Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:01/19
Data do Acordão:04/11/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:PRÉ-CONFLITO
BANCO ESPÍRITO SANTO
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - Compete à jurisdição comum, «ratione materiae», apreciar o pedido indemnizatório movido ao BES, a um funcionário bancário, ao Novo Banco e ao seu acionista (o Fundo de Resolução), pedido esse fundado na dissipação ilícita e desleal de quantias aplicadas pelo autor naquele 1.º réu.
II - Porém, o conhecimento do mesmo pedido, enquanto formulado contra o Banco de Portugal e a CMVM por alegado incumprimento dos deveres de supervisão e vigilância, compete à jurisdição administrativa.
Nº Convencional:JSTA000P24461
Nº do Documento:SAC2019041101
Recorrente:A………., NO CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA - JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LISBOA - JUIZ 14 E OS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO N.º 1/19

Acordam no Tribunal dos Conflitos:
A………, identificado nos autos, accionou no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa seis réus - o Banco Espírito Santo, SA, o Banco de Portugal, o Novo Banco, SA, o Fundo de Resolução, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e B……….. - pedindo a condenação solidária deles a pagar-lhe a importância de €358.042,91.
O autor fundamentou esse pedido, a título principal, na responsabilidade civil dos réus, «enquanto intermediários financeiros», por violação dos deveres de informação, lealdade e diligência; e, a título subsidiário, baseou igual pedido condenatório na nulidade do contrato de intermediação financeira supostamente celebrado entre si e o 1.º réu.

Aquele Tribunal Judicial julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao BES. E absolveu todos os outros réus da instância por incompetência em razão da matéria.
Conhecendo da apelação do autor, a Relação de Lisboa revogou o decidido quanto ao BES. Mas manteve a declaração de incompetência emitida na 1.ª instância - que estendeu ao pedido formulado contra esse 1.º réu - por considerar que o conhecimento da acção incumbe, no seu todo, à jurisdição administrativa, «ex vi» do art. 4º, n.º 2, do ETAF.

O autor recorreu desse acórdão para o STJ, onde tal meio impugnatório foi convolado em «recurso para o Tribunal de Conflitos».

O Ex.º Magistrado do Mº Pº neste Tribunal dos Conflitos emitiu parecer no sentido de apenas se confirmar a pronúncia da Relação quanto ao conhecimento dos pedidos formulados contra o Banco de Portugal e a CMVM.

Cumpre decidir.
Depara-se-nos um recurso tipicamente previsto no art. 101º, n.º 2, do CPC, a que se dá a designação vulgar de «pré-conflito». Face à dita norma, incumbe a este tribunal determinar a jurisdição competente, «ratione materiae», para julgar o pleito dos autos. E a resolução desse assunto passa pela índole dos pedidos formulados, esclarecidos pela sua «causa petendi», sem prejuízo da eventual aplicabilidade do art. 4º, n.º 2, do ETAF.
A acção dos presentes autos baseia-se em condutas desleais e ilícitas ocorridas no BES - imediatamente imputáveis ao 1.º réu e à 6.ª ré, por um lado, e mantidas ou acobertadas pelos demais réus, por outro - por via das quais certos valores monetários do autor foram objecto de aplicações financeiras que, na sequência do processo de resolução desse Banco, inteiramente se esfumaram.
Ora, a mesma temática foi recentemente enfrentada neste Tribunal dos Conflitos (cfr. os acórdãos de 14/2/2019, proferidos nos Conflitos ns.º 31/18 e 46/18), que apenas atribuiu à jurisdição administrativa a competência para o conhecimento de pedidos do género dirigidos ao Banco de Portugal e à CMVM.
Esses acórdãos recusaram que o art. 4º, n.º 2, do ETAF se aplicasse a situações como a presente, em termos de aproximar o Banco de Portugal e a CMVM da responsabilidade civil imputada aos outros réus. Para tanto, os arestos ponderaram que tais entidades, simplesmente demandadas por incúria no cumprimento dos seus deveres de supervisão ou vigilância, não podem ser vistos - à luz da própria petição - como concorrentes «em conjunto» com os réus particulares no surgimento dos danos.
Por outro lado, tais acórdãos assinalaram que o Fundo de Resolução, apesar de ser uma entidade pública, não vem demandado «qua tale», mas apenas enquanto detentor do capital do Novo Banco. Razão por que aí se decidiu que o pedido dirigido a esse Fundo deve ser também conhecido nos tribunais comuns.
Ora, justifica-se que sigamos essa recente jurisprudência. Pelo que o aresto da Relação de Lisboa, presentemente «sub specie», só pode ser confirmado no segmento em que declarou a incompetência material para o conhecimento dos pedidos ligados ao Banco de Portugal e à CMVM - visto que só esse assunto está reservado para a jurisdição administrativa, nos termos gerais do ETAF. E o dito aresto deve ser revogado na parte em que afirmou a incompetência dos tribunais judiciais relativamente aos pedidos formulados contra os outros quatro réus.

Nestes termos, e revogando parcialmente o acórdão recorrido, acordam em declarar competente a jurisdição comum para o conhecimento da acção dos autos, excepto quanto aos pedidos dirigidos ao Banco de Portugal e à CMVM, cujo conhecimento compete à jurisdição administrativa, sendo tal acórdão confirmado neste último segmento.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Abril de 2019. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Maria de Fátima Morais Gomes - Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Júlio Alberto Carneiro Pereira - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Manuel Pereira Augusto de Matos.