Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:025/18
Data do Acordão:11/08/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Sumário: As verbas pagas a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho e não a título de remuneração pelo trabalho prestado, processa-se no âmbito de uma relação jurídico-privada, afastando a aplicação de qualquer norma de direito público.
Se a acção não é intentada contra qualquer sujeito público, nem tão pouco contra qualquer entidade privada investida de poderes públicos; tudo se desenrola, no âmbito de uma relação jurídico privada, ou seja, decorre das relações emergentes da celebração e posterior cessação de um contrato individual de trabalho de direito privado.
E o mesmo ocorre relativamente aos pedidos formulados a título subsidiário, dado que o objectivo do autor, com a interposição da presente acção consiste apenas em efectivar a responsabilidade civil de uma sociedade comercial – privada - constituindo matéria afastada do âmbito da jurisdição administrativa – cfr. artº 4º, nº 1, al. h) e nº 4º do ETAF.
Assim, importa concluir pela incompetência em razão da matéria no que concerne à jurisdição administrativa, apresentando-se como competentes os tribunais da jurisdição comum, in casu o Tribunal de Trabalho de Sintra para conhecer do mérito da acção.
Nº Convencional:JSTA000P23819
Nº do Documento:SAC20181108025
Data de Entrada:04/30/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, JUÍZO DO TRABALHO DE SINTRA, JUIZ 3 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE SINTRA, UNIDADE ORGÂNICA 3
RECORRENTE: A.............
RECORRIDO: B................
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
A…………… intentou junto do Juízo de Trabalho de Sintra - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - a presente acção contra a B………….., S.A., pedindo ao Tribunal que “declare que as quantias de 515,54€ e 257,79€ pagas pela ré ao autor pela cessação do contrato de trabalho, antes do prazo estabelecido em 28.02.2014, têm a natureza de indemnização e não de remuneração e, em consequência, que a ré seja condenada a:

«a) Comunicar à Segurança Social que as quantias que declarou como remuneração do trabalho do Autor, respeitantes ao período de 1 de março de 2014 a 15 de abril de 2014, tinham a natureza de indemnização por cessação, antes do termo do prazo, do contrato de trabalho e não de remunerações, como erradamente ficou declarado, bem como solicitar a anulação de tal declaração.

b) Caso se entenda que a ré não está obrigada a fazer a comunicação atrás mencionada à Segurança Social, seja a mesma condenada a pagar ao Autor a quantia de 2.010,83€ a título de indemnização de prejuízos, cuja devolução a Segurança Social está a exigir ao autor, acrescida de juros e outros encargos a que houver lugar.

c) Seja a ré condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão em que (for) condenada, de valor a fixar (...), segundo critérios de razoabilidade, nos termos do art. 829º-A do C. Civil»

Alega para tanto e em síntese:

- Que celebrou por escrito um contrato de trabalho com a ré, a termo certo, susceptível de renovação automática, e que, antes do termo do prazo da segunda renovação, a ré lhe comunicou que não pretendia proceder a nova renovação e que cessaria as suas funções em 28 de Fevereiro de 2014.

- Que, nessa sequência, lhe foram pagas, em Abril do mesmo ano, as quantias de 515,54€ e 257,79€ que a ré qualificou como remunerações de trabalho do mês de Março e de 1 a 15 de Abril de 2014, as quais, no seu entendimento, não têm a natureza de remuneração de trabalho, mas sim de compensação pela cessação do contrato antes do termo.

- Que, por força da declaração feita nestes termos junto da Segurança Social, esta instituição exigiu-lhe a devolução da quantia de 2.010,83€ (dois mil e dez euros e oitenta e três cêntimos), que lhe tinha sido entregue a título de subsídio de desemprego referente ao período de Março e de 1 a 15 de Abril de 2014.


*

O Juízo de Trabalho de Sintra, por despacho saneador de 19-10-2017, pronunciou-se pela incompetência em razão da matéria, nos seguintes termos:

«(…)

Os Juízos de Trabalho sendo secções de competência especializada só têm competência para conhecer de determinadas matérias e a sua competência em matéria cível consta do art.° 126.° da LOSJ.

Nesse preceito prevê-se o conjunto de matérias cuja apreciação o legislador achou por bem atribuir exclusivamente aos tribunais do trabalho. Porém, prevêem-se excepções, tal como a que consta da alínea n), na qual se prevê a competência do tribunal de trabalho para conhecer “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente.”

Logo, como resulta do preceituado na citada alínea, a competência do Tribunal de trabalho só ocorre quando exista conexão objectiva entre o pedido relativo à matéria contributiva e o(s) pedido(s) emergente(s) da relação laboral, leia-se, quando exista entre os pedidos uma relação de dependência que implique o julgamento da causa pelo mesmo Tribunal (neste sentido ver Ac. STJ de 15/2/2005 Doc. n° SJ200502150030374 in www.dgsi.pt bem como acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-12-2013, igualmente disponível em www.dgsi.pt).

Como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 7 de Março de 2007 (proc. N° 9393/2006- 4, in www.dgsi.pt): «o autor/apelado, para além de formular pedidos para cuja apreciação o Tribunal a quo tinha directa competência (pedido de condenação da ré no pagamento de diuturnidades, férias, subsídio de férias e de Natal, indemnização por antiguidade, etc.), também pede a condenação da apelante a entregar à Segurança Social a quantia (...) referente a contribuições e descontos que deveria ter suportado (...) não restam dúvidas de que a relação contributiva está dependente da relação laboral, uma vez que se esta não existisse, a ré não teria a obrigação de pagar contribuições à Segurança Social, relativamente à pessoa do aqui autor. Acontece, porém, que entre os pedidos emergentes da relação laboral e o pedido de condenação da ré no pagamento das contribuições à Segurança Social não existe nenhuma das referidas modalidades de conexão sendo autónomos e independentes entre si. Com efeito, a formulação daqueles não depende da formulação deste e vice- versa. Cada um deles pode ser formulado separadamente.»

A incompetência material é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa na parte a que respeita, implicando a absolvição do réu da instância - artigos 493°, nºs 1 e 2, 494.º, alínea a), e 495°, todos do Cód. Processo Civil.

(…)

Nestes termos e pelo exposto, declara-se o Juízo do Trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de condenação da ré a regularizar a situação contributiva do autor e a realizar os correctos descontos para a Segurança Social, absolvendo-a da instância, ficando ainda prejudicado o conhecimento das demais questões submetidas à apreciação deste Tribunal(…)»


*

Remetidos os autos ao TAF de Sintra, veio este a proferir decisão nos seguintes termos:

«A presente acção foi intentada como «acção declarativa emergente de contrato de trabalho com processo comum» junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho que, por despacho saneador-sentença de fls. 38 e 39 do processo físico, se declarou materialmente incompetente para conhecer quer do pedido principal quer do pedido subsidiário deduzido pelo Autor.

A fls. 40 (verso) do processo físico, o Autor requereu a remessa do processo ao tribunal administrativo competente, ao abrigo do artigo 99°, n° 2, do Código de Processo Civil (doravante, “CPC”).

(…)

Concluídos que foram os autos e considerando que:

a) Verifica-se uma questão de incompetência deste Tribunal que é de conhecimento oficioso e obsta ao conhecimento do mérito da causa [cfr. artigo 89°, n° 2, e n° 4, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 2 de Outubro (doravante, “CPTA”)].

(…)

Cumpre dela conhecer de imediato.

A competência de um tribunal, enquanto pressuposto processual, afere-se pela natureza da relação jurídica tal como configurada pelo autor na petição inicial, face ao binómio pedido e causa de pedir. Se é exclusivamente pelo confronto do efeito jurídico que se pretende obter com a acção e do(s) facto(s) jurídico(s) de que procede o pedido que se apura a competência do tribunal, mormente em razão da matéria, logo se conclui que irreleva, para este efeito, qualquer tipo de indagação acerca do mérito do pedido do Autor.

A competência material dos tribunais administrativos e fiscais é determinada em razão do critério da atribuição positiva: compete a estes tribunais o julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (cfr. artigos 202°, n° 1, e 212°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1° do Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro - doravante, “ETAF”).

Esse mesmo entendimento é confirmado pela cláusula geral inserta na norma da alínea o) do n° 1 do artigo 4° do ETAF que, após a enumeração vertida nas alíneas a) a i) desse preceito, estatui que «compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a: o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores».

Inexistindo um conceito legal de relação jurídica administrativa, o termo pode ser tomado em distintos sentidos, agrupáveis - segundo a lição de João Carlos Vieira de Andrade na qual aqui nos louvamos - em três concepções:

«Pode ser entendido, num sentido subjectivo, em termos de incluir qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva pública - a razão de ser da existência de uma jurisdição especial seria a presença da Administração Pública enquanto sujeito da relação, independentemente da veste em que actuasse, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação.

Mas também pode entender-se, em termos predominantemente objectivos, como as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo - nesse sentido, a razão de ser da jurisdição administrativa seria, por contraposição com a jurisdição dita ‘comum’, a existência de um estatuto especial do sujeito público, designadamente, a presença de elementos de autoridade administrativa.

E há ainda um outro entendimento, que faz corresponder o carácter ‘administrativo’ da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa. Resultaria do contexto constitucional que o domínio considerado próprio dos tribunais administrativos abrange as relações jurídicas que correspondam ao exercício da função administrativa, entendido em sentido material. Ora, tal como assim se excluem da justiça administrativa os litígios relativos às actividades materialmente políticas, jurisdicionais e legislativas, remetendo para uma distinção substancial entre as funções do Estado, também, se identificaria, para esse efeito, uma função que pode ser desenvolvida por particulares e não tem de estar estatutariamente si ao direito administrativo» (Cfr. A Justiça Administrativa —Lições, 2014,13.ª edição, p. 48.).

Independentemente da posição que a este respeito se adopte, cabe sublinhar que essa posição sempre deverá assumir um carácter flexível e relativo, não excluindo soluções justificadas de alargamento ou de compressão da competência da jurisdição administrativa e fiscal pelo legislador.

No que respeita à possibilidade de alargamento de competências - que mais importa para a dilucidação da questão de (in)competência em causa nos autos - e como refere João Carlos Vieira de Andrade, as normas constitucionais atrás identificadas têm sido interpretadas no sentido da admissão generalizada de:

«Atribuição legal aos tribunais administrativos da resolução de litígios referentes à actividade da Administração, ainda que respeitassem a relações ou incluíssem aspectos de direito privado - assim, por exemplo, considerou-se admissível a atribuição à jurisdição administrativa da competência para julgar acções sobre contratos privados da Administração, ou para julgar acções de responsabilidade civil da Administração. Essa possibilidade tornava-se tanto mais aceitável quanto se verificava uma crescente utilização de mecanismos de direito privado pela Administração no exercício da função administrativa, muitas vezes através de entidades privadas ‘de mão pública’, tendo em conta a miscigenação prática do direito público com o direito privado e a necessidade de assegurar o respeito pelos princípios públicos em toda a actividade administrativa» (Cfr. A Justiça Administrativa cit, p. 92.).

Entendimento aliás adoptado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n° 371/94 e 630/94, de 11 de maio de 1994 e de 22 de Novembro de 1994, respectivamente.

Mas é inquestionável que essa extensão da competência dos tribunais administrativos para conhecer de litígios não enquadráveis em relações jurídicas qualificáveis como administrativas, do ponto de vista material, pressupõe, por um lado, a expressa previsão legal nesse sentido e, por outro, a presença ainda de um elemento de conexão com a jurisdição administrativa e fiscal.

Ora, a este título, constata-se que na definição da jurisdição administrativa, o legislador fez prevalecer, por vezes, critérios objectivos ou materiais, abstraindo da natureza subjectiva dos sujeitos e, outras vezes, deu relevância ao critério subjectivo ou orgânico. Dito de outro modo: nuns casos, foi a natureza administrativa da relação jurídica, no sentido estrito de relação jurídica regulada por normas de direito administrativo que ditou a sujeição dos respectivos litígios à resolução pelos tribunais administrativos, ainda que em tal relação não seja parte a Administração Pública, mas antes órgãos de outras funções do Estado ou até sujeitos privados a actuar no exercício de poderes ou funções administrativas; noutros casos, é a natureza ou forma jurídico-pública da entidade que delas é sujeito que dita a sua sujeição ao domínio da jurisdição administrativa, ainda que estejam em causa relações que não são reguladas total ou parcialmente por normas de direito administrativo. (Cfr. neste sentido, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, 2006, reimpressão da edição de 2004, anotação ao artigo 1°, p. 27.)

No presente caso, nenhum destes pressupostos está verificado. A um tempo, o legislador não estendeu a competência jurisdicional dos tribunais administrativos para o conhecimento de litígios que tenham por partes, activa e passiva, um trabalhador e a sua entidade patronal, referentes à qualificação das prestações pecuniárias pagas por esta última ao primeiro. A outro tempo, não existe neste litígio - tal como configurado pelo Autor - qualquer tipo de conexão relevante com o âmbito material de competência da jurisdição administrativa, seja ela objectiva ou material, seja ela subjectiva ou orgânica.

Com efeito, no pedido principal, o Autor não reage a qualquer actuação ou omissão da Administração Pública, de um ente jurídico-público em sentido lato (ainda que dotado de personalidade jurídica privada) ou de um sujeito privado investido de poderes públicos ou cuja actividade seja regulada por normas de direito administrativo. Sendo indiscutível que o pedido de condenação se dirige a uma sociedade comercial, que não é uma pessoa colectiva pública em sentido próprio, é evidente que não se verifica qualquer indício subjectivo de administratividade da relação jurídica. Por outro lado, não sendo a sociedade comercial demandada na acção um ente público em sentido lato, nem estando dotado de poderes de autoridade ou no exercício da função administrativa regulada por normas de direito administrativo, não existe, do mesmo modo, qualquer factor objectivo ou material de administratividade da mencionada relação. Razões que são suficientes, para afastar a competência da jurisdição administrativa para conhecer da presente questão.

A respeito do pedido principal, cabe ainda acrescentar que nele o Autor não visa a condenação da Ré à regularização da sua situação contributiva perante a Segurança Social ou seja, não está, explicita ou implicitamente, em causa a condenação da Ré ao pagamento de quaisquer contribuições para a segurança social. Razão pela qual não tem in casu aplicação o entendimento adoptado pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Outubro de 2016 extraído no processo n° 0623/16(a) — citado pelo Autor no requerimento de fls. 40 (verso) do processo físico - que, na linha da jurisprudência uniforme do Tribunal de Conflitos, reconheceu a competência dos tribunais tributários para conhecer desse tipo de litígios.

Por outro lado, o pedido subsidiário visa a efectivação da responsabilidade civil de uma sociedade comercial, entidade empregadora do Autor - um puro sujeito privado - que, manifestamente, não está abarcada pelo âmbito de aplicação do «regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público», aprovado pela Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro (cfr. artigo 1º do regime) e, em consequência, não cabe na previsão normativa da al. h) do n° 1 do artigo 4° do ETAF, estando, também excluído do âmbito da jurisdição administrativa.

Verifica-se, por isso, a incompetência material deste tribunal para conhecer do objecto da presente acção, o que constitui excepção dilatória que determina a absolvição da Ré da instância (cfr. as disposições conjugadas dos artigos 14°, n° 1, a contrario e 89°, n° 2, e n° 4, alínea a) do CPTA).

(…)

Julgo procedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria e, em consequência, absolvo a Ré instância».


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Com interesse para a decisão a proferir, atentemos na seguinte factualidade:

1. A presente acção foi instaurada no juízo do Trabalho de Sintra da Comarca de Lisboa Oeste.

2. Por despacho saneador proferido a 19.10.2017, já transitado em julgado, foram declarados os juízos do Trabalho incompetentes, em razão da matéria, para conhecer do pedido de condenação da ré a regularizar a situação contributiva do autor e a realizar os correctos descontos para a Segurança Social, absolvendo-a da instância.

3. Por requerimento apresentado a 05.11.2017, o A. requereu a remessa do processo para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, nos termos do art° 99°, n° 2 do Código de Processo Civil, por considerar ser esse o tribunal competente.

4. Por despacho proferido a 24.11.2017 foi determinada a remessa dos autos para os efeitos requeridos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

5. Por sua vez, por despacho proferido a 18.12.2017, também já transitado em julgado, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra entendeu não serem os tribunais administrativos materialmente competentes para conhecer do litígio em apreço, julgando procedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria e, em consequência, absolvendo igualmente a ré da instância.


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Verifica-se, pois, existir conflito negativo de jurisdição, uma vez que dois tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, através de decisões já transitadas em julgado, declinaram o poder de conhecer da mesma questão - art° 109°, n° 1 e 3 do Código de Processo Civil.

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A fls. 61 e vº veio o Ministério Público suscitar a resolução do Conflito Negativo de Competência, nos termos que ali constam.

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O Ministério Público junto deste Tribunal de Conflitos emitiu Parecer no sentido de ser atribuída a competência em razão da matéria, para conhecer dos presentes autos, aos Tribunais de Trabalho – cfr. fls. 70 a 72.

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O DIREITO

Cumpre decidir, atendendo a que os Tribunais supra identificados declinaram a competência, em razão da matéria, para o conhecimento da presente acção.


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É pacífico que a competência se afere em função dos termos como a acção é proposta, considerando a pretensão ou pretensões formuladas pelo autor e os respectivos fundamentos, ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial - cfr. entre outros, os doutos acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28.09.2010 - proc. 2/10, de 29-03-2011 - proc. 25/10, de 02-03-2011 - proc. 9/10 e de 09-09-2010 - proc. 011/10.

A acção, apelidada pelo autor de “Acção Declarativa Emergente de Contrato de Trabalho com processo Comum” foi proposta contra uma entidade privada, a sociedade B…………………., SA, no Juízo do Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.

Alega o autor, em síntese, que celebrou com a ré, por escrito particular, contrato de trabalho a termo certo, por 3 meses, que este foi renovado por 2 vezes e que o mesmo cessou em 28.02.2014, antes do termo do prazo da 2ª renovação, que se concluiria em 15.04.2014.

Que, por esse motivo, as quantias que a ré lhe pagou em Abril de 2014, no valor de 515,54€ e €257,79€ não têm a natureza de remuneração do trabalho, mas sim de compensação por cessação do contrato antes do termo, a qual tem natureza indemnizatória.

Mais alega que a ré declarou perante a Segurança Social, o pagamento daquelas quantias a título de remunerações de trabalho prestado, tendo procedido à entrega das contribuições da TSU correspondentes àquele pagamento, em relação ao mês de Março e de 1 a 15 de Abril de 2014.

Tal facto levou a que a Segurança Social o tivesse notificado para proceder à devolução do subsídio de desemprego que lhe havia sido concedido, por supostamente lhe ter sido atribuído em período de trabalho, com declarações de remuneração de trabalho.

Alega por isso que a ré procedeu de forma errada ao declarar aquelas quantias como remunerações, ficando deste modo obrigada a corrigir a referida declaração indevida junto da Segurança Social, o que desde logo peticiona – cfr. al. a) do petitório, que supra se transcreveu – dado que no seu entender as referidas quantias de 515,54€ e 257,79€ lhe foram pagas a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, e não de remuneração como erradamente ficou declarado.

Ora, face a esta causa de pedir e pedido que formula, não cremos que a competência em razão da matéria possa ser atribuída à jurisdição administrativa.

Na verdade, todo o desenvolvimento da acção, que culmina com o pedido principal de condenação da ré a declarar à Segurança Social que as referidas verbas foram pagas a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho e não a título de remuneração pelo trabalho prestado, se processa no âmbito de uma relação jurídico-privada, afastando a aplicação de qualquer norma de direito público.

A acção não é intentada contra qualquer sujeito público, nem tão pouco contra qualquer entidade privada investida de poderes públicos; tudo se desenrola, no âmbito de uma relação jurídico privada, ou seja, decorre das relações emergentes da celebração e posterior cessação de um contrato individual de trabalho de direito privado.

E o mesmo ocorre relativamente aos pedidos formulados a título subsidiário, dado que o objectivo do autor, com a interposição da presente acção consiste apenas em efectivar a responsabilidade civil de uma sociedade comercial – privada - constituindo matéria afastada do âmbito da jurisdição administrativa – cfr. artº 4º, nº 1, al. h) e nº 4º do ETAF.

Deste modo, face ao exposto, imposta concluir pela incompetência em razão da matéria no que concerne à jurisdição administrativa, apresentando-se como competentes os tribunais da jurisdição comum, in casu o Tribunal de Trabalho de Sintra para conhecer do mérito da presente acção.

DECISÃO:

Face ao exposto, atribui-se a competência em razão da matéria, para conhecer da presente acção declarativa ao Tribunal de Trabalho de Sintra.

Sem custas.

Lisboa, 8 de Novembro de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Pedro de Lima Gonçalves – António Bento São Pedro – António Gonçalves Rocha – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Hélder Alves de Almeida.