Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 062/19 |
Data do Acordão: | 03/02/2021 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. DIREITO DE PROPRIEDADE. TRIBUNAIS COMUNS. |
Sumário: | Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção em que se discutem direitos reais, nomeadamente, o direito de propriedade sobre um terreno. |
Nº Convencional: | JSTA000P27293 |
Nº do Documento: | SAC20210302062 |
Data de Entrada: | 12/09/2019 |
Recorrente: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SANTARÉM – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ABRANTES E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA — U.O.1 AUTOR: A............ E OUTRA RÉU: PARQUE ESCOLAR E.P.E. E ESTADO PORTUGUÊS |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Conflito n.º: 62/19 Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório A………… e mulher B…………, identificados nos autos, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Abrantes, acção com processo comum contra Estado Português e Parque Escolar, E.P.E., pedindo a sua condenação a reconhecer que os AA. adquiriram por compra o prédio rústico identificado, a reconhecer que a linha divisória entre os prédios dos AA. e dos RR. é a que consta do cadastro e da planta topográfica que juntam como documento; a serem obrigados a levantar e deslocar a vedação metálica do lugar onde foi posta indevidamente para a estrema assinalada pelos marcos existentes, ou seja, deixe de ocupar uma faixa de terreno de 425,00m2 do terreno do AA. e a restitua ao prédio destes; a fixar-se a linha divisória dos prédios de acordo com o levantamento constante da planta topográfica e a eliminar as manilhas de esgoto que ficaram a correr a céu aberto para o terreno dos AA. ou ligarem-nas ao colector. Em síntese, alegam ser proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado, por compra, posse que ocorre há mais de vinte anos. Durante os trabalhos de reabilitação da Escola Básica e Secundária ………, situada em prédio que confina com o dos AA., alguns dos marcos que existiam a separar os dois prédios foram retirados do local e foi colocada pela 2.ª Ré uma rede metálica fixa com cerca de 2 metros de altura para delimitar os dois prédios. Essa vedação em rede metálica passou a ocupar uma faixa de terreno do prédio dos AA. em cerca de 425,00m2. Ocupação que reputam de abusiva, ilegal e contra a sua vontade. Em sede de contestação, os RR. deduziram a excepção da incompetência em razão da matéria. Em 10.01.2019, no Juízo Local Cível de Abrantes, foi proferida decisão (fls. 179 a 183) que julgou o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciação e julgamento da acção intentada. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a pedido dos AA., foi aí proferida decisão em 03.06.2019 a declarar a incompetência em razão da matéria para conhecer do objecto dos autos. Após trânsito em julgado, a Juíza do TAF de Leiria constatou a ocorrência de conflito negativo de jurisdição e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal dos Conflitos. Já neste Tribunal dos Conflitos as partes foram notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º da Lei n.º 91/2019 e nada disseram. A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência material para julgar a acção deverá ser atribuída ao Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Cível de Abrantes. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório. 3. O Direito O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo Local Cível de Abrantes e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Entendeu o Juízo Local Cível de Abrantes estar perante uma acção de responsabilidade civil extracontratual, instaurada contra os RR em solidariedade passiva, sendo que um deles, a Parque Escolar, EPE, é uma pessoa colectiva de direito público empresarial e, por isso, o julgamento da acção competiria aos tribunais administrativos. Remetido o processo ao TAF de Leiria este, por sua vez, também se considerou incompetente em razão da matéria, apoiando-se em jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, concluiu "não estar aqui em causa uma acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado, já que o objecto do litígio se reconduz, na verdade, à propriedade da faixa de terreno que os Autores invocam ter sido ilicitamente ocupada pelos Demandados, pretendendo ademais que seja fixada a linha divisória dos prédios" que é "matéria para cuja análise os Tribunais Administrativos não são competentes". Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211.°, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.°, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» [artigos 212.º, n.º 3, da CRP, 1.º, n.º 1, do ETAF]. A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art.º 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção do DL n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, que atendendo à data da propositura da acção, é a que aqui releva) com delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4). Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o A. configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se afirmou no Ac. deste Tribunal de 1.10.2015, Proc. 08/14 “A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo". Ora, aquilo que os AA. pedem na presente acção é que seja reconhecida e declarada a sua propriedade sobre a faixa de terreno e que a Ré a reponha e restitua, retire a vedação de delimitação dos terrenos e a coloque de forma a que deixe de ocupar aquela faixa de terreno. Como causa de pedir invocam o direito de propriedade sobre o prédio onde se inclui a faixa de terreno em causa, alegando tê-lo adquirido por compra e estar na sua posse há mais de vinte anos, tendo aí construído uma habitação. Tal como se apresenta, deparamo-nos com uma causa no âmbito dos direitos reais já que os AA. alegam factos que visam demonstrar a titularidade do seu direito de propriedade sobre a faixa de terreno em causa, que consideram ter sido violado pelos RR. Assim, a pretensão principal que os AA. enunciam enquadra-se na ação de reivindicação de propriedade privada. A jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos tem, abundantemente, entendido que a competência para conhecer de acções em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais (cfr. Acs. de 30.11.2017, Proc. 011/17, de 13.12.2018, Proc. 043/18, de 23.05.2019, Proc. 048/18 e de 23.01.2020, Proc. 041/19, todos consultáveis in www.dgsi.pt). Assim, a competência material para conhecer da presente acção cabe à jurisdição comum (art. 64° do CPC). Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a presente acção o Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Abrantes. Sem custas. Nos termos e para os efeitos do art. 15°-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que a adjunta, Senhora Vice-Presidente do STJ, Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza tem voto de conformidade. Lisboa, 2 de Março de 2021 Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa |