Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:016/18
Data do Acordão:09/13/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Questionado-se a responsabilidade civil extracontratual do liquidatário judicial/administrador da insolvência, por atos praticados no exercício desta atividade é o tribunal administrativo materialmente competente para conhecer da ação administrativa comum.
Nº Convencional:JSTA000P23575
Nº do Documento:SAC20180913016
Data de Entrada:03/06/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA, JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA, JUIZ 18 E O TAC DE LISBOA, UNIDADE ORGÂNICA 2
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito negativo de Jurisdição n.º 16/18

Acordam no Tribunal dos Conflitos:

I - Relatório:
A………. e outros intentaram, em 2 de Maio de 2014, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção administrativa comum contra B……….. e o Estado Português (Ministério da Justiça), pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 500.067,49, acrescida de juros.
Alegaram, em síntese, que:
- são antigos trabalhadores da sociedade C……….., SA, entretanto declarada insolvente, tendo os seus créditos reconhecidos. O Réu B………. foi o liquidatário judicial no processo de insolvência;
- o Réu B……….. procedeu à liquidação do património da sociedade, obtendo a quantia de € 2.159.008,96, que investiu, em nome da massa insolvente, numa aplicação financeira junto do BPP;
- em virtude das dificuldades financeiras do BPP, que levaram à sua insolvência, não foram pagos aos autores os seus créditos;
- o Réu B……….. praticou actos ilícitos uma vez que lhe está vedado por lei investir em aplicações financeiras o produto da liquidação e tem a obrigação de restituir os montantes resgatados e de proceder ao pagamento dos créditos;
- tal situação acarretou danos para os autores no montante dos créditos reconhecidos e respectivos juros;
- O Réu Ministério da Justiça, através do juiz titular do processo, nomeou o Réu B………… liquidatário;
- incumbia ao juiz do processo controlar, acompanhar e fiscalizar a actividade do liquidatário judicial, o que não aconteceu;
- O Réu Ministério da Justiça, com a inércia dos seus agentes, permitiu o arrastamento do processo de insolvência que foi declarada em 2001, a liquidação da massa e reconhecimento e graduação dos créditos só foi concluída em 2010, sendo que em 2014 ainda os créditos dos autores não haviam sido pagos.
O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por decisão de 26 de Fevereiro de 2015, declarou-se materialmente incompetente.
Foi solicitada pelos autores a remessa dos autos ao Juízo de Comércio da Comarca de Lisboa para serem apensados ao processo de insolvência, tendo esse tribunal, por decisão de 9 de Dezembro de 2015, declinado, igualmente, a competência em razão da matéria.
Os autores suscitaram, então, a remessa dos autos aos Tribunais Comuns, mais concretamente, a Instância Central Cível da Comarca de Lisboa.
Aqui foi proferida decisão, em 7 de Novembro de 2017, a absolver os réus da instância com fundamento na incompetência material do tribunal para conhecer do pedido formulado, atribuindo-se essa competência aos tribunais administrativos e fiscais.
Foi suscitada oficiosamente a este Tribunal dos Conflitos a resolução do presente conflito negativo de jurisdição, ao abrigo do disposto nos artigos 109º nºs 1 e 3 e 111º nº 1 do Código de Processo Civil.
O Ministério Público, em douto parecer, defendeu a atribuição da competência para a decisão da causa à jurisdição administrativa, concretamente, ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

II. Fundamentos:
Está em causa saber se a competência para apreciar e julgar a acção pertence à jurisdição administrativa ou à jurisdição comum, uma vez que tanto os tribunais da jurisdição administrativa, como os da jurisdição comum a declinaram reciprocamente.
Como vem sendo repetidamente afirmado, os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não discriminada ou de competência genérica, enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhes são especialmente cometidas pela lei.
A competência material dos tribunais judiciais é, assim, residual ou negativa, já que é determinada pela exclusão da sua atribuição a outra ou outras jurisdições.
É o que resulta, justamente, do disposto no artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), preceito constitucional que na lei ordinária encontra concretização nos artigos 64.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 66º) e 40.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 13 de Janeiro, alterada pela 40-A/2016, de 22 de Dezembro (preceito correspondente ao anterior artigo 18º n° 1 da LOFT aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).
É pacífico o entendimento no sentido de que a competência em razão da matéria se afere pela natureza da relação jurídica, tal como o autor a apresenta na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir). Determina-se em função dos termos em que a acção é proposta, ou seja, pelo modo como o autor estrutura a causa, sem que para esse efeito releve a prognose acerca do êxito da acção ou seja lícita qualquer indagação incidindo sobre o respectivo mérito.
Na jurisprudência do Tribunal do Conflitos encontramos este entendimento vertido, entre outros, nos seguintes arestos: 06/02, de 05-02-2003; 22/03, de 04-03-2004; 13/05, de 19-01-2006; 06/05, de 26-04-2006; 25/10, de 29-03-2011; 19/14, de 21-01-2015; 08/14, de 01-10-2015 (todos com publicação em www.dgsi.pt).
Para além disso, importa ter presente que, de acordo com o disposto no artigo 38.º, n.º 1, da LOSJ, a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, norma que encontra paralelo no artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, (doravante ETAF) ao dispor que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal se fixa no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.
No caso, tendo a acção sido instaurada no dia 14 de Maio de 2014, não lhe são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10 (cfr. artigo 15.º, n.ºs 1 e 4, este a contrario), mas as disposições do ETAF na sua anterior redacção, ou seja, o aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as subsequentes alterações. (Rect. n.º 14/2002, de 20-03, Rect. n.º 18/2002, de 12-04, Lei n.º 4-A/2003, de 19-02, Lei n.º 107-D/2003, de 31-12, Lei n.º 1/2008, de 14-01, Lei n.º 2/2008, de 14-01, Lei n.º 26/2008, de 27-06, Lei n.º 52/2008, de 28-08, Lei n.º 59/2008, de 11-09, Decreto Lei n.º 166/2009, de 31-07, Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, e Lei n.º 20/2012, de 14-05.)

Vejamos, então, à luz dos normativos que o caso convoca se a competência para apreciar e julgar a acção pertence aos tribunais administrativos ou aos tribunais judiciais, tendo presente que delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa assenta na noção de relação jurídica administrativa (cfr. artigo 1.º do ETAF, na supra referida redacção anterior, e artigo 212.º, n.º 3, da Constituição).
Para alcançar a natureza administrativa de uma relação jurídica deverá fazer-se um juízo de articulação entre a cláusula geral do artigo 1.º, n.º 1, e os critérios do artigo 4.º, ambos do ETAF (na redacção anterior, aqui aplicável), posto que a aludida natureza apenas se alcança perante uma diversidade de elementos de conexão e será o referido artigo 4.º, na sua delimitação positiva (n.º 1), bem como na negativa (n.ºs 2 e 3), que permitirá clarificar aquilo que está, efectivamente, abrangido pelo âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos.
Antes de proceder ao mencionado juízo de articulação, importa ter presentes os termos em que a questão da competência em razão da matéria foi tratada e decidida por cada um dos tribunais que declinaram reciprocamente o poder de conhecer e de julgar a acção.
O Tribunal Administrativo de Círculo e Lisboa rejeitou a competência relativamente ao liquidatário judicial/administrador da insolvência com o fundamento de que seria competente o Tribunal de Comércio, em virtude de a acção dever correr por apenso ao processo de insolvência de acordo com o disposto nos artigos 7.º n.º 3 e 89.º n.º 2 do CIRE e, quanto ao Estado (Ministério da Justiça), com base no entendimento de que a responsabilidade civil que lhe é imputada radica em responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos e omissões do juiz do mesmo processo, que caiem na esfera do exercício da função jurisdicional, estando, por isso, excluída a sua competência pelo artigo 4.º n.º 3 a) do ETAF.
Declinada foi também a competência pela Instância Central de Comércio de Lisboa por considerar que a acção não se enquadra no campo das que devem correr por apenso ao processo de insolvência.
Remetido o processo ao Juízo CentraI Cível de Lisboa, também este afirmou a sua incompetência em razão da matéria, argumentando que «os autores imputam ao Ministério (Estado) factos atinentes à inércia do juiz do processo em fiscalizar o trabalho do liquidatário judicial, mas também imputam ao Ministério a demora do próprio processo de insolvência e imputam essa demora não ao juiz mas aos agentes em geral», pelo que a responsabilidade do Estado na «vertente de função jurisdicional que os autores pretendem ver apreciada com a presente acção está totalmente ligada à falta de actuação do juiz do processo e à demora do tribunal e respectivos agentes na resolução do litígio, situações que não se enquadram no erro judiciário», sendo, neste particular, competentes os tribunais administrativos face ao disposto no artigo 4º n.º 1 af. f) do ETAF.
E no tocante à responsabilidade civil extracontratual do liquidatário judicial/administrador da insolvência por actos praticados no exercício desta actividade, considerou que o mesmo é, no exercício da sua função, um agente público em sentido lato, sendo para o efeito também materialmente competentes os tribunais da jurisdição administrativa, nos termos do artigo 4º nº1 al. h) do ETAF.
Olhando para a acção tal como os autores a configuraram, extrai-se da leitura que se faça da petição inicial, que a pretensão por si deduzida - condenação solidária dos réus no pagamento e uma indemnização - se funda, na verdade, em responsabilidade civil extracontratual.
No que ao réu B……….. diz respeito, a responsabilidade resulta, na perspectiva dos autores, da ilicitude da sua actuação enquanto liquidatário judicial/administrador de insolvência por, nessa qualidade, ter procedido a uma aplicação financeira com o produto da liquidação do património da massa insolvente junto do Banco Privado Português, o que, devido às dificuldades financeiras daquele banco, impediu o pagamento dos créditos laborais reclamados pelos mesmos autores - reconhecidos e graduados por sentença transitada em julgado no dia 2 de Julho de 2010 -, realidade de que, alegadamente, tomaram conhecimento através da consulta do processo em 2013.
Sobre a natureza pública ou privada da actividade dos agentes de execução no âmbito do exercício da sua actividade já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos proferidos em 06.07.2011 (proc. n.º 85/08.1TJLSB.L1.S1) e 11.04.2013 (proc. nº 5548/09.9TVLSNB.L1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, no sentido de que a responsabilidade que lhes for imputada obedece ao regime geral do direito privado, aplicável à generalidade das profissões liberais, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967, entretanto, revogado e substituído pelo DL nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Aderindo a esta posição, em particular à argumentação expendida no primeiro daqueles arestos, também este Tribunal dos Conflitos, decidiu no Acórdão de 01-02-2018 (proc. nº 018/17, acessível em www.dgsi.pt), serem os tribunais comuns os competentes para conhecer da acção em que seja apreciada a responsabilidade civil extracontratual de agente de execução.
Não vemos razão para um entendimento diferente no tocante aos administradores da insolvência, dado o paralelismo que pode estabelecer-se entre estes e os agentes de execução, aliás, expressamente reconhecido pelo legislador no artigo 11° nº 1 al. a) do respectivo estatuto, estabelecido na Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, no qual se estipulou, designadamente, que no exercício das suas funções, os administradores judiciais gozam do direito a equiparação aos agentes de execução nas relações com os órgãos do Estado, nomeadamente no que concerne ao acesso e à movimentação nas instalações dos tribunais, conservatórias e serviços de finanças.
Este paralelismo foi afirmado no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.07.2011 com argumentação que acompanhamos e passamos a transcrever:
«A actividade do administrador de insolvência envolve um elevado grau de intervenção na administração e na liquidação do património dos insolventes, podendo envolver, além do mais, a representação do insolvente, a gestão de empresas ou de estabelecimentos, a verificação do passivo, a liquidação de todo o património, a venda de bens, a efectivação de pagamentos, etc.
Mas apesar da amplitude das competências do administrador de insolvência e da manutenção de um vínculo funcional relativamente ao juiz (sendo este que, em regra, designa o administrador, nos termos do art. 52º, n.º 1, do CIRE, podendo destituí-lo com justa causa - art. 56° do CIRE), por expressa opção do legislador, a eventual responsabilidade civil em que incorra perante os credores ou devedores obedece ao travejamento da responsabilidade civil extracontratual, com as especificidades constantes do art. 59° do CIRE.
Correspondentemente a imputação dessa responsabilidade e a reclamação de alguma indemnização é feita nos quadros do processo de insolvência, não havendo sinal algum de que a sua actuação seja submetida ao regime jurídico especificamente previsto para a responsabilidade extracontratual do Estado, com atribuição de competência material aos tribunais administrativos.
Foi, aliás, para responder a eventuais indemnizações decorrentes da prática de actos ilícitos no exercício das funções que o art. 12º, nº 8, do actual estatuto, aprovado pela Lei nº 22/13, de 26-2, tal como já ocorria com os agentes de execução, também veio prescrever a obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir "o risco inerente ao exercício das suas funções", sinal claro de que não se pretende a (co-) responsabilização do Estado, nem a abrigo do regime especial, nem do art. 501° do CC».
Sem embargo do assinalado poder de nomeação e destituição do administrador da insolvência, importa aqui realçar a opção tomada pelo legislador no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) no sentido de circunscrever o papel do juiz a garante da legalidade, suprimindo o poder de direcção sobre o administrador, que o anterior CPEREF lhe conferia no artigo 141º, e, bem assim, a inerente possibilidade de lhe dar instruções sobre o modo de proceder.
Como assinalam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol. I, Quid Juris 2006, pág. 270), ao atribuir ao juiz apenas poderes de fiscalização no artigo 58º do CIRE, o legislador reduziu-os à faculdade de solicitar, a todo o tempo, ao administrador informações sobre assunto relativo ao processo ou ao desenvolvimento da sua actividade no seu âmbito.
Reconhecendo que o CIRE não resolveu a questão atinente à competência jurisdicional para o exercício da acção de responsabilidade (e respectivo processamento) decorrente da violação dos deveres funcionais do administrador, referem ainda aqueles autores (loc. cit. págs. 275 2 272), que o modelo de responsabilidade que perpassa do seu nº 1 corresponde, com grande proximidade, ao travejamento geral da figura da responsabilidade aquiliana baseada na culpa, tal como resulta do Código Civil.
Não existem, assim, razões bastantes para submeter à jurisdição administrativa, que é excepcional, a apreciação da eventual violação dos deveres funcionais pelo administrador da insolvência e consequente responsabilidade por facto ilícito ou aquiliana, devendo aplicar-se aqui o regime do direito privado para o qual são materialmente competentes os tribunais comuns.
Imputam também os autores responsabilidade ao Estado Português com fundamento em duas causas de pedir.
A primeira, por, alegadamente, o juiz titular do processo de insolvência não ter sindicado, como devia, a actuação do administrador da insolvência fora dos condicionalismos legais, investindo o produto da liquidação do activo da sociedade insolvente em aplicações financeiras e não procedendo à restituição das quantias, actuação susceptível de conduzir à destituição do mesmo com justa causa.
No que a esta causa de pedir concerne, entendemos ser de afirmar a competência dos tribunais judiciais quando está em causa responsabilidade emergente da função de julgar, uma vez que os actos e omissões praticados pelos juízes no âmbito de um concreto processo nos tribunais comuns cabem no exercício específico da função jurisdicional e, como tal, estão subtraídos à esfera de competência da jurisdição administrativa (artigo 4.º n.º 3 al. a) do ETAF).
Na verdade, também a omissão se insere ainda na condução de um concreto processo por parte do juiz titular do mesmo e, por conseguinte, no âmbito do exercício das funções jurisdicionais.
Sendo a nomeação do administrador da insolvência um acto jurisdicional, porque praticado no exercício da função própria do juiz de julgar, e revestindo a destituição por iniciativa do juiz ou motivada por mecanismos processuais aptos à provocação do acto - decisão de destituir - a natureza de acto praticado no exercício da função jurisdicional, também a omissão de destituição ou não destituição, ainda que imotivada, se insere para efeitos de responsabilidade civil extracontratual na área da função jurisdicional do juiz.
A jurisdicionalidade dos actos do juiz num concreto processo não é cindível em actos jurisdicionais e administrativos, consoante envolvam uma decisão ou uma omissão. Não pode neste domínio distribuir-se, relativamente a um mesmo processo, a sindicabilidade da responsabilidade da actividade do juiz enquanto titular do processo a jurisdições diferentes daquela a que este está afecto.
Neste sentido podem ver-se os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 29.06.2005 e de 11.05.2016, proferidos nos processos nº 02/05 e nº 05/16 (acessíveis em www.dgsi.pt).
Concluímos, assim, que, também neste particular, cabe aos tribunais judiciais a apreciação da eventual responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Já no que tange à alegada responsabilidade do Estado Português por danos fundados no deficiente funcionamento do aparelho judiciário, a segunda causa de pedir invocada quanto a este réu, tem aplicação o disposto no artigo 12º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, instituído pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
À alegada inércia dos agentes da justiça, que, na tese dos autores, terá permitido o arrastamento do processo de insolvência em questão, causando-lhes os danos de que pretendem ver-se ressarcidos através desta acção, é aplicável o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa aflorado no artigo 7º do mesmo diploma.
Neste segmento, a competência material cai na esfera da jurisdição administrativa.
Nestes termos, são os tribunais judiciais materialmente competentes para conhecer dos pedidos deduzidos pelos autores contra os réus B……… e Estado Português, este na vertente da responsabilidade civil extracontratual por acto praticado no exercício da função jurisdicional, cabendo à jurisdição administrativa competência para conhecer do pedido deduzido contra o réu Estado Português fundado em responsabilidade extracontratual baseada em deficiente funcionamento da administração da justiça.
Caberá, assim, ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, onde a acção foi proposta, conhecer da causa de pedir para a qual lhe assiste competência material e extrair as consequências processuais respectivas relativamente às demais causas de pedir.

III. Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em julgar materialmente competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, onde a acção foi proposta, para conhecer da causa de pedir para a qual lhe assiste aquela competência e extrair as consequências processuais respectivas relativamente às demais causas de pedir.

Sem custas.
Lisboa, 13 de Setembro de 2018. – Fernanda Isabel de Sousa Pereira (relatora) – António Bento São Pedro – Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Luís Lopes da Mota – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.