Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:035/16
Data do Acordão:05/04/2017
Tribunal:CONFLITOS
Relator:COSTA REIS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ESTADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
MILITAR.
Sumário:Cabe à jurisdição administrativa o conhecimento de acção proposta contra o Estado para efectivação da sua responsabilidade civil extracontratual.
Nº Convencional:JSTA000P21816
Nº do Documento:SAC20170504035
Data de Entrada:12/19/2016
Recorrente:A.......... CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DO PORTO, UNIDADE ORGÂNICA 1 E A COMARCA DO PORTO - VILA NOVA DE GAIA - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CÍVEL J5.
AUTOR: A...
RÉU: MAI E OUTRO
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 35/16.

Acordam em conferência no Tribunal de Conflitos:

1. A………… instaurou, no Tribunal judicial da comarca do Porto, contra Ministério da Administração Interna e B………., militar da GNR, acção declarativa de responsabilidade civil emergente de acidente de viação destinada a exigir condenação do Réu no pagamento de uma indemnização.
No quadro do peticionado, o militar demandado circulava num veículo da GNR, em marcha de urgência, com a finalidade de dar apoio a patrulha mas sem a devida “atenção aos demais veículos que circulavam na via, de modo a não comprometer a segurança dos demais utentes da via». «Pois, ainda que circulando em marcha de urgência, colocou em causa a segurança dos utentes da via, acabando por embater na viatura do Autor”.

O Tribunal da comarca do Porto V.N Gala - Instância Local - Secção Cível - J5, considerou que «encontrando-nos perante uma acção de responsabilidade extracontratual deduzida contra o Ministério da Administração Interna e contra o seu agente B………[…] com vista obter o pagamento de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência de acidente de viação quando o 2.° Réu, enquanto Militar da GNR, ao volante de uma viatura militar, e ao serviço de funções, é competente para conhecer da mesma o tribunal administrativo».
Por essa razão, declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da acção, absolvendo os Réus da instância (decisão de 29.12.2015).

O Autor requereu a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo do Porto, o que veio a ser determinado.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou-se, igualmente, materialmente incompetente para a acção, considerando competentes os tribunais comuns e absolvendo os réus da instância. Para tanto, nomeadamente, considerou que não decorria «da propriedade do veículo automóvel supostamente responsável pelo sinistro pertencer ao Estado e ser conduzido por um servidor público em exercício de funções, que dali obrigatoriamente tivesse emergido uma relação jurídico-administrativa ou que tal evento se traduza num acto de gestão pública» (decisão de 15.42016).

Aquele mesmo Tribunal, oficiosamente, nos termos do artigo 111°, n.º 1, do CPC, vem suscitar a resolução do conflito.

Notificadas as partes, só o Autor se pronunciou no sentido da «remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto».

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da competência da jurisdição administrativa.

Cumpre decidir, vindo os autos á Sessão, sem vistos, como determina o artigo 88°, § 1°, do Decreto n.º 19243, de 16 de Janeiro de 1931.

2. Os factos e a dinâmica processual apurada nos autos e com interesse para a resolução do conflito em causa são os acima referidos.

3. No presente conflito releva a discussão sobre se basta a natureza pública da entidade demandada em sede de efectivação de responsabilidade civil extracontratual para a determinação da jurisdição competente.

O problema foi já enfrentado por diversas vezes neste Tribunal, com solução constante, com a qual se concorda. – vd., por ex., acórdão de 26.10.2006, conflito 18/06; acórdão de 26.9.2007, conflito n° 13/07; acórdão de 23.01.2008, conflito 17/07; acórdão de 17.6.2010, conflito 30/09; acórdão de 02.3.2011, conflito 9/10. - Por isso, e por economia, remete-se para a fundamentação neles acolhida, destacando-se, por suficiente, o seguinte trecho do acórdão de 23.01.2008:
«Temos, assim, que, com a entrada em vigor do actual ETAF, de acordo com a regra geral do art. 4°/1/g) e salvo as excepções subtractivas contidas no n° 3 do mesmo preceito legal, passou a ser da competência do juiz administrativo apreciar todas as questões de responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, quer relativas a relações jurídicas administrativas, quer referentes a relações extra-administrativas, independentemente de serem regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado. Ou dito de outro modo, nas palavras de Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, pg. 714, o ETAF “privilegiou um factor de incidência subjectiva. Independentemente da natureza jurídica pública ou privada da situação de responsabilidade, esta cabe no âmbito da jurisdição exercida pelos tribunais administrativos só porque é pública a personalidade da entidade alegadamente responsável ou da entidade em que se integram os titulares de órgãos ou servidores públicos
Significa isto que a qualificação entre actos de gestão pública e actos de gestão privada que, à luz do art. 51°/1/h) do anterior ETAF, aprovado pelo DL n° 129/84, de 27/04, era critério operativo da repartição de competências entre os tribunais da jurisdição administrativa e os tribunais da ordem comum, nas acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos passou a ser irrelevante para este efeito. O interesse nessa distinção passou a estar confinado, apenas, ao direito material.

E quanto ao demandado militar da GNR aplica-se à doutrina também do acórdão que se acabou de citar: «o conhecimento das acções para efectivação de responsabilidade civil extracontratual dos servidores das pessoas colectivas de direito público, por danos ocorridos no exercício das suas funções e por causa delas (art. 271°/1 CRP), qualquer que seja o regime da prestação do seu trabalho e qualquer que seja a natureza da actividade causadora do dano, está atribuído à jurisdição administrativa, por força do disposto no art. 4°f 1/h) do ETAF».

DECISÃO
Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal julgam que a competência para a acção cabe aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Maio de 2017. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – João Moreira Camilo – Jorge Artur Madeira dos Santos – Paulo Armínio de Oliveira Sá – José Francisco Fonseca da Paz – José Adriano Machado Souto de Moura.