a tarefa interpretativa a encetar deverá necessariamente ter em conta que a Lei nº 34/2004 (pese embora uma manifesta falta de rigor técnico), concretizando a imposição constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP), assegura que “o regime de apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais e nos julgados de paz, qualquer que seja a forma do processo” (art. 17º, nº 1), o que traduz uma garantia de acesso ao direito e aos tribunais necessariamente extensiva a todos os tribunais da nossa organização judiciária, previstos no art. 209º da Constituição.
Por outro lado, o apoio judiciário constituía, tradicionalmente, uma questão incidental do processo principal, ou seja, daquele (instaurado ou a instaurar) para o qual a pretensão de apoio era solicitada.
E, tendo o mesmo sido desjudicializado, passando a ter natureza administrativa, por razões de ordem prática e de eficácia processual, não desapareceram contudo os motivos que aconselhavam um tratamento dessa questão incidental juntamente com a causa principal a que se reporta, assim se justificando, em caso de judicialização impugnatória, uma aproximação do processo a cuja instauração ou prosseguimento se reporta a protecção jurídica solicitada.
Como se pondera no Ac. do STJ atrás citado:
Tal é o regime para a jurisdição comum, e não é aceitável que o legislador tivesse querido uma solução oposta para as outras ordens jurisdicionais. Ou seja, num caso a proximidade dos autos e noutro o seu desfasamento completo, que não é só de tribunais mas de jurisdições.
Aliás, e salvo o devido respeito, é contraditório invocar a separação das jurisdições para consagrar uma solução em que uma delas fica a decidir o que, em termos substanciais, é um incidente de uma outra”.
Nesta conformidade, afigura-se que o texto do citado nº 1 do art. 28º da Lei nº 34/2004 não deve ser entendido em sentido estritamente literal, como reportando-se apenas aos tribunais judiciais, ou seja, da jurisdição comum, sendo mais coerente com o princípio da unidade do sistema jurídico e com a teleologia da norma entender a referência ao “tribunal da comarca”como reportada ao tribunal de 1ª instância da jurisdição a que se reporta a acção principal, com vista a cuja instauração ou prosseguimento o apoio judiciário foi solicitado.
Na situação sub judice, e tendo em conta que o apoio judiciário pretendido visa a instauração de uma acção administrativa impugnatória de uma deliberação do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que é sem dúvida da competência dos tribunais administrativos e fiscais, é aos tribunais desta ordem jurisdicional que cabe conhecer da impugnação judicial da decisão administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, nos termos dos arts. 27º e 28º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
( Decisão )
Com os fundamentos expostos, acordam em resolver o presente conflito de jurisdição, atribuindo a competência para o conhecimento da questão – impugnação judicial da decisão final sobre pedido de protecção jurídica, prevista nos arts. 27º e 28º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho – à jurisdição administrativa, no caso, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa – 2º Juizo.
Sem custas.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2006. – Luís Pais Borges (relator) – Manuel Maria Duarte Soares – Rosendo Dias José – António da Silva Henriques Gaspar – Maria Angelina Domingues.