Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:08/02
Data do Acordão:04/03/2003
Tribunal:CONFLITOS
Relator:OLIVEIRA BARROS
Descritores:TRIBUNAL DE CONFLITOS
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS FISCAIS.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CÍVEL.
EXECUÇÃO FISCAL.
OPOSIÇÃO Á EXECUÇÃO.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO.
Sumário:I - Para que ocorra um conflito negativo de jurisdição importa que ambos os Tribunais, de diferentes jurisdição, se declarem incompetentes para conhecer da questão.
II - Assim não se verifica tal conflito se o Tribunal Tributário, em processo de execução fiscal, decidiu que "os títulos de cobrança na execução fiscal são equiparados a decisões com trânsito em julgado e não se pode discutir, na execução, a legalidade da liquidação da dívida exequenda, salvo nas excepções previstas" na lei, que julgou não ocorrerem, pelo que "indeferiu liminarmente" a oposição à execução sem se declarar incompetente na matéria, e se o Tribunal cível se limitou a decidir ser efectivamente a via da oposição à execução nos tribunais tributários a própria para suscitar a questão da ilegalidade da dívida exequenda.
Nº Convencional:JSTA00059194
Nº do Documento:SAC2003040308
Data de Entrada:10/02/2002
Recorrente:A... NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL TRIBUTÁRIO E O TRIBUNAL COMUM
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO
Objecto:NEGATIVO JURISDIÇÃO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO - TRIBUNAL CÍVEL.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL/OPOSIÇÃO.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART115 N1 ART118 N1 ART199 ART288 N1 B .
CPTRIB91 ART123 ART286.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos :
I - Relatório :
1. A Caixa Geral de Depósitos instaurou, ao abrigo de estatuto especial quanto ao foro, contra A... processo de execução fiscal - Proc. n.º 1119/92 da Repartição de Finanças do 10° Bairro Fiscal de Lisboa - para cobrança coerciva da quantia de 7.780.241$00 e juros respectivos relativa a descoberto em conta resultante de operações de bolsa efectuadas em 1987.
O assim executado deduziu oposição fundada, em indicados termos, no art. 286°, als. a), g) e h) d Cód. Proc. Tributário (CPT) então em vigor.
Essa oposição foi, por despacho de 21/12/93, objecto de indeferimento liminar (v. cópia a fls. 59 2.) com fundamento, nomeadamente, em que "os títulos de cobrança na execução fiscal são equiparados a decisões com trânsito em julgado e não se pode discutir, na execução, a legalidade da liquidação da dívida exequenda, salvo nas excepções previstas "na lei, que se julgou não ocorrerem.
Considerou-se, designadamente, não ser de admitir em oposição a execução fiscal " a apreciação da ilegalidade em concreto da dívida exequenda : para isso, há sempre outros caminhos idóneos, e respectivos prazos: - a impugnação, nas dívidas emergentes de actos tributários, - e, nas de outra proveniência, o foro próprio correspondente, para além dos meios graciosos".
Concluiu-se, nessa base, que ocorria "a excepção da inidoneidade do meio processual empregado pois adequados eram os meios graciosos" (último parágrafo da penúltima página do despacho em causa, a fls. 77 destes autos); não se verificar qualquer dos fundamentos tipicizados no art.º 286° CPT; e obstar a predita excepção dilatória ao conhecimento do mérito da causa e dar lugar à absolvição da instância então proferida (art.º 493°, n.º 2, CPC).
2. O executado intentou então no foro comum acção declarativa com processo comum na forma ordinária de simples apreciação negativa – Proc. n.º 9/00 da 3ª Secção da 8ª Vara Cível da comarca de Lisboa - destinada a obter a declaração da inexistência de qualquer dívida do A. à Ré referente às operações de bolsa por ele intermediadas em 1987.
Essa acção foi, no saneador, objecto de indeferimento (dito) liminar fundado em que, uma vez intentada a acção executiva, só nesses autos podia o então A. apresentar defesa.
Adiantou-se nesse despacho que todos os argumentos deduzidos nessa acção o podiam e deviam te sido na oposição à execução fiscal, incluindo a invocada ilegalidade, conforme art. 286°, n.º 1°, al. g), CPT e Ac. STA de 15/3/74, Acórdãos Doutrinais, ano XIII, 1525, e mais não se pretender nesta subsequente acção que obter uma decisão contrária a outra já proferida no processo próprio, em que não se deduziu a oposição adequada ou em que a decisão da oposição deduzida foi desfavorável – objectivo este já julgado inadmissível em Ac. STJ de 6/7/91, BMJ 409/694.
O indeferimento referido foi mantido pela Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3. Esclareceu, nomeadamente, o Supremo Tribunal de Justiça que, residual, consoante art. 66° CPC, a competência dos tribunais judiciais em razão da matéria, uma vez aceite a execução pelo tribunal fiscal, se fixou a competência do mesmo ratione materiae, e, em consequência, a incompetência dos tribunais judiciais em razão da matéria para conhecer das questões suscitadas nessa execução.
Só nela, prosseguiu, podendo o executado defender os seus interesses, deduzindo, como fez, oposição em que a exequente foi absolvida da instância, deixou, no entanto, transitar em julgado essa decisão, permitindo o prosseguimento da execução fiscal.
Assim - sibi imputet - fixada definitivamente a quantia exequenda, e a certeza e exigibilidade da dívida, daí, em vista do art. 4°, n.º 2º, al. a), CPC, a inviabilidade, segundo então se concluiu, da falada acção de simples apreciação negativa, dado não haver dúvida sobre a existência do direito da demandada e da dívida do então recorrente.
O Tribunal Constitucional decidiu liminarmente não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto para esse Tribunal, dado não ter sido suscitada perante o tribunal recorrido qualquer questão de inconstitucionalidade normativa (art. 70º, n.º 1, al. b), LOTC).
4. O demandado na execução fiscal, demandante na acção cível de simples apreciação negativa, requer agora a resolução do que considera constituir conflito negativo de jurisdição.
Na tese do requerente, antes de certo modo indicado como próprio o foro comum, retira-se, pelo contrário, das decisões supra referidas a conclusão de que se entendeu ser da jurisdição do tribunal tributário, pela via da oposição deduzida, o conhecimento da ilegalidade da dívida, ou, nos termos da petição inicial, da sua inexistência.
5. Ouvidas as autoridades ditas em conflito (art. 118° CPC), o 2° Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa informou ter o 7° Juízo desse Tribunal sido extinto, tendo o processo de oposição aludido – n.º 159/93 desse Juízo - sido transferido para a 2ª Secção do 2° Juízo e, findo por decisão transitada em julgado de 9/5/94, ter sido remetido ao 10° Bairro Fiscal de Lisboa, para aí ficar arquivado, dado que, aí instaurada a execução fiscal, era essa a sua origem.
Em resposta à notificação recebida, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
A 8ª Vara Cível da comarca de Lisboa respondeu, por sua vez, em suma, o seguinte :
No tribunal tributário considerou-se que o aí executado devia ter lançado atempadamente mão dos meios comuns de oposição à liquidação, quer graciosos, quer contenciosos, e encontrar-se, porque assim não fez, precludido o direito de oposição.
Não se extrai desse despacho que o aí executado devesse dirigir-se à jurisdição comum.
O que, por sua vez, se decidiu nos autos que correram termos no tribunal comum foi que, uma vez que existia decisão final do tribunal tributário, o tribunal comum não podia conhecer da mesma matéria para eventualmente proferir decisão contrária.
Ambos os tribunais referidos apreciaram a questão de fundo suscitada.
Em nenhum dos respectivos despachos se declarou a incompetência do tribunal para dela conhecer.
6. Na alegação respectiva (art. 120°, n.º 1°, CPC), o requerente sustenta, em síntese, quanto segue:
O tribunal tributário referiu os meios graciosos (reclamação e recurso hierárquico) e a impugnação judicial das dívidas emergentes de actos tributários, e remeteu, afinal, o requerente para o foro próprio, competente, em relação às dívidas de outra proveniência, ou seja, o foro comum, designadamente por estar em causa a forma de cálculo de juros remuneratórios, moratórios e despesas. Na verdade :
Na medida em que através dos meios graciosos se põe em causa a liquidação, que é uma “declaração de direitos tributários”, esses meios só cabem de actos tributários, consoante arts. 95°e 100º CPT.
A impugnação judicial é no caso legalmente impossível, em vista dos arts. 11º e 248°, al. a) CPT, dado o título executivo em questão não resultar de um acto tributário, não sendo certidão extraída de nota de cobrança relativa a contribuições, taxas, impostos ou outras receitas do Estado.
Restando o meio de oposição à execução usado ou o recurso aos meios comuns, aquele pode ter sido menos bem afastado pelo menos em relação ao fundamento de oposição à execução previsto na al. g) do art. 286° CPT, dado não estar assegurado pela lei meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, devendo ter-se aceitado discutir a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda.
De todo o modo, ao decidir como decidiu, o tribunal tributário considerou-se, ao menos indirectamente, incompetente, visto que se o meio processual usado não é o próprio e se aquele para que se aponta é de outro foro, está a reconhecer-se a incompetência do tribunal para julgar a questão de fundo.
No tocante à decisão do tribunal cível, faz notar, em suma, ter o tribunal tributário proferido absolvição da instância com o alcance e efeitos previstos no art. 289º CPC.
7. Formula, nessa conformidade, as conclusões seguintes:
1ª - Na oposição à execução, o tribunal tributário decidiu absolver a exequente da instância por inidoneidade do meio processual usado pelo oponente, que deveria ter sido outro: impugnação judicial, uso dos meios graciosos ou o foro próprio competente, isto é, o foro comum.
2ª - A alegada dívida exequenda não era emergente de acto tributário, pelo que não caberia ao caso a impugnação judicial tributária (art. 118 CPT), nem qualquer dos meios graciosos de impugnação da liquidação tributária (reclamação ou recurso hierárquico previstos nos arts. 95° e 100º CPT ).
3ª- Ao decidir assim, o tribunal tributário considerou-se, ao menos indirectamente, incompetente, considerando, ao invés, competente o foro comum, isto é, o tribunal judicial.
4ª - Nos termos do art. 289º, n.º 1 , CPC, foi, assim, proposta nova acção com o mesmo objecto – inexistência da dívida -, isto é, uma acção declarativa de simples apreciação negativa, no foro comum.
5ª - A petição dessa acção foi liminarmente indeferida porque todos os argumentos aí expendidos o poderiam e deveriam ter sido pelo autor na oposição à execução fiscal, sob pena de se estar aqui a pretender um efeito contrário à decisão judicial tributária.
6ª – Assim sendo, o tribunal judicial está também a considerar-se incompetente para resolver a questão, remetendo, por sua vez, para o foro tributário.
7ª – Está, pois, instalado, nos termos do art. 115°, n.º 1, CPC, um conflito negativo de jurisdição entre tribunais de ordens jurisdicionais diferentes que declinam conhecer da mesma questão: a inexistência da dívida ou a ilegalidade da sua liquidação.
8ª - O Mº Pº considera, por sua vez, em síntese :
- não ocorrer conflito de jurisdição, visto que em nenhum dos julgados se declarou a incompetência do tribunal para conhecer da questão de fundo;
- definitivamente fixada a quantia exequenda com o trânsito em julgado da decisão proferida no tribunal tributário, não poder o requerente invocar depois um conflito de jurisdição que, na verdade, não existe.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Assim :
II – Fundamentação:
Presente o disposto nos arts. 97º ss LPTA e 115° ss CPC, importa salientar quanto segue:
De harmonia com o art. 115º, n.º 1, CPC, há conflito negativo de jurisdição quando dois tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes declinam o poder de conhecer da mesma questão.
A questão prévia a que importa, antes de mais, dar solução é a de determinar se tal efectivamente se verifica, ou não, no caso ocorrente.
Caso afirmativo, haverá, na realidade, um conflito a resolver; caso negativo, teria sido, inclusivamente, caso do indeferimento liminar que o n° 1º do art. 118° CPC prevê.
A romper, pois, se diga que, na realidade, nem o tribunal tributário, nem o tribunal comum declinaram o poder de conhecer de questão suscitada pelo ora recorrente na execução fiscal a que deduziu oposição.
No que ora mais releva, começou, na verdade, o primeiro por fazer notar que "os títulos de cobrança na execução fiscal são equiparados a decisões com trânsito em julgado e não se pode discutir, na execução, a legalidade da liquidação da dívida exequenda, salvo nas excepções previstas " na lei, que julgou não ocorrerem.
Transitada em julgado, a bondade dessa decisão, em que, além do mais, aparentemente se confunde indeferimento liminar da oposição com, a final, absolvição da instância respectiva, está, de qualquer forma, agora, fora de questão.
Em todo o caso, considerada não preenchida a previsão das alíneas do art. 286° CPT invocadas, e por isso inadmissível a oposição à execução deduzida, a questão proposta, dado que começou por referir-se à inidoneidade do meio processual empregado, foi, de facto, situada, no tribunal tributário, em sede, antes de mais, de erro na forma do processo, previsto nos arts. 199º e 288°, n.º 1°, al. b), CPC ).
Com referência ao prazo respectivo, julgou, no entanto, também, precludida, por inatempada, a defesa deduzida, aludindo, então, ao foro próprio e, assim, a eventualmente alheia competência em razão da matéria para conhecer dessa defesa.
Referidos, expressamente, os meios graciosos ( v. I, 1., supra ) , e os prazos a observar (v., designadamente, art. 123° CPT), e equiparados os títulos de cobrança na execução fiscal a decisões com trânsito em julgado, não é, em tal contexto, exacto que o tribunal tributário tenha declinado o seu poder para conhecer de questão que lhe foi submetida e remetido o ora requerente para a jurisdição comum.
As decisões proferidas no foro comum limitaram-se, por sua vez, a considerar, em suma, ser a via da oposição à execução a própria para suscitar a questão da ilegalidade da dívida exequenda (como, enfim, o próprio requerente admite na alegação respectiva): de algum modo indicando não se poder, por assim dizer, voltar atrás e suprir, pela via depois empreendida, a falta de recurso oportuno da decisão do tribunal tributário, através da obtenção, no foro comum, de decisão com efeito contrário à proferida naquele tribunal, transitada em julgado. Alcança-se, em vista do que ficou observado, a seguinte
III - Decisão :
Uma vez que, analisadas as decisões mencionadas, se conclui não configurar-se, na realidade, o conflito de jurisdição arguido, acorda-se, neste Tribunal, em indeferir o requerimento da sua resolução.
Custas pelo requerente.
Lisboa, 3 de Abril de 2003.
Oliveira Barros – Relator – Angelina Domingues – Simas Santos – Pais Borges – Ponce Leão – João Cordeiro