Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:06/19
Data do Acordão:06/06/2019
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL
TRIBUNAL JUDICIAL
ENTIDADE PÚBLICA
PRESTAÇÃO
SERVIÇOS DE SAÚDE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24647
Nº do Documento:SAC2019060606
Data de Entrada:01/18/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA E O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA - JUIZ 4
AUTOR: CENTRO HOSPITALAR DE LEIRIA, E.P.E.
RÉU: ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Tribunal de Conflitos
O CENTRO HOSPITALAR DE LEIRIA, E.P.E., com sede na Rua das Olhalvas, 2410-197 Leiria, melhor identificada nos autos, intentou junto do TAF de Leiria, a presente acção administrativa contra o ESTADO PORTUGUÊS, tendo em vista a condenação deste no pagamento da quantia de 873,80€, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese que, em 10.11.2015 prestou tratamento médico a sinistrado que integra o pessoal da Guarda Nacional Republicana, fornecendo concretamente, medicação em ambulatório pela farmácia do hospital, por prescrição médica, no respectivo serviço de urgência.

Funda a sua pretensão, para além do mais, no disposto no Decreto-Lei n° 218/99, de 15 de Junho, que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, assim como, nas Portarias nº 20/2014, de 29 de Janeiro e, n° 234/2015, de 7 de Agosto, de cujas disposições resulta, no seu entendimento, a responsabilidade do demandado pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde no quadro do Serviço Nacional de Saúde.


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O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do Estado Português, apresentou contestação suscitando a respectiva ilegitimidade passiva e, quanto ao demais, sustentando a improcedência da acção.

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Por despacho proferido em 06.03.2018, foi suscitada oficiosamente a incompetência material do TAF de Leiria.

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Notificadas as partes para se pronunciarem, apenas o demandado veio dizer concordar com a procedência da excepção suscitada.

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Por despacho datado de 30 de Abril de 2018, foi decidido que o TAF de Leiria era incompetente para decidir do mérito da presente acção, atribuindo-se a competência aos Tribunais Comuns, por força do regime constante do DL nº 218/99 de 15.06 [que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no SNS], salientando-se ainda a existência de jurisprudência deste Tribunal de Conflitos na resolução de questões idênticas.

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Remetidos os autos, por iniciativa do autor, ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Local Cível – veio aqui a ser proferido despacho em 10.10.2018, igualmente a declinar a competência para decidir do mérito da presente acção.

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Estamos, pois, perante um conflito negativo de jurisdição motivado pela pronúncia de duas decisões judiciais, de sentido inverso, emitidas, primeiro, por um tribunal da jurisdição administrativa e, subsequentemente, por um tribunal da jurisdição comum, decisões que, mutuamente declinaram a competência material para dirimir o litígio submetido a juízo.

O poder jurisdicional, é sabido, encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam - cfr. arts. 209º e segs da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Nos termos do disposto no artº 211º, nº 1 da CRP, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Estabelecendo o artº 40º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (também o artº 64º do CPC).

Por sua vez, artº 212º, nº 3 da CRP estabelece que, “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Também o artº 1º, nº 1 do ETAF, na redacção aplicável, estatui que, os tribunais administrativos e fiscais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4º deste Estatuto.

A existência de várias categorias de tribunais supõe, naturalmente, um critério de repartição de competência entre eles, necessariamente de natureza objectiva, de acordo com a natureza das questões em razão da matéria, podendo, como tal, dar origem a conflitos de jurisdição.

A determinação do tribunal competente em razão de matéria, é aferida em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor, incluindo os respectivos fundamentos; ou seja, afere-se por referência à relação jurídica controvertida, tal como exposta na petição inicial – artº 5º, nº 1 do ETAF - atendendo-se ainda à identidade das partes, pretensão formulada e respectivos fundamentos, sendo, no entanto, nesta fase, indiferente o juízo de prognose acerca da viabilidade ou não da acção, face à sua configuração - cfr. entre muitos outros, os acórdãos do Tribunal dos Conflitos de 28-09-2010, processo nº 2/10 de 29-03-2011, processo nº 25/10, de 02-03-2011, processo 9/10 e de 09-09-2010, proc. 011/10.

Regressando à presente acção, resulta da petição inicial apresentada, que o autor funda a sua pretensão no disposto no DL nº 11/93, de 15 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, no Decreto-Lei n° 218/99, de 15 de Junho, que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como, nas Portarias n° 20/2014, de 29 de Janeiro e n° 234/2015, de 7 de Agosto, de cujas disposições resulta, no seu entendimento, a responsabilidade do aqui Réu pelos encargos resultantes da prestação de cuidados de saúde no quadro do Serviço Nacional de Saúde.

Ora, no presente caso, a incompetência material da jurisdição administrativa, decorre precisamente, do regime constante do Decreto-Lei n° 218/99, de cujas disposições resulta que o conhecimento da matéria trazida a juízo compete à jurisdição comum.

Aliás, esta questão não é nova e este Tribunal de Conflitos já foi chamado a pronunciar-se sobre a mesma, em situações análogas à presente, [em que estava em causa o pagamento de dívidas hospitalares em consequência da prestação de cuidados de saúde a trabalhadores em funções públicas] mais do que uma vez, fixando jurisprudência - cfr. Acórdãos de 07.03.2006, in proc. nº 022/05 e de 14.03.2006, in proc. nº 021/15 – no sentido de, face ao disposto no Decreto-Lei n° 218/99, compete à jurisdição comum conhecer das acções que as instituições e serviços integrados no serviço nacional de saúde intentem para obter a condenação dos réus no pagamento das quantias devidas pelos cuidados de saúde por si prestados – jurisprudência recentemente confirmada pelo acórdão de 19.10.2017, proferido no proc. nº 041/17.

E porque concordamos com a posição que vem sendo assumida, fundamentamo-nos na sua argumentação, que nos diz o seguinte:

“(…) A acção, em equação no presente conflito, destina-se à efectivacão das responsabilidades dos Réus por prestação de cuidados de saúde por banda do Requerente, entidade pública empresarial, integrada no Sistema Nacional de Saúde o que se mostra feito nos termos do DL 218/99, de 15 de Junho, o qual preceitua no seu artigo 1º, nº 2, o seguinte «Para efeitos do presente diploma, a realização das prestações de saúde consideram-se feitas ao longo de um contrato de prestação de serviços, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.», o que nos remete para o procedimento instituído no DL 269/98, de 1 de Setembro, de onde decorre a competência material dos tribunais judiciais no que tange à apreciação do petitório, neste preciso sentido o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 14 de Março de 2006 (Relator Madeira dos Santos), in www. dgsi.pt, onde se lê, além do mais e no que interessa à economia da presente decisão o seguinte «[O] DL nº 218/99 revogou e substituiu o DL n° 194/92, de 8/9 - diploma em que se atribuíra força executiva às certidões de dívida emanadas das instituições e serviços públicos integrados no serviço nacional de saúde e se determinara que as correspondentes acções executivas seriam «instauradas no tribunal da comarca» em que se encontrasse sediada a entidade exequente (os artºs 1° e 10º). Portanto, o DL n° 194/92 excluía qualquer hipótese de os processos daquele tipo correrem nos tribunais administrativos. Logo no preâmbulo do DL n° 218/99, o legislador anunciou o intuito de, através da «lex nova», alterar «as regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares», constantes do decreto-lei revogado; mas, como do mesmo preâmbulo eloquentemente flui, essa alteração de regras centrava-se na substituição da acção executiva pela declarativa, mudança essa justificada pelo facto de se haver entretanto constatado que a força executiva conferida às sobreditas certidões não trouxera as pretendidas celeridade e simplicidade processuais. Ora, se a mencionada «alteração das regras processuais» também passasse por uma redefinição dos tribunais e da jurisdição competentes para o conhecimento das acções previstas no diploma, seria natural que o preâmbulo se lhe referisse - pois só se compreenderia que uma modificação com essa amplitude permanecesse silenciada nas longas considerações preambulares que o legislador teceu. Portanto, o preâmbulo do DL n° 218/99, apesar de não dispor, «a se», de força normativa, constitui um primeiro e poderoso indício de que o diploma deve ser interpretado no sentido de que nada inovou quanto à competência dos tribunais que apreciariam as chamadas dívidas hospitalares - os quais continuariam a ser os da jurisdição comum» - cfr Acórdão de 19.10.2017, in proc nº 041/17.

Ou seja, resulta do exposto que é da competência da jurisdição comum, o conhecimento das acções destinadas à efectivação das responsabilidades dos utentes das entidades hospitalares integradas no Sistema Nacional de Saúde, por cuidados ali prestados, por força do disposto no artigo 1°, n° 2 do DL nº 218/99, sendo aplicável o regime jurídico das injunções.

Mas o Acórdão do TC de 07.03.2006, proferido no proc. nº 022/05, aduz ainda o seguinte, que aqui, de novo transcrevemos:

«(...) Como é sabido, a competência material dos Tribunais para a decisão do litígio configurado em determinada acção afere-se pelo pedido formulado nessa mesma acção, analisado à luz da respectiva causa de pedir, a menos que exista lei que especialmente fixe tal competência.

A acção em causa, como se disse, foi proposta pelo Hospital de contra a Direcção Geral dos Serviços Prisionais. E, como resulta do estatuído nos art. nº 1º e 4º do Dec - Lei nº 297/ 02, de 11/12, a inclusão daquele Hospital no Serviço Nacional de Saúde, que se verificava ao tempo de alguns dos serviços médicos prestados (belo menos os que tiveram lugar em 2001) por ser então uma pessoa colectiva de direito público, foi mantida com a sua transformação em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

Ora, já o Dec-Lei nº 147/83, de 5 /4, estipulava no seu art.° 1º que todas as acções para cobrança de dívidas a estabelecimentos resultantes da prestação de serviços de saúde seguiriam os termos do processo sumaríssimo, com determinadas adaptações, o que, como tal forma de processo não existia no contencioso administrativo, pressupunha a atribuição de competência à jurisdição comum, como aliás era prática judiciária corrente.

Por seu lado, o Dec-Lei nº 194/92, de 8/9, que nos termos do seu art.° 1° regulava a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde, atribuindo nomeadamente força executiva às certidões de dívida emanadas daquelas instituições e serviços e fixando a competência do “Tribunal da comarca” em que se encontrasse sediada a entidade exequente para as correspondentes acções executivas, e que, no seu artº 13° revogou aquele Dec-Lei nº 147/83, embora mantendo, como se vê, a competência da jurisdição comum, foi expressamente revogado pelo artº 14º do Dec-Lei nº 218/99, de 15/6, que é hoje, segundo o seu artº 1 o diploma que estabelece o regime de cobrança de dívidas pelas instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde em virtude dos cuidados de saúde prestados, mas que não refere de forma expressa qual o tribunal materialmente competente para o efeito de processar e decidir as questões respetivas.

Limita-se este diploma, no seu artº 7º, a determinar a competência territorial do Tribunal da sede da entidade credora, não incluindo agora a expressão “Tribunal da comarca” mas sem que tal omissão implique, só por si que o legislador tenha pretendido introduzir qualquer alteração relativa à competência, pois a actual expressão pode significar apenas que considerou desnecessário referir-se a uma competência material que pretendia manter.

Com efeito, parece o actual diploma pressupor a manutenção da competência material dos Tribunais da jurisdição comum, isto perante a análise do seu próprio preâmbulo, em que o legislador manifesta claramente a intenção de alterar apenas as regras processuais do regime de cobrança das dívidas hospitalares essencialmente mediante a substituição da acção executiva pela declarativa, pelo facto de entretanto se ter constatado que a força executiva conferida às aludidas certidões não provocara a celeridade e a simplicidade processuais visadas pelo diploma anterior na medida em que na generalidade dos casos a existência do crédito reclamado judicialmente e a verdadeira identidade do devedor eram discutidas em sede de embargos à execução.

E parece manifesto que, se o legislador tivesse então em vista que a alteração das regras processuais abrangesse também alguma alteração sobre a competência dos Tribunais ou da jurisdição em que o processo devesse correr, não se compreenderia que naquele preâmbulo não se fizesse a mínima alusão a tal nem qualquer síntese de razões explicativas da nova opção. Ou seja, nada referindo a tal respeito apesar das pormenorizadas explicações preambulares sobre os seus objectivos, parece pelo menos lógico interpretar o dito diploma como não tendo visado introduzir qualquer inovação sobre a competência dos Tribunais que deveriam proceder à análise e decisão das questões respeitantes às dívidas hospitalares.

Acresce que no mesmo sentido aponta o disposto no artº 6° do mencionado Dec - Lei nº 218/99, ao estabelecer a possibilidade de as instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde se constituírem panes civis em processo penal relativo a facto que tenha dado origem à prestação de cuidados de saúde, para dedução de pedido de pagamento das respectivas despesas, possibilidade essa que aponta de forma praticamente decisiva para a competência da jurisdição comum, que é aquela onde correm os processos penais. Caso contrário, isto é, se o legislador pretendesse que a competência coubesse à jurisdição comum quando os devedores fossem accionados em processo criminal e à jurisdição administrativa quando fossem accionados fora desse processo, estaria ele a consagrar a competência de duas ordens jurisdicionais diferentes para apreciar questões da mesma natureza, de forma incongruente, pois a distribuição de competência entre jurisdições se baseia precisamente na natureza das questões a decidir.

Assim, e ainda porque o litígio em questão não integra uma relação jurídica entre pessoas de direito público desenvolvida sob a égide do direito público, mas antes uma relação jurídica estabelecida no âmbito da gestão privada da entidade credora, pelo que o seu objecto não se enquadra na previsão de qualquer das als. do artº 4º do E.T.A.F., conclui-se que se trata aqui de um caso nítido em que se justifica uma interpretação extensiva, por ser manifesto que o legislador disse menos do que aquilo que pretendia dizer, sendo consequentemente de interpretar o citado Dec - Lei nº 218/99 no sentido de consagrar a competência dos Tribunais integrados na jurisdição comum para apreciar os pedidos de condenação no pagamento de dívidas hospitalares por prestação de cuidados de saúde.

Subsiste ainda, porém, a questão de saber se essa competência dos Tribunais comuns se mantém ou não quando os assistidos pelo estabelecimento hospitalar sejam servidores públicos acidentados em serviço, questão essa decidida pelo Exmº Juiz do Tribunal do Trabalho no sentido negativo.

Ora, é manifesto que o regime da cobrança de dívidas consagrado no citado Dec-Lei não atende à causa das lesões determinantes dos tratamentos prestados, salvo (artºs 9° a 12°) no tocante a dívidas resultantes de acidentes de viação, o que não é o caso. Assim, apenas há que ter em conta a causa de pedir invocada, integrada somente por aqueles factos a que o mencionado diploma reconhece a eficácia de determinar a competência do Tribunal, e que consistem em não mais do que a prestação de cuidados de saúde por instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, independentemente da qualidade dos assistidos. Quer isto dizer que a referência feita na petição inicial à qualidade dos assistidos enquanto servidores públicos apenas releva para determinação da legitimidade passiva, pois, se não o fossem, tal legitimidade caberia a eles pro ou aos causadores das lesões que tenham originado os tratamentos; e não é essa legitimidade, mas a causa de pedir, que tem eficácia na determinação da competência material do Tribunal

O Dec-Lei nº 503/99, de 20/11, que aprova o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, dispõe, porém, no seu artº 48º, nº 1, que “o interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos Tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos Tribunais administrativos e tem carácter de urgência.” E foi com base neste dispositivo e no artº 6º nº 4, do mesmo diploma que o Tribunal do Trabalho considerou competente o Tribunal Administrativo.

Mas não lhe pode ser reconhecida razão, pois esse diploma nada estipula no tocante à questão suscitada no presente conflito.

Com efeito, esse Dec-Lei, que no nº 4 do seu artº 6º se limita a prever o modo como “os estabelecimentos da rede oficial de saúde que prestem assistência aos trabalhadores abrangidos” no mesmo diploma devem cobrar extrajudicialmente as despesas correspondentes junto do serviço ou organismo responsável, o que pretende naquele art.° 48°, nº 1, é apenas esclarecer a competência para resolução dos litígios que surjam internamente nas relações entre a Administração e os seus servidores que tenham sofrido acidentes em serviço ou padeçam de doenças profissionais, coisa que nos autos a que o presente conflito se refere não acontece.

De todo o exposto resulta a competência da jurisdição comum para o processamento da acção em que foi suscitada a questão do pagamento das dívidas hospitalares em causa e para a decisão da mesma questão, embora este Tribunal não possa, como se referiu, determinar, dentro dessa jurisdição comum, se o materialmente competente é o Tribunal Judicial ou o Tribunal do Trabalho.

Nestes termos, acorda-se em declarar competente para apreciar e conhecer da acção em causa a jurisdição comum.»


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Face ao exposto, e seguindo a jurisprudência firmada neste Tribunal de Conflitos, a que se adere, quer em termos de fundamentação, quer de decisão, impõe-se concluir, no caso sub judice, pela incompetência em razão da matéria, para dele conhecer, dos tribunais administrativos.

E consequentemente atribuir a referida competência, em razão da matéria, aos Tribunais da Jurisdição Comum, o que se decide.

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se que a competência para a acção cabe aos Tribunais da Jurisdição Comum - Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo Cível Local.

Sem custas

Lisboa, 6 de Junho de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – José Luís Lopes da Mota – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – António Leones Dantas – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria Rosa Oliveira Tching.