Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:022/18
Data do Acordão:09/27/2018
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
CONTRA-ORDENAÇÃO URBANÍSTICA
Sumário:A jurisdição comum é a competente em razão da matéria para conhecer de impugnação judicial que, no âmbito do processo de contra-ordenação aplicou ao arguido uma coima no montante de 750.00€, pelo facto da referida impugnação judicial dessa decisão ter sido apresentada, pelo Ministério Público, à distribuição como acusação em 22/09/2015, ou seja antes do início da vigência da norma prevista no artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF prevista no DL nº 214-G/2014 de 02/10.
Nº Convencional:JSTA00070933
Nº do Documento:SAC20180927022
Data de Entrada:04/13/2018
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO ENTRE A COMARCA DE LISBOA OESTE, SINTRA - INST. LOCAL - SECÇÃO CRIMINAL - J2 E O TAF DE SINTRA - UNIDADE ORGÂNICA 3.
RECORRENTE: A.......
RECORRIDA: CM DE SINTRA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Objecto:DECISÃO DA COMARCA DE LISBOA OESTE E TAF DE SINTRA
Decisão:ATRIBUI COMPETÊNCIA AOS TRIBUNAIS COMUNS
Área Temática 1:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Área Temática 2:RECURSO DE IMPUGNAÇÃO DE COIMA URBANISTICA
Legislação Nacional:ARTIGOS 209º, 211º, 212º DA CRP, ARTIGOS 4º, N.º 1, AL. L) E 5º, N.º 1 DO ETAF NA REDACÇÃO DO DL N.º 214-G/2015 DE 02/10, ARTIGO 59º DO DL N.º 433/82 DE 14/09
Aditamento:
Texto Integral: CONFLITO 22/18
Acordam no Tribunal de Conflitos

A…………. devidamente identificado nos autos, intentou no Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Instância Local – Secção Criminal, recurso de impugnação [cfr. fls. 51 e segs. dos autos] com vista à impugnação judicial da decisão do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, proferida nos autos de contra-ordenação nº 1-2290-2012, que lhe aplicou uma coima no montante de 750.00€ pela prática da contra-ordenação p.p. no artº 98º, nº 1, al d) e, nº 4 do DL nº 555/99 de 16/12, na redacção dada pelo DL nº 26/2010 de 30/03, pela violação do disposto no artº 4º, nº 5 do DL nº 555/99.

Remetidos os autos ao Ministério Público junto daquele tribunal, foram os mesmos remetidos à distribuição a 22/09/2015.


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Por decisão da Comarca de Lisboa Oeste, proferida em 17.09.2017, foi declarada a incompetência daquele tribunal em razão da matéria e determinada a remessa dos autos ao TAF de Sintra, considerando-se que de acordo com o disposto no artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, na redacção dada pelo DL nº 214-G/2015 de 02/10, compete aos Tribunais da Jurisdição Administrativa e Fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a impugnações judiciais de decisões da administração pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social, por violação de normas de direito administrativo, em matéria de urbanismo, assim declarando o tribunal incompetente e competente para apreciação do mérito o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

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Face a esta declaração de incompetência em razão da matéria, foram os autos remetidos ao TAF de Sintra.

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Este, por sua vez, mediante despacho de fls. 107 a 109, igualmente se declarou incompetente em razão da matéria, tendo para o efeito e, em síntese, consignado que, sendo a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa - data da apresentação pelo Ministério Público dos autos de contra-ordenação - o que ocorreu em 22.09.2015, data em que ainda não se encontrava em vigor a norma do artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, com as alterações introduzidas pelo DL nº 214-G/2015 de 02.10, impõe-se a conclusão de que o TAF é incompetente para julgar o presente recurso, cabendo a competência ao tribunal judicial.

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Atenta as duas decisões em confronto, já transitadas, por despacho oficiosamente proferido no TAF de Sintra em 04.04.2018, foi suscitada a resolução do presente conflito negativo de jurisdição entre o Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste e o TAF de Sintra, dado que ambas declinaram a competência própria para conhecer dos presentes autos.

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A Exmª Procuradora-Geral neste Tribunal dos Conflitos emitiu parecer no sentido de serem competentes para decidir a presente contra-ordenação, os tribunais comuns, dado que quando o Ministério Público ordenou a remessa dos autos à distribuição para a Instância Criminal, em 29.05.2015, ainda não estavam vigentes as alterações ao artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, que só entraram em vigor em 01.09.2016.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

2. A factualidade com relevo para a resolução do conflito a decidir e que resulta dos autos, é a supra referida em sede de relatório.


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A questão a dirimir no presente conflito de jurisdição consiste em saber se são os tribunais comuns ou os tribunais administrativos os competentes para conhecer de um recurso de impugnação judicial em que a decisão de aplicação da coima por parte da autoridade administrativa data de 03/08/2015, a impugnação data de 04.09.2015 e a remessa desta a Tribunal pelo Ministério Público data de 22.09.2015.

E atingimos um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição comum e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, decisões que, mutuamente, declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.

O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Também o artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, na redacção do DL 214-G/2015 de 02/10, em vigor desde 01.09.2016, dispõe que compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a “ impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que aplique, coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo”.

A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.

Cientes no entanto da causa de pedir e do pedido formulado nos presentes autos, e das datas relevantes, tudo indica que a competência para dirimir o litígio cabe à jurisdição comum, pois, em Conflitos semelhantes já foram resolvidos pelo Tribunal de Conflitos que, de forma unânime decidiu que, para efeitos de determinação da competência para a apreciação do recurso definida pelo artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF, na redacção introduzida pelo artº 15º nº 5 do DL nº 214-G/15 de 02.10, em vigor a partir de 01.09.2016, o que vale é a data da apresentação a juízo do recurso interposto, independentemente da data da instauração do processo contra-ordenacional.

Por outro lado, tendo em consideração que a competência do tribunal se fixa no momento da propositura da causa [cfr. artº 5º, nº 1 do ETAF], sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, há que, no caso, determinar em que data se considera proposta a acção, em face do disposto no artº 59º do DL nº 433/82 de 14/09 de onde resulta que a decisão administrativa é susceptível de impugnação judicial através do recurso de impugnação interposto pelo arguido e apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias, devendo constar de alegações e conclusões, após o que os autos são enviados ao Ministério Público que os tornará presença ao juiz, valendo este acto como acusação.

Ora, sobre esta questão, já se pronunciou por diversas vezes este Tribunal de Conflitos – v.g. entre outros, Conflitos 05/17 e 26/17 de 01.06.2017, Conflito 26/17 e 24/17 de 28.09.17, 22/17, 35/17, 39/17, 42/17, 34/17 e 33/17 todos de 09.11.2017 – todos no sentido de que é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa.

Concluindo, a jurisdição comum é a competente em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial que, no âmbito do processo de contra-ordenação aplicou ao arguido uma coima no montante de 750.00€, uma vez que a impugnação judicial dessa decisão foi apresentada, pelo Ministério Público, à distribuição como acusação em 22/09/2015, ou seja antes do início da vigência da norma prevista no artº 4º, nº 1, al. l) do ETAF prevista no DL nº 214-G/2014 de 02/10.


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3. Pelo exposto, resolvendo o presente conflito de jurisdição, os Juízes neste Tribunal dos Conflitos decidem declarar competentes, em razão da matéria, para conhecer e decidir a presente impugnação, os Tribunais Comuns.

Sem custas

Lisboa 27 de Setembro de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – José Luís Lopes da Mota – António Bento São Pedro – José António de Sousa Lameira – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Joaquim Piçarra.