Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:030/20
Data do Acordão:07/14/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO JURISDIÇÃO
TRIBUNAIS JUDICIAIS
CTT
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:É da competência da jurisdição comum o conhecimento de uma acção em que é demandada CTT Correios de Portugal SA - Sociedade Aberta, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 8.000,00€, acrescida de juros de mora, a título de danos patrimoniais, em resultado de uma informação errada fornecida pelo site de serviço de acompanhamento do correio registado que a R. faculta, uma vez que tal acção não se inscreve em nenhuma das alíneas do nº 1 do art. 4.º do ETAF, que permitam submeter o litígio ao âmbito da jurisdição administrativa, e visto que é da competência dos tribunais judiciais conhecer e decidir as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Nº Convencional:JSTA000P29799
Nº do Documento:SAC20220714030
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO JUÍZO LOCAL CÍVEL DA PÓVOA DO VARZIM JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO UO1
AUTOR: A………, UNIPESSOAL, LDA.
RÉU: CTT CORREIOS DE PORTUGAL, S.A. - SOCIEDADE ABERTA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 30/20

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A………, Unipessoal, Lda, identificada nos autos, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim, Juiz 1, acção declarativa de condenação contra CTT Correios de Portugal SA - Sociedade Aberta, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 8.000,00€, acrescida de juros de mora, a título de danos patrimoniais.
Em síntese alega que, em resultado de uma informação errada fornecida pelo site de serviço de acompanhamento do correio registado que a R. faculta, perdeu a oportunidade de se defender e de pagar um valor inferior ao que foi condenada num processo de injunção contra si instaurado através do Balcão Nacional de Injunções.
Na sequência de notificação para as partes se pronunciarem sobre a eventual incompetência material do Tribunal, a A. requereu que, após o trânsito em julgado da decisão de incompetência absoluta, fosse o processo remetido para o tribunal considerado competente com aproveitamento de todo o processado e a R defendeu a competência do Tribunal.
Em 26.06.2020, no Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim, Juiz 1 foi proferida decisão a julgar o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciação e julgamento da acção intentada, absolvendo a R. da instância.

Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) foi aí proferido saneador-sentença em 12.10.2020 a declarar a incompetência em razão da matéria para conhecer do objecto dos autos e a absolver a R da instância.
Suscitada oficiosamente pelo TAF do Porto a resolução do conflito negativo de jurisdição, foram os autos remetidos a este Tribunal dos Conflitos.

Neste Tribunal dos Conflitos, as partes foram notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, tendo a R CTT vindo pugnar pela competência dos tribunais judiciais.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer da acção deverá ser atribuída aos tribunais judiciais.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial da Comarca do porto, Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim e o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
O Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim, Juiz 1 declarou-se incompetente em razão da matéria considerando competente a jurisdição administrativa por entender que “a pretensão deduzida pela autora tem como fundamento o incumprimento pela ré de obrigação no âmbito da concessão do serviço postal, mais precisamente o serviço de correio registado em procedimentos judiciais” e que “desde a entrada em vigor da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro (…) a jurisdição administrativa passou a ser competente para dirimir este tipo de conflitos, face ao disposto no artigo 5º, nº1 da mesma lei, (…) desde que estejam em causa, conforme sucede no caso concreto, acções ou omissões no âmbito da actividade concessionária”.
Por sua vez o TAF do Porto também se declarou incompetente para conhecer a acção considerando que “(…) a A. não invoca qualquer norma legal ou cláusula contratual que mande aplicar directamente o regime da responsabilidade civil do Estado e demais pessoas colectivas de direito público aos actos ou omissões ilícitas praticados pela ora Ré” e [face ao previsto no art. 1º, nº 5 da Lei nº 67/2007, de 31/12] “não se vislumbra que, no caso vertente, a matéria da alegada disponibilização de informações (erradas segundo a A.) na plataforma informática ou no sítio da internet da R. (para seguimento do objecto postal) consubstancie “o exercício de prerrogativas de poder público”, nem se constata que tal tarefa seja regulada por “disposições ou princípios de direito administrativo”. Mais considerou que de acordo com o Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo DL n.º 176/88, de 18.05 “a matéria trazida pela A à presente demanda não se encontra directamente contemplada no objecto do serviço de correios aprovado legalmente” e de igual modo não se inclui “nem no objecto da prestação de serviços postais, nem no âmbito do serviço universal de correios, conforme se pode verificar pela análise aos artigos 4º e 12º da Lei n.º 17/2012, de 26/04, que aprovou o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais (…)”.

Vejamos.
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [arts. 211º, nº1, da CRP, 64º do CPC e 40º, nº1, da Lei nº 62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» [arts. 212º, nº 3, da CRP e 1º, nº 1, do ETAF].
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art. 4º do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro) com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.
Como se afirmou no Ac. deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. 08/14, “A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo".
A A. alega que recorreu ao site dos CTT que fornece o serviço de acompanhamento do correio registado para saber a data da assinatura do aviso de recepção da notificação de um requerimento de injunção contra si intentada através do Balcão Nacional de Injunções. A informação prestada naquele site estava errada o que causou a perda de possibilidade da sua defesa em tempo e de ser condenada a pagar valor inferior ao que efectivamente foi e, por isso, pretende ser ressarcida pelos danos patrimoniais daí decorrentes.
A A. aceita que a carta registada com aviso de recepção com a notificação do Balcão Nacional de Injunções foi enviada e recebida na empresa. Por outro lado, a A. não invoca se a prestação daquela informação integra uma obrigação da Ré CTT decorrente da sua actividade de prestador do serviço postal universal e se os danos de que pede a reparação resultam da omissão de cumprimento de deveres que lhe incumbiam enquanto concessionária, nos termos do contrato de concessão
Na verdade, a R. CTT – Correios de Portugal SA, é uma sociedade anónima concessionária do serviço postal universal e, portanto, sendo uma pessoa colectiva de direito privado, só será de atribuir a competência em razão da matéria à jurisdição administrativa se o litígio se enquadrar na alínea i), do nº 1 do art. 4º do ETAF: “responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas coletivas de direito público”.
Relacionado com esta regra de competência, o nº 5 do art. 1º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31.12, estipula que “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Segundo as bases da concessão do serviço postal universal aprovadas pelo DL nº 448/99, de 4 de Novembro (alterado pelos DL nºs 150/2001, de 7 de Maio, 116/2003, de 12 de Junho, 112/2006, de 9 de Junho e 160/2013, de 19 de Novembro) a concessão tem por objecto:
a) A prestação do serviço postal universal nos termos e com o âmbito definido nos artigos 10.º a 12.º da Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, incluindo o serviço de correio registado utilizado em procedimentos judiciais ou administrativos;
b) A emissão e venda de selos, de bilhetes-postais estampilhados e de outras formas estampilhadas com a menção «Portugal»;
c) A colocação na via pública de marcos e caixas de correio destinados à aceitação de envios postais;
d) A prestação do serviço público de caixa postal eletrónica previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/2006, de 5 de maio, e definido no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 112/2006, de 9 de junho, que permite aos aderentes a este serviço receber, por via eletrónica ou por via eletrónica e física, comunicações escritas ou outras provenientes dos serviços e organismos da administração direta, indireta ou autónoma do Estado, bem como das entidades administrativas independentes e dos tribunais, incluindo, designadamente, citações e notificações no quadro de procedimentos administrativos ou de processos judiciais, de qualquer natureza, faturas, avisos de receção, correspondência e publicidade endereçada;
e) A prestação do serviço de ordens de pagamento especiais que permite efetuar a transferência de fundos, por via eletrónica e física, no âmbito nacional e internacional, designado por serviço de vales postais;
2 - O serviço de correio registado utilizado em procedimentos judiciais ou administrativos referido na alínea a) do número anterior, bem como os serviços e atividades referidos nas alíneas b), c) e e) do mesmo número, são prestados pela concessionária em regime de exclusividade.
3 - A concessão integra a manutenção, desenvolvimento e exploração do conjunto de meios humanos e materiais necessários à prestação do serviço postal universal e dos demais serviços e atividades integrados no objeto da concessão, os quais consistem na rede postal afeta à concessão.
4 - Para além do disposto no n.º 1, pode o concedente, por razões de interesse público, cometer à concessionária a exploração de outros serviços, mediante condições a acordar entre ambas as partes, que ficam integrados em aditamento ao contrato de concessão, precedido da correspondente alteração às presentes bases da concessão”.
E estipula o art. 12º do regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais, aprovado pela Lei nº 17/2012, de 26.04, que:
1 - O serviço universal compreende um serviço postal, no âmbito nacional e internacional, de envios de correspondência, excluindo a publicidade endereçada, e ainda de envio de catálogos, livros, jornais e outras publicações periódicas até 2 kg de peso e de encomendas postais até 10 kg de peso, bem como um serviço de envios registados e um serviço de envios com valor declarado.
2 - Não estão abrangidos pelo serviço universal os serviços de correio expresso, entendendo-se como tais os serviços de valor acrescentado, caracterizados pela aceitação, tratamento, transporte e distribuição, com celeridade acrescida, de envios postais, diferenciando-se dos respetivos serviços postais de base por um conjunto de características suplementares, tais como:
a) Prazos de entrega predefinidos;
b) Registo de envios;
c) Garantia de responsabilidade do prestador, mediante seguro pelo qual o remetente conheça previamente a fórmula de ressarcimento dos prejuízos causados;
d) Controlo do percurso dos envios pelo circuito operacional do prestador, permitindo a identificação do estado dos envios e informação ao cliente.
3 - O serviço universal abrange igualmente a entrega no território nacional de encomendas postais recebidas de outros Estados membros da União Europeia com peso até 20 kg.
4 - Os prestadores de serviço universal devem assegurar uma recolha e uma distribuição dos envios postais abrangidos no âmbito do serviço universal pelo menos uma vez por dia, em todos os dias úteis, salvo em circunstâncias ou condições geográficas excecionais previamente definidas pelo ICP-ANACOM.
5 - A distribuição a que se refere o número anterior é feita no domicílio do destinatário ou, nos casos e condições previamente definidas pelo ICP-ANACOM, em instalações apropriadas”.
Face aos termos em que a A. configurou a acção não estamos perante actividade da R. que resulte do exercício de prerrogativas de poder público ou seja regulada por disposições ou princípios de direito administrativo de molde a que os eventuais danos causados possam ser ressarcidos através de acção de competência dos tribunais administrativos por via da alínea h) do nº 1 do art. 4º do ETAF.
Deste modo, não se inscrevendo a acção em nenhuma das alíneas do nº 1 do art. 4.º do ETAF, que permitam submeter o litígio ao âmbito da jurisdição administrativa, e sendo da competência dos tribunais judiciais conhecer e decidir as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conclui-se que a competência material para conhecer da presente acção cabe à jurisdição comum.

Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a acção o Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Instância Local Cível da Póvoa do Varzim, Juiz 1.
Sem custas.

Lisboa, 14 de julho de 2022. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.